Entenda como o monopólio do Google afeta as suas buscas


Bem debaixo dos nossos narizes, o site mais usado da Internet fica cada vez pior – e agora é acusado de abusar de seu poder de dominância no mercado

Por Geoffrey A. Fowler
Para o Departamento de Justiça dos EUA, o Google abusa de seu poder no mercado Foto: Mike Blake/Reuters

Hoje, vamos usar o Google juntos. Abra uma janela do navegador da Internet e faça uma pesquisa por camisetas. Eu espero. Por acaso a primeira coisa que aparece é um resultado de busca? Não estou falando das seções chamadas Anúncios ou Mapas. Na minha tela, o resultado não está na primeira linha, nem na segunda, terceira, quarta, quinta, sexta, sétima nem na oitava linha da página. Fica enterrado na nona linha.

Antes, uma pesquisa não exigia tantas rolagens ou cliques em telas diferente. No caso de algumas buscas, parece que estamos brincando de “Onde Está Wally?” com a informação. Sem que tenhamos nos dado conta, o site mais usado da Internet tem ficado cada vez pior. Em um grande número de consultas, o Google está mais interessado em tornar as buscas lucrativas do que em oferecer a nós um produto melhor.

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Há um motivo pelo qual a empresa faz isso impunemente, de acordo com recente investigação do Congresso dos EUA: o Google é grande demais. Para o Departamento de Justiça dos EUA, que abriu nesta terça-feira, 20, um processo de concorrência desleal contra a empresa, ela abusa de seu poder no mercado. Parece algo complicado de entender quando o buscador do Google é um serviço gratuito, não é mesmo? 

Mas como o suposto monopólio do Google afeta você? Hoje, 88% de todas as buscas são feitas no Google, em parte porque contratos fazem dele o provedor padrão em computadores e celulares. Mas pode ser difícil verificar a qualidade da informação do Google. Em primeiro lugar, o uso desse provedor de busca é simples, o que acaba nos cegando para seus defeitos. Em segundo lugar, não temos uma excelente alternativa para buscas amplas na web – o sistema rival da Microsoft, Bing, não tem dados suficientes para concorrer bem e esse é o problema dos monopólios na era da informação. 

Nas duas décadas mais recentes, o Google fez mudanças a conta-gotas, sem grandes reformas. Para ver como os resultados de busca mudaram, precisamos de uma máquina do tempo. A boa notícia é que nós temos uma máquina dessas.

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A Wayback Machine do Internet Archive armazenou alguns resultados de buscas do Google ao longo dos anos. Olhando para o passado, surge um quadro de como o Google cada vez mais falha conosco. Há mais espaço dedicado a anúncios que parecem resultados de busca. Mais resultados começam com respostas "abreviadas" – às vezes incorretas – roubadas de outros sites. E, cada vez mais, os resultados nos direcionam para outras propriedades do Google, como o Mapas e o YouTube, onde a empresa pode nos mostrar mais anúncios e coletar mais dos nossos dados.

São muitas as situações em que o Google continua sendo extremamente útil. Acredito na empresa quando ela diz fazer mais de 3 mil melhorias por ano, como buscas com a câmera ou simplesmente cantarolar para encontrar uma canção. Mas também é verdade que o Google é capaz de rebaixar resultados melhores quando isso ajuda a gigante de buscas a ganhar dinheiro ou dar prioridade a outro de seus serviços. Ela pode agir como uma pessoa fazendo compras em seu nome e escolhendo os produtos com base naqueles que rendem a melhor comissão.

O Google discorda da minha análise. “Comparar a experiência oferecida atualmente pelo Google à qualidade do Google em 1999 é como comparar um sinal de Wi-Fi de alta velocidade à Internet discada", respondeu por e-mail a porta-voz Lara Levin. Ela disse que é incorreto definir os resultados como links gratuitos para outros sites. “O que mudou foi nossa forma de organizar a informação, que passou a ser mais moderna, e centenas de milhares de testes realizados todos os anos nos dizem que as pessoas consideram isso útil."

