Neeraj Agrawal, porta-voz de um think tank sobre criptomoedas, normalmente usava o aplicativo de mensagens criptografadas Signal para conversar com amigos e colegas de trabalho preocupados com privacidade. Ele ficou surpreso quando, na última segunda-feira, recebeu uma notificação no aplicativo sobre a chegada de dois novos usuários: sua mãe e seu pai. “O Signal tinha um lance meio subversivo”, disse Agrawal, de 32 anos. “Agora até meus pais estão lá”.
Situações como essa foram comuns na semana passada: dezenas de milhões de pessoas baixaram o Signal e o Telegram, transformando-os nos dois aplicativos mais populares do mundo. O Signal permite que as mensagens sejam enviadas com criptografia de ponta a ponta, o que significa que ninguém, exceto o remetente e o receptor, pode ler seu conteúdo. Já o Telegram oferece algumas opções de mensagens criptografadas, mas é muito popular por suas salas de bate-papo em grupo, onde as pessoas podem discutir uma variedade de assuntos.
Esse repentino salto de popularidade foi impulsionado por uma série de eventos que alimentou um receio em relação a algumas das grandes empresas de tecnologia e seus aplicativos de comunicação, como o WhatsApp, que pertence ao Facebook. Companhias como Facebook e Twitter recentemente removeram milhares de contas de extrema direita - entre elas as do presidente Donald Trump - depois da invasão do Capitólio nos EUA. Amazon, Apple e Google também cortaram os servidores do Parler, uma rede social popular entre os seguidores de Trump. Em resposta, os conservadores buscaram novos aplicativos onde pudessem se comunicar.
Além disso, as preocupações com a privacidade aumentaram no WhatsApp. Na semana passada, em uma notificação, o app lembrou os usuários de que o ‘zap’ compartilha dados com o Facebook. A notificação desencadeou uma onda de desconfiança, alimentada por mensagens virais que afirmavam que o Facebook poderia ler mensagens do WhatsApp - o que não é verdade, já que os conteúdos das conversas são protegidos por criptografia de ponta a ponta.
O resultado foi uma migração em massa que, se durar, pode enfraquecer o poder do Facebook e de outras gigantes de tecnologia. Na última terça-feira, o Telegram disse que viu um aumento de mais de 25 milhões de usuários nos três dias anteriores, ultrapassando a marca de 500 milhões de usuários. O Signal adicionou cerca de 1,3 milhão de usuários só na segunda-feira, após uma média de apenas 50 mil downloads por dia no ano passado, de acordo com estimativas da Apptopia, uma empresa de dados de aplicativos.
“Já tivemos picos de downloads anteriormente”, disse Pavel Durov, presidente-executivo do Telegram. “Mas desta vez é diferente”.
Carl Woog, porta-voz do WhatsApp, disse que as configurações de privacidade dos usuários não mudaram e que os rumores sobre quais dados são compartilhados eram, em grande parte, infundados. “O que não muda é que as mensagens privadas para amigos e familiares, incluindo bate-papos em grupo, serão protegidas por criptografia de ponta a ponta, para que não possamos vê-las”, disse ele.
Acessos no mundo todo
A ascensão do Telegram e do Signal pode inflamar o debate sobre a criptografia, recurso que ajuda a proteger a privacidade das comunicações digitais das pessoas, mas que também pode impedir que as autoridades investiguem crimes, porque as conversas são ocultas.
O Telegram é particularmente popular entre os partidários de extrema direita porque emula as redes sociais. Então, na semana passada, depois que o Facebook e o Twitter bloquearam Trump de seus serviços e outras empresas começaram a tirar os servidores do Parler, grupos de extrema-direita tanto do Parler quanto de outras redes sociais marginais começaram a postar links para novos canais no Telegram e pediram às pessoas que se juntassem a eles.
A enxurrada de usuários do Telegram, que tem sede em Dubai, e do Signal, que tem sede no Vale do Silício, vai muito além da extrema direita americana. Durov disse que 94% dos 25 milhões de novos usuários do Telegram vieram da Ásia, Europa, América Latina, Oriente Médio e Norte da África.
Quase toda a onda de novos usuários do Signal vem de fora dos Estados Unidos. Na quarta-feira, a empresa disse que era o aplicativo número 1 em 70 países nos dispositivos iOS e em 45 países nos dispositivos Android, sendo a Índia uma das maiores áreas de crescimento de novos usuários. Tanto para o Signal quanto para o Telegram, as novas instalações vieram de usuários na Indonésia, México, Brasil e dezenas de outros países, mostram os dados da Apptopia.
O caso do WhatsApp
Os novos termos de uso do WhatsApp não trazem mudanças significativas na forma como o aplicativo lida com os dados dos usuários. Porém, ao visualizarem a notificação de privacidade na semana passada, os usuários imediatamente interpretaram o aviso como indício de que o aplicativo estava se infiltrando em todos os tipos de informações pessoais - como registros de conversas pessoais e chamadas de voz - e compartilhando esses dados com outras empresas.
O WhatsApp rapidamente esclareceu que as pessoas estavam enganadas e que a empresa não consegue ver nada dentro dos chats e chamadas criptografadas. Mas era tarde demais.
“Parece que agora o mundo inteiro entendeu que o Facebook não está construindo aplicativos para as pessoas, mas sim construindo aplicativos para seus dados”, disse Moxie Marlinspike, fundadora e executiva-chefe do Signal. “Foi necessário um pequeno catalisador para levar todo mundo a fazer uma mudança”.
O fervor foi tanto que na última terça-feira, Moses Tsali, um rapper de Los Angeles, lançou um videoclipe para sua música, ‘Hit Me On Signal’ (“Me chame no Signal”, em tradução livre).
No Twitter, o empresário bilionário Elon Musk também se manifestou sobre o episódio, com um endosso de duas palavras: “Use Signal”. A publicação de Musk fez com que as ações da Signal Advance Inc., uma pequena fabricante de dispositivos médicos, subissem de um valor de mercado de aproximadamente US$ 50 milhões para mais de US$ 3 bilhões. Detalhe: a empresa não tem relação com o aplicativo de mensagens.
Alguns líderes mundiais também pediram às pessoas que se juntassem aos aplicativos alternativos. No domingo, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, falou no Twitter sobre seu novo grupo no Telegram - na quarta-feira, ele tinha quase 100 mil membros. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU