Na semana passada, a plataforma de assinatura paga OnlyFans anunciou que iria reprimir precisamente o conteúdo que construiu seu negócio: pornografia. A notícia gerou uma infinidade de piadas nas redes sociais, mas também uma grande quantidade de indignação e angústia entre os dois milhões de pessoas para quem a plataforma virou uma fonte de renda. “O OnlyFans é o jeito que tenho de pagar meu aluguel”, disse uma criadora do OnlyFans ao jornal The New York Times. “É meu pão de cada dia”.
A pornografia vem ocupando o centro do debate nacional desde a década de 1960, mas as linhas de batalha mudaram e se turvaram ao longo das décadas: na esteira do movimento #MeToo, muitos liberais agora estão examinando mais de perto a onipresença da pornografia online e a maneira como as mulheres são retratadas. Ao mesmo tempo, as redes sociais oferecem à pornografia e a seus criadores uma plataforma maior do que jamais tiveram.
A pornografia é um vício a ser regulamentado ou é um tipo de conteúdo que tem de ser deixado quieto? E o que a resposta significa para as pessoas cujo sustento depende dela? Aqui está o que as pessoas estão dizendo.
A nova guerra contra a pornografia
Depois da revolução sexual, a pornografia se tornou uma preocupação central da direita americana, em certo ponto ainda mais do que o aborto ou a homossexualidade. “As coisas obscenas”, disse o presidente Richard Nixon, em 1970, “não deveriam ser simplesmente contidas no seu nível atual; deveriam ser proibidas em todos os Estados da União”.
A causa encontrou recrutas motivados entre conservadores cristãos como Jerry Falwell, mas também em influentes feministas de esquerda, como a jurista Catharine MacKinnon e a ativista e escritora Andrea Dworkin, que acreditava que a pornografia constituía uma violação dos direitos civis das mulheres: “Todas as regras do abuso sexual, todas as nuances do sadismo sexual, todas as rotas e atalhos da exploração sexual estão codificados na pornografia”, escreveu ela.
Mas, no final da década de 1980, o movimento para censurar a pornografia naufragou com base na Primeira Emenda – e a cultura americana também evoluiu. “Batom, salto alto e positividade sexual estavam na moda”, escreveu Moira Donegan para o Bookforum em 2019. “Dworkin – e sua caracterização macabra e raivosa da violência sexual – estava decididamente descartada”.
Nos últimos anos, porém, a proliferação da pornografia online reavivou o interesse em sua regulamentação. Como Maggie Jones escreveu para a The Times Magazine em 2018, a pornografia agora é a verdadeira educadora sexual da juventude americana, alertando que as gerações nativas da internet estão aprendendo ideias sobre sexo heterossexual que são, na melhor das hipóteses, irrealistas e, na pior, violentamente misóginas. (Para jovens gays e bissexuais, observou Jones, os estudos mostram que a pornografia pode ser uma fonte de afirmação).
Existem poucas pesquisas sobre o que as crianças estão assistindo e se isso afeta seu comportamento. “Mas você não precisa acreditar que a pornografia leva à agressão sexual ou que ela está criando uma geração de homens brutalizados para se perguntar como os conteúdos pornográficos ajudam a moldar a maneira como os adolescentes falam e pensam sobre sexo e, por extensão, suas ideias sobre masculinidade, feminilidade, intimidade e poder”, escreveu Jones.
A pornografia online mereceu o mais rigoroso escrutínio para se saber como ela facilita o abuso de mulheres e meninas. Nos últimos dez anos, quase todos os Estados criminalizaram o revenge porn [ou seja, “pornografia de vingança”], o compartilhamento não consensual de fotos ou vídeos sexualmente explícitos. A pornografia de vingança afeta principalmente as mulheres, como Rebekah Wells escreveu para o New York Times em 2019, e pode devastar a saúde e as perspectivas financeiras de longo prazo de suas vítimas.
No ano passado, o colunista do New York Times Nicholas Kristof detalhou como os sites de pornografia lucram com essa e outras formas de abuso. Um dos sites de pornografia mais visitados do mundo, o Pornhub, atrai 3,5 bilhões de visitas por mês, mais do que a Netflix ou a Amazon, e está “infestado de vídeos de estupro”, escreveu ele. “A plataforma monetiza estupros de crianças, pornografia de vingança, vídeos de câmeras de espionagem de mulheres tomando banho, conteúdo racista e misógino e imagens de mulheres sendo asfixiadas em sacos plásticos”.
Pouco depois da publicação dessa coluna, Discover, Mastercard e Visa suspenderam os pagamentos ao Pornhub. Pouco depois, a Mastercard anunciou novas regras para bancos que processam pagamentos a vendedores de conteúdo adulto: a partir de outubro, os sites terão de verificar a idade e a identidade de qualquer pessoa que seja retratada ou faça upload de conteúdo adulto, além de instituir um sistema de revisão de conteúdo antes da publicação e oferecer resoluções rápidas para reclamações e recursos.
Essas mudanças nas regras parecem ter desempenhado um papel importante na recente proibição do OnlyFans. Em um comunicado, a empresa disse que a mudança foi feita “para atender às solicitações de nossos parceiros bancários e provedores de pagamentos”.