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Nas próximas semanas, congressistas, autoridades reguladoras e especialistas jurídicos devem travar uma batalha em torno das nuances da lei de combate à formação de trustes. Felizmente, para ver por conta própria como o Google pensa mais no lucro do que no usuário, basta me acompanhar em três buscas esclarecedoras.

Em comparação a 2000, as pesquisas do Google por “camisetas” em 2020 exigem rolar seis vezes mais para baixo na página para encontrar um resultado não pago com link para outro site Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

Busca noº1: “camisetas"

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O Google simplesmente não sabe escolher as melhores compras para nós. Comparei lado a lado os resultados de duas pesquisas por camisetas no Google feitas via Wayback Machine como se fossem nos anos de 2000 e 2013 com os resultados que vemos hoje em 2020. Usei sempre buscas feitas no navegador do desktop, uma vez que os resultados podem variar conforme o local, horário e plataforma. 

Sabemos que o Google tem anúncios. Mas, quando o Google nos conquistou, eram exibidos menos anúncios, geralmente destacados com um fundo colorido. Hoje, o resultado da minha busca por camisetas está enterrado embaixo de quatro anúncios e nove resultados de compras à direita. Há também um mapa gigante com links – já vamos falar da proliferação desse tipo de conteúdo.

Em relação ao observado em 2000, hoje temos que rolar a página seis vezes mais do que antes para chegar ao primeiro resultado real de um link para um site externo que não tenha pago para ser exibido.

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As camisetas não são o único tipo de busca que exige uma rolagem desproporcional. O psicólogo cognitivo Pete Meyers, que analisa os resultados do Google para a empresa de marketing Moz, estudou 10 mil buscas diferentes para descobrir o quanto os links externos são empurrados para o meio da página. Em 2013, em média, o primeiro resultado real com um link externo aparecia na página na altura do pixel 375. Em 2020, esse resultado caiu para a altura do pixel 616, por causa dos anúncios e de todas as outras informações que o Google coloca na frente dos links "orgânicos" para outros sites.

A realidade é que o resultado que aparecer por cima provavelmente será o negócio mais bem-sucedido – e esse negócio terá de repassar a nós, seus clientes, o custo dos anúncios do Google que fazem com que determinada loja ou estabelecimento apareça primeiro.

É verdade que, em 2000, os resultados do Google para uma busca por camisetas nem eram muito bons – entre os cinco principais resultados estavam o site CDNow e até a página da Apple (a empresa de computadores). Mas temos que lembrar que as buscas ligadas a compras eram menos comuns em 2000. E isso não serve como desculpa para o fato de o Google dificultar tanto o acesso aos verdadeiros resultados hoje em dia.

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Com uma máquina do tempo, também vemos como o Google dificulta cada vez mais a identificação dos anúncios. Ginny Marvin, editora da publicação Search Engine Land, dedicada ao segmento de buscas, acompanha há anos o que ela descreve como “mistura entre anúncios e links orgânicos". De acordo com o arquivo dela, os primeiros anúncios tinham fundo colorido e etiquetas, sendo depois mudados para fundo branco com etiquetas coloridas. 

O Google de fato removeu em 2016 os anúncios de texto antes exibidos na lateral direita dos resultados de busca. Mas, hoje, o Google mostra até quatro anúncios no começo dos resultados de buscas feitas na plataforma desktop, usando uma pequena etiqueta preta de "anúncio" que desaparece em meio ao contexto de uma página movimentada.

Nos últimos 20 anos, o Google mudou significativamente a forma como rotula os anúncios no topo dos resultados de pesquisa Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

“É preciso estar muito alerta para não clicar no anúncio por engano", foi como o site TechCrunch, do Vale do Silício, descreveu a mais nova mudança na identificação dos conteúdos por parte do Google, ocorrida no início do ano, removendo uma caixa verde em torno da palavra Anúncio e trazendo-a mais para cima. Porta-voz da empresa, Lara disse que o Google mudou o design dos resultados para “deixá-los mais claros" e apontou que, nos estudos da companhia, o novo design facilitou para as pessoas a distinção entre anúncios e resultados.

