Em vídeos de menos de quinze segundos, a paulistana Letícia Gomes, de 25 anos, é capaz de se transformar em famosos como Fátima Bernardes, Luan Santana e Silvio Santos. O feito tem um tanto de habilidade na hora de se maquiar e outro tanto de tecnologia. Isso porque as imagens são gravadas, editadas e publicadas num só aplicativo: o da rede social chinesa TikTok. Na plataforma, cheia de filmetes curtos, ágeis e animados, Letícia tem mais de 3 milhões de seguidores. Ela não é a única: vários criadores de conteúdo brasileiros que se dedicam à rede (chamados de ‘tiktokers’) já têm público que chega aos sete dígitos, em uma amostra da popularidade do app por aqui – e que já preocupa gigantes das redes sociais, como o Facebook.
“Eu me adaptei bem com o formato da plataforma, que são os vídeos curtos. Meu propósito não é ensinar as pessoas a se maquiar, mas sim entreter”, diz Letícia, que chega a faturar R$ 10 mil por mês com o conteúdo que produz na internet – além do TikTok, ela também tem canais no Instagram e no YouTube, mas a maior parte do que ganha vem da rede chinesa. Além de maquiagem, seus vídeos também têm danças e desafios – uma espécie de “corrente” entre os usuários do app, normalmente envolvendo alguma dublagem ou coreografia específica.
Ela é uma das pioneiras ao usar a plataforma: seu canal foi aberto em 2017, ainda nos tempos do Musical.ly – rede de uma startup americana que foi comprada pela chinesa Bytedance naquele mesmo ano e deu origem ao TikTok, que hoje soma mais de 500 milhões de usuários no mundo, segundo a consultoria Data Reportal. Já a Bytedance é uma das startups de capital fechado mais valiosas do mundo, avaliada em US$ 75 bilhões – mais que o dobro de Twitter e Snapchat juntos. Segundo Letícia, porém, o movimento na rede nunca esteve tão alto: “meu conteúdo começou a ter muito mais engajamento do final do ano passado para cá.”
A percepção não é só dela: desde o fim de 2019, houve crescimento nas pesquisas pelo TikTok no Google, de acordo com dados da empresa. Esse movimento tem se intensificado ao longo do último mês, no qual, em tempos de quarentena, as pessoas têm ficado mais em casa e buscado distração: no mundo, em março, as buscas cresceram 66% em todo o mundo. Aqui no Brasil, o interesse triplicou.
Os downloads também aumentaram progressivamente: entre setembro de 2019 e março de 2020, o app do TikTok para Android (sistema operacional usado por 9 entre 10 celulares do País) teve uma alta de mais de 700%, com pico justamente em março. Se ainda é difícil saber como será o mundo após o coronavírus, especialistas ouvidos pelo Estado concordam em uma coisa: se já era grande antes da pandemia, o TikTok provavelmente sairá dela ainda maior.
Estratégia
Mas o que faz o TikTok ter tanta força? Parte da resposta está na própria natureza do app. Há alguns anos, vídeos curtos têm chamado a atenção da internet e em especial, de usuários mais jovens – o que fez o Snapchat bombar e ser imitado pelas redes sociais comandadas por Mark Zuckerberg, como o Facebook e o Instagram. O TikTok também aprendeu com o Snapchat a importância de ter ferramentas espertas de edição. E foi além: fez da música um de seus principais destaques – algo que já estava originalmente no Musical.ly, um app todo dedicado à dublagem.
“Essa conexão forte com a música ajudou a promover o TikTok no mundo. Muitos desafios são criados por cantores que querem promover suas músicas”, diz Edney Souza, diretor acadêmico da Digital House e especialista em redes sociais. “Muitos desses cantores tem milhões de seguidores em outras plataformas, o que ajuda a rede a crescer ainda mais.” Hoje, as gravadoras têm até usado o TikTok como plataforma de lançamento para potenciais hits.
Conforme o TikTok foi crescendo, seus vídeos também passaram a ser divulgados em outras redes sociais pelo conteúdo engraçado ou atrativo. No YouTube, não é díficil achar publicações como “os melhores do TikTok”. E como todas as imagens levam uma marca d’água ou identificação da rede, a marca chinesa viraliza junto com as criações mais populares. Além disso, isso ajudou a empresa a não ter apenas jovens no seu público – embora dados apontem que hoje, dois terços da base de usuários do app tem menos de 30 anos.
O lado estratégico da Bytedance, porém, também entra na conta. Não basta só o conteúdo, mas também a forma como ele é apresentado ao usuário. E aí aparece o algoritmo usado pela rede, calibrado ao máximo para filtrar o interesse do usuário e mostrar ainda mais vídeos do que lhe interessou em um assunto. “É um algoritmo que não foi feito para promover a informação, mas sim o tempo de uso do aplicativo e as respostas”, diz Fabro Steibel, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio). “É um sistema que olha não necessariamente o que é melhor para a comunidade, mas sim para o indivíduo.”
