Mais de US$ 60 bilhões foram investidos nos últimos dois anos, em quase uma centena de companhias de tecnologia, por um único nome: a SoftBank. Fundada nos anos 1980 no Japão, a empresa, conhecida até há pouco como operadora, vem aos poucos se tornando uma “gigante silenciosa” do mercado de tecnologia, graças às apostas agressivas de seu presidente executivo, Masayoshi Son.
Hoje, a SoftBank tem fatias em algumas das empresas mais quentes do mercado de tecnologia – como o Uber e a sua rival chinesa Didi, o sistema de comunicação Slack ou a rede de escritórios compartilhados WeWork. Analisados em conjunto, os investimentos da empresa podem não fazer sentido – por que uma operadora teria interesse em robôs ou fabricantes de chips? Mas esta não é uma operadora comum.
“Desde sempre, a SoftBank se viu como uma investidora – não é à toa que seu nome tem a palavra ‘banco’”, avalia Ricardo Distler, diretor executivo da consultoria Accenture. Para ele, é preciso lembrar que as companhias orientais têm um perfil diferente. “Nós medimos desempenho por trimestres. Elas planejam por períodos de cinco ou dez anos. Ou mais”. Que tal 300?
Campeãs. É a própria SoftBank que definiu esse prazo, em uma estratégia que remete à de alguns conglomerados japoneses: chamados de zaibatsu, são empresas como Mitsui e Mitsubishi, que têm atividades em diversas áreas. “A diferença é que muitas empresas dos zaibatsu não são líderes. Nós queremos ter apenas campeãs”, diz um porta-voz da SoftBank ao Estado. “E queremos fazer isso na revolução da informação, um campo de batalha que tem também Google e Amazon”. Em outros termos, “a SoftBank quer ter um pedaço de tudo o que importará nos próximos anos, como carros autônomos, inteligência artificial, e chips”, como explica Joel Kulina, analista da consultoria americana Wedbush Securities.
Há uma palavra mágica para entender como a SoftBank consegue investir tanto hoje: Alibaba. A japonesa foi um dos primeiros investidores da varejista chinesa – na primeira rodada de aportes, Masayoshi Son colocou US$ 200 milhões na loja que queria vender tudo pela internet. Quando a Alibaba abriu seu capital, em maio de 2014, a participação da SoftBank – em torno de 28% – rendeu. Hoje, a fatia é avaliada em cerca de US$ 141 bilhões – mais até do que o valor de mercado da própria japonesa, que encerrou a última semana cotada em US$ 91,2 bilhões.
Com a “aplicação rentável”, Son conseguiu intensificar seu ritmo de apostas – em um portfólio que já contava com a operadora americana Sprint, por exemplo. Entre elas, houve algumas aquisições notáveis – caso da projetista de semicondutores britânica ARM, responsável pelo design dos chips presentes em quase 90% dos celulares do mundo. Ou da fabricante de robôs francesa Aldebaran, responsável pelo simpático Pepper. Usado hoje em lojas e bancos, ele virou um mascote da nipônica e demonstra o potencial da robótica no mundo.
Transporte. Mas, mais do que controle, a SoftBank prefere comprar participações. Nenhuma delas é mais notória que a fatia que a empresa tem no Uber. Antes de apostar no aplicativo americano de transportes, que também trabalha no desenvolvimento de um carro autônomo, a empresa já tinha fatias de seus rivais globais – caso da chinesa Didi, do indiano Ola e até da brasileira 99, antes de a empresa ser vendida para a Didi, em janeiro. “É melhor ter o canhão de capital deles comigo do que apontado para mim”, disse o presidente do Uber, Dara Khosrowshahi, sobre por que topou o negócio. Para especialistas, a SoftBank pode forçar uma consolidação do setor.
O Uber, porém, foi um dos últimos investimentos “solo” feitos pela empresa. “Nosso veículo de investimento agora é o Vision Fund”, diz um porta-voz da japonesa ao Estado. É um titã: formado em 2017, o fundo de investimentos captou US$ 93 bilhões – entre seus sócios, estão o fundo soberano da Arábia Saudita e a Apple. Só a SoftBank investiu US$ 30 bilhões no projeto, que já fez mais de 30 aportes.
É uma tática que incomoda o Vale do Silício – o fundo Sequoia Capital, que já investiu em empresas como Facebook e Nubank, por exemplo, trabalha para montar um fundo bilionário capaz de competir com o Vision Fund. A corrida por startups pode levar o mercado inteiro a um problema, velho conhecido do setor: o risco de uma bolha após a supervalorização de suas empresas, como já aconteceu nos anos 2000.
Há ainda um segundo risco para a SoftBank: bater de frente com gigantes de tecnologia como Google e Amazon, que têm, elas próprias, apostado em sua diversificação – as duas investem pesado em inteligência artificial e computação em nuvem, além de uma série de negócios diferentes, de sistemas operacionais a conteúdo original em vídeo. “É uma tendência ver as empresas desse setor se transformando em constelações”, avalia André Carvalho, professor da Universidade de São Paulo em São Carlos. Resta apenas saber se há espaço suficiente no céu.