Acredite se puder, o Google também acredita que os anúncios não nos incomodam – na verdade, acha que são úteis. Lara disse: “Só temos incentivos para exibir anúncios quando esses são úteis para as pessoas". Ela não respondeu quando perguntei qual era a proporção de consultas que agora são acompanhadas por anúncios, e nem qual o tamanho da fatia desses resultados ocupada pelos anúncios.

Se tudo que você queria era pesquisar quais são as camisetas mais populares, boa sorte. O Google está mais interessado em garantir que receba sua parte por qualquer camiseta que você acabe comprando.

Até ser mudado em setembro, é assim que o Google respondia a uma pergunta sobre “question one nevada”, uma proposta do eleitor na cédula de 2020 Foto: Elliot Anderson

Busca nº 2: "question one nevada"

Esse resultado tinha um problema grave que foi corrigido pelo Google em setembro. Question One é uma iniciativa a ser votada na eleição de novembro que, se aprovada, mudaria a forma de administrar o ensino superior do estado de Nevada. Algumas semanas atrás, Elliot Anderson, ex-deputado estadual que ajudou a levar a Question One a pleito, reparou que ao buscar "question one Nevada" no Google era gerada uma caixa de texto no topo dos resultados dizendo: "Vote 'não' para a Question 1".

Como diabos chegamos a um ponto em que os resultados de busca do Google dizem às pessoas como devem votar? O Google vem se afastando da descrição que seu cofundador, Larry Page, fez da missão da empresa no momento da abertura do seu capital em 2004: “tirar o usuário do Google e levá-lo ao lugar certo o mais rápido possível". Agora, em vez de mostrar dez links externos para fontes de informação, o Google procura nos dar o que chama de respostas diretas, dizendo que são mais convenientes.

Com frequência, essa informação chega sob a forma de “trechos em destaque", escolhidos pelo seu software e emprestados de fontes que este considera respeitáveis. Às vezes, ao fazer uma busca, queremos apenas uma resposta – principalmente quando usamos um assistente de voz

Mas quem elegeu o Google como curador definitivo do conhecimento? Nem sempre os trechos selecionados pelo Google estão corretos, como ocorreu no caso da Question One. “A informação estava correta e tinha de um site oficial, mas o trecho destacado da página representava apenas um dos lados de um tópico civil e, assim, adotamos medidas condizentes com nossas políticas relevantes para remover o trecho", disse Lara.

(Já Anderson disse ter indicado o erro repetidas vezes com o link “enviar feedback", mas nada aconteceu. O Google corrigiu o erro depois que este foi indicado a um funcionário do Google via Twitter.) Não é difícil encontrar exemplos de trechos estranhos escolhidos pelo Google, que às vezes recorre a fontes menos respeitáveis. Se pesquisarmos “Como verificar o saldo do vale-presente Krispy Kreme", recebemos informações de um site que vende vales-presente, e não do site da própria rede de fast food Krispy Kreme, que contém a verdadeira resposta e um link útil.

Outras respostas diretas que simplesmente nos remetem de volta ao Google também estão empurrando os links externos cada vez mais para baixo na página. Hoje, esses resultados também podem começar com vídeos do YouTube, outras buscas sugeridas – ou, como no caso da busca por camisetas, um grande mapa do Google.

Um estudo recente realizado pela Markup, investigadora sem fins lucrativos, revelou que em 15 mil buscas populares recentes, o Google dedicou 41% da primeira página de resultados no celular ao próprio Google, incluindo seus próprios sites e respostas (Lara disse à Markup que esse estudo foi realizado com base em uma “amostragem de buscas pouco representativa".)

Há momentos em que o mapa do Google ou um vídeo do YouTube no alto de uma pesquisa podem ser úteis. O problema é que o Google também tem um incentivo econômico para evitar que cliquemos em outras fontes externas. Como destacou a Markup, o Google obtém cinco vezes mais receita com anúncios em suas propriedades do que com os anúncios que distribui em outras plataformas.