Outro ponto forte da empresa foi saber costurar, desde cedo, parcerias com grandes marcas – algo que não só rende dinheiro, mas também notoriedade, e foi um dos grandes tropeços do Snapchat em sua trajetória. Lá fora, grifes como Sephora e Calvin Klein tem grandes contratos com o TikTok, bem como ligas esportivas como a NFL, de futebol americano, e o campeonato espanhol de futebol, a La Liga.
Aqui no Brasil, é um movimento que ainda está no começo, até porque a empresa começou a atuar com foco no País há pouco tempo. Há um ano, tinha cerca de 15 funcionários no escritório em São Paulo. Hoje, não revela números, mas uma pesquisa rápida no LinkedIn mostra pelo menos 40 profissionais atrelados à empresa no País atualmente, além de seis vagas abertas por aqui. A maior parte das contratações aconteceu justamente no segundo semestre, quando começou o pico de downloads por aqui.
Para Isabela Ventura, presidente da empresa de marketing de influência Squid, “é questão de tempo para a monetização acontecer mais forte ainda, até porque foi um movimento que começou no segundo semestre de 2019”. Desde aquela época, a rede teve campanhas de peso, como a das Havaianas e a do Guaraná Antarctica, que convocou diversos tiktokers para fazer quadros de comédia, brincadeiras e desafios musicais com as latinhas do refrigerante.
O ator paraibano Apollo Costa, de 22 anos, participou da campanha do Guaraná Antarctica. Com mais de 1 milhão de seguidores na rede, ele já fez séries e novelas na TV, mas optou pelo TikTok para ser o principal canal de comunicação com o seu público. “Como ator, eu dependia de produtores e emissoras, gente muito grande, para produzir. Agora, consigo ganhar dinheiro sozinho com o TikTok, por isso dei uma atenção maior pra ele”, afirma.
Desafios
Mas em sua expansão internacional, o app tem enfrentado uma série de desafios. Nos Estados Unidos, por exemplo, o TikTok tem sido acusado de espionagem pró-Pequim, captando dados de usuários e enviando para servidores chineses. A empresa enfrenta uma investigação do governo americano e já foi alvo de um projeto de lei para proibir que funcionários federais usem a plataforma. É também uma disputa política: desde que assumiu o posto, Donald Trump tem atacado empresas de tecnologia chinesas, como a fabricante de smartphones e equipamentos de telecomunicações Huawei.
No Brasil, a questão ainda não foi colocada em pauta, mas pode encontrar um obstáculo futuramente. Segundo Steibel, um dos fatores que pode influenciar na força do aplicativo no Brasil é a relação com o governo também nessa questão da privacidade. “Vai depender de como o TikTok reage ao governo, ainda mais com uma gestão que está alinhada aos EUA no momento”, explica. As disputas políticas, porém, podem também beneficiar a plataforma. “O Facebook se profissionalizou quando teve de dialogar com políticos”, diz o diretor do ITS-Rio.
Além disso, existe a preocupação com o acesso de crianças e adolescentes, em relação ao conteúdo que pode ser consumido por essa faixa etária. No Reino Unido, por exemplo, a plataforma lançou uma ferramenta para que pais pudessem controlar a atividade de seus filhos no aplicativo. “A segurança dos usuários é prioridade no TikTok. Os usuários devem atender aos requisitos de idade mínima para usar o TikTok. Quando os titulares de contas de menores de idade são identificados, removemos suas contas”, explica Rodrigo Barbosa, gerente de comunidade do TikTok.
Mas o ponto mais difícil será mesmo permanecer relevante, ainda mais por conta da constante comparação com o Snapchat. Para Steibel, a entrada das classes C e D no aplicativo – algo que já tem começado a acontecer – pode diferenciá-lo do rival americano, focado em interações menos abertas e voltadas para classes mais altas da população. Além disso, o TikTok precisa se preocupar com o Facebook, que depois de ter uma proposta de aquisição do Snapchat negada, começou a copiar indiscriminadamente o sistema de Evan Spiegel.
O app chinês já entrou no radar de Mark Zuckerberg. No mês passado, Sheryl Sandberg, diretora de operações e número 2 do Facebook, assumiu que a empresa teme pelo crescimento do aplicativo chinês. "Eles são enormes, estão crescendo muito rapidamente, chegaram a números maiores mais rapidamente do que nós alcançamos", afirmou a executiva. No mundo, o app foi o segundo mais baixado nos celulares em 2019, atrás apenas do WhatsApp, segundo dados da companhia de análise Sensor Tower.
O Facebook até já lançou uma cópia do TikTok, o Lasso, no mercado mexicano, mas que ainda não decolou. Já o YouTube, que também luta pelo coração dos influenciadores, pode lançar até o final do ano um rival para o chinês, cujo nome de projeto até aqui é Shorts (“curtas”, em tradução literal). Na visão dos especialistas, porém, o TikTok tem boas chances para ter um final diferente do Snapchat. “O TikTok é todo pensado para celular e quando chegou para a disputa no Ocidente, já era gigante”, diz Steibel. “É certo que ele vai ficar? Não sabemos. Mas os indícios são muito bons.”
*É estagiária, sob supervisão do editor Bruno Capelas