Por que criadores de pornografia e grupos de liberdade de expressão estão reagindo
Embora a indústria pornográfica certamente tenha um papel importante na facilitação da exploração sexual e econômica, muitos artistas rejeitam a narrativa de que ela é a causa primeira do tráfico sexual. Alana Evans, diretora do Sindicato dos Atores de Performances Adultas, observa no The Daily Beast que, de acordo com o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, a empresa-mãe do Pornhub, que possui vários outros sites populares de pornografia, foi responsável por 13.229 relatos de “material de abuso sexual infantil” em 2020; o Facebook, por outro lado, respondeu por 20,3 milhões – quase 95% do total. A maioria do recrutamento online em casos de tráfico sexual em 2020 também ocorreu no Facebook, de acordo com o Human Trafficking Institute.
Então, por que o foco nos sites de pornografia? Na The New Republic, Melissa Gira Grant argumenta que a pornografia é apenas o mais recente alvo de organizações conservadoras cristãs engajadas em uma “guerra santa” contra o que consideram a decadência moral dos Estados Unidos. As preocupações com o tráfico sexual, escreve ela, oferecem uma maneira para esses grupos – como o Morality in the Media, uma organização anti-pornografia fundada na década de 1960 que em 2015 se rebatizou como National Center on Sexual Exploitation – para lançar sua missão como uma causa de justiça social.
Muitos criadores de pornografia dizem que o aumento da repressão apenas os colocará em maior risco pessoal e financeiro. “Empresas como a Mastercard agora são cúmplices da privação de direitos de milhões de profissionais do sexo, cúmplices em empurrar profissionais da independência para condições potencialmente mais perigosas e exploratórias”, disse a Free Speech Coalition, uma associação comercial para a indústria de entretenimento adulto, em comunicado.
O paradoxo é especialmente amargo quando se trata do OnlyFans, que tirou poder e dinheiro de estúdios e sites como o Pornhub e os colocou nas mãos de criadores individuais. Quando veio a pandemia, a plataforma também se tornou uma tábua de salvação, oferecendo a incontáveis artistas uma maneira de ganhar dinheiro na segurança de seus próprios lares.
Como escreve Charlotte Shane na The Times Magazine, o OnlyFans tem seus defeitos: a empresa fica com 20% nos lucros e, embora alguns artistas ganhem milhões de dólares, “a grande maioria tem sorte se juntar umas poucas centenas”. E, mesmo que a empresa tenha uma política de barrar menores e bloquear postagens que contenham agressão sexual, violência ou zoofilia, uma investigação recente da BBC concluiu que a fiscalização é frouxa.
No geral, porém, “sites diretos ao consumidor como OnlyFans têm sido uma bênção para os profissionais de maneiras significativas”, disse Heather Berg, professora da Universidade Washington em St. Louis e autora de Porn Work, disse Shane. Uma das melhores medidas desse fato, disse Berg, é que os executivos da pornografia tradicional estão realmente irritados com sua existência.
Além de suas consequências para os criadores de pornografia, a decisão do OnlyFans levanta questões importantes sobre o poder que as processadoras de pagamento têm sobre o conteúdo online.
“Quem decide o que fica e o que cai na internet?”, pergunta Issie Lapowsky, do Protocol. No caso do OnlyFans, “a resposta sobre quem manda parece ser Visa e Mastercard”. Surgiram comparações com os regimes de moderação de conteúdo de gigantes das redes sociais como o Facebook, mas Lapowsky observa que, de certa forma, os riscos são maiores quando se trata de empresas de cartão de crédito, porque suas decisões políticas abrangem diversos setores.
O pornô pode ser reformado? Precisa ser reformado?
Hoje você ainda pode encontrar muitos conservadores que, assim como Nixon, MacKinnon e Dworkin, acreditam que a pornografia deveria ser proibida. Um deles é Ross Douthat, colunista do New York Times, que escreveu em 2018 que a educação pornográfica produz um tipo de personalidade masculina tóxica, “ao mesmo tempo egoísta, ressentida, raivosa e desmotivada”. Banir a pornografia, argumentou ele, “reduziria drasticamente seu papel pedagógico, sua normalidade cultural, seu poder sobre a libido por toda parte”.
Mas, como Douthat reconheceu, essa não é uma proposta que vá conquistar a maioria dos americanos. Além disso, ainda não se sabe ao certo se a pornografia de fato gera atitudes prejudiciais em relação às mulheres, o “paradigma dos efeitos negativos”, como os acadêmicos o chamam: um estudo de 2019 descobriu que os “superfãs de pornografia” na verdade tinham visões mais progressistas sobre os papéis de gênero do que a população geral dos Estados Unidos.
Mas, mesmo que você concorde com o problema da influência pedagógica da pornografia, foram propostas outras maneiras de combatê-la, além da proibição. Uma delas, explorada por Elizabeth Bruenig, da The Atlantic, seria a “alfabetização pornográfica”, concebida para ajudar os adolescentes a pensar mais criticamente sobre a pornografia e como consumi-la de forma ética. Bruenig, de sua parte, não acredita que os educadores escolares estejam à altura da tarefa. E ela não está sozinha: Amia Srinivasan, filósofa da Universidade de Oxford, disse que um programa de educação sexual superior deveria recrutar os próprios profissionais do sexo.
O caráter exploratório da indústria talvez seja uma questão ainda mais espinhosa de resolver, mas Shane diz que a resposta é dar às criadoras mais poder, não menos.
O OnlyFans ofereceu a muitas mulheres uma maneira de controlar seu trabalho e manter a maior parte de sua renda, escreve ela no site The Cut. Mas “o que a internet deu – formas de publicidade fáceis e gratuitas, melhores ferramentas para rastrear clientes, maneiras mais baratas de gravar e distribuir pornografia – o governo, com o braço de propaganda devastadoramente eficaz das coalizões civis anti-indústria do sexo, continua tirando”. / Tradução de Renato Prelorentzou.