O resultado de pesquisa do Google para pediatras começa com seu próprio mapa e três avaliações para consultórios médicos que não são necessariamente os mais bem avaliados Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

Busca nº 3: "pediatras arlington virgínia"

O conflito de interesses do Google pode nos levar a tomar decisões ruins. Quando pesquisamos por pediatras, a primeira coisa que o Google exibe como resultado é um grande mapa do seu Google Maps. No meu mapa, o Google identifica três consultórios. São os melhores da região, ou talvez os mais populares? Olhando atentamente, vemos que dois deles têm classificação abaixo de quatro estrelas, com menos de 20 avaliações.

Se eu rolar a página de resultados do Google e clicar no site de avaliações Zocdoc, encontro resultados de um número bem maior de pediatras, dos quais alguns têm mais de 200 avaliações – e uma classificação bem mais alta. É verdade que resenhas em sites às vezes são falsas, mas por que o Google sempre coloca seus próprios resultados em primeiro lugar?

A pesquisa por um médico é uma versão mais importante de um problema que afeta as buscas do Google por voos, traduções, restaurantes e outras informações locais. Até nossa busca por camisetas teve como resultado principal um mapa do Google mostrando lojas da região, nas quais eu não conseguiria comprar camisetas pela Internet, antes dos links para outros sites.

O termo técnico para esse fenômeno é “favorecimento" de busca. Como seria o desempenho das medíocres avaliações de médicos do Google em meio a resultados que não sejam produzidos pelo próprio Google?

O Google diz que, diariamente, as pessoas contribuem com mais de 20 milhões de avaliações para o Mapas. Ano passado eu fiz uma recomendação desse tipo depois dos apelos do meu dentista, na esperança que seu nome finalmente aparecesse nas buscas do Google.

Lara disse que os resultados do Google são “pensados para oferecer as respostas mais relevantes e significativas para uma determinada consulta em diferentes dimensões. Supor que um site com mais avaliações ou contatos seria automaticamente melhor é uma falsa premissa".

O congresso disse que a prática do Google é perigosa, escrevendo na página 188 do seu relatório que “como resultado, são privilegiados os serviços inferiores do próprio Google em detrimento das ofertas da concorrência".

A capacidade do Google de promover seus próprios produtos transformou silenciosamente segmentos inteiros da economia. Como escreveu recentemente minha colega Rachel Lerman, desde o lançamento de Google Flights e Google Hotels há quase dez anos, o Google passou a dominar o segmento de venda de passagens aéreas online. Não importa que a busca de passagens do Google não seja considerada a melhor, assim como ocorre com os pediatras: o serviço da empresa nem mesmo figura entre os indicados da Frommers de melhores sites para preços de passagens em 2020.

É assim que os monopólios cobram seu preço. O Google está brincando como quer com a ideia de um mecanismo de busca, garantindo que os resultados mais simples e fáceis de acessar sejam anúncios pagos ou informações que mantêm o usuário no Google. De todo modo, o Google sai vencendo – e nós somos os perdedores, mais do que nos damos conta. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Para o Departamento de Justiça dos EUA, o Google abusa de seu poder no mercado Foto: Mike Blake/Reuters

Hoje, vamos usar o Google juntos. Abra uma janela do navegador da Internet e faça uma pesquisa por camisetas. Eu espero. Por acaso a primeira coisa que aparece é um resultado de busca? Não estou falando das seções chamadas Anúncios ou Mapas. Na minha tela, o resultado não está na primeira linha, nem na segunda, terceira, quarta, quinta, sexta, sétima nem na oitava linha da página. Fica enterrado na nona linha.

Antes, uma pesquisa não exigia tantas rolagens ou cliques em telas diferente. No caso de algumas buscas, parece que estamos brincando de “Onde Está Wally?” com a informação. Sem que tenhamos nos dado conta, o site mais usado da Internet tem ficado cada vez pior. Em um grande número de consultas, o Google está mais interessado em tornar as buscas lucrativas do que em oferecer a nós um produto melhor.

Há um motivo pelo qual a empresa faz isso impunemente, de acordo com recente investigação do Congresso dos EUA: o Google é grande demais. Para o Departamento de Justiça dos EUA, que abriu nesta terça-feira, 20, um processo de concorrência desleal contra a empresa, ela abusa de seu poder no mercado. Parece algo complicado de entender quando o buscador do Google é um serviço gratuito, não é mesmo? 

Mas como o suposto monopólio do Google afeta você? Hoje, 88% de todas as buscas são feitas no Google, em parte porque contratos fazem dele o provedor padrão em computadores e celulares. Mas pode ser difícil verificar a qualidade da informação do Google. Em primeiro lugar, o uso desse provedor de busca é simples, o que acaba nos cegando para seus defeitos. Em segundo lugar, não temos uma excelente alternativa para buscas amplas na web – o sistema rival da Microsoft, Bing, não tem dados suficientes para concorrer bem e esse é o problema dos monopólios na era da informação. 

Nas duas décadas mais recentes, o Google fez mudanças a conta-gotas, sem grandes reformas. Para ver como os resultados de busca mudaram, precisamos de uma máquina do tempo. A boa notícia é que nós temos uma máquina dessas.

A Wayback Machine do Internet Archive armazenou alguns resultados de buscas do Google ao longo dos anos. Olhando para o passado, surge um quadro de como o Google cada vez mais falha conosco. Há mais espaço dedicado a anúncios que parecem resultados de busca. Mais resultados começam com respostas "abreviadas" – às vezes incorretas – roubadas de outros sites. E, cada vez mais, os resultados nos direcionam para outras propriedades do Google, como o Mapas e o YouTube, onde a empresa pode nos mostrar mais anúncios e coletar mais dos nossos dados.

São muitas as situações em que o Google continua sendo extremamente útil. Acredito na empresa quando ela diz fazer mais de 3 mil melhorias por ano, como buscas com a câmera ou simplesmente cantarolar para encontrar uma canção. Mas também é verdade que o Google é capaz de rebaixar resultados melhores quando isso ajuda a gigante de buscas a ganhar dinheiro ou dar prioridade a outro de seus serviços. Ela pode agir como uma pessoa fazendo compras em seu nome e escolhendo os produtos com base naqueles que rendem a melhor comissão.

O Google discorda da minha análise. “Comparar a experiência oferecida atualmente pelo Google à qualidade do Google em 1999 é como comparar um sinal de Wi-Fi de alta velocidade à Internet discada", respondeu por e-mail a porta-voz Lara Levin. Ela disse que é incorreto definir os resultados como links gratuitos para outros sites. “O que mudou foi nossa forma de organizar a informação, que passou a ser mais moderna, e centenas de milhares de testes realizados todos os anos nos dizem que as pessoas consideram isso útil."

Nas próximas semanas, congressistas, autoridades reguladoras e especialistas jurídicos devem travar uma batalha em torno das nuances da lei de combate à formação de trustes. Felizmente, para ver por conta própria como o Google pensa mais no lucro do que no usuário, basta me acompanhar em três buscas esclarecedoras.

Em comparação a 2000, as pesquisas do Google por “camisetas” em 2020 exigem rolar seis vezes mais para baixo na página para encontrar um resultado não pago com link para outro site Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

Busca noº1: “camisetas"

O Google simplesmente não sabe escolher as melhores compras para nós. Comparei lado a lado os resultados de duas pesquisas por camisetas no Google feitas via Wayback Machine como se fossem nos anos de 2000 e 2013 com os resultados que vemos hoje em 2020. Usei sempre buscas feitas no navegador do desktop, uma vez que os resultados podem variar conforme o local, horário e plataforma. 

Sabemos que o Google tem anúncios. Mas, quando o Google nos conquistou, eram exibidos menos anúncios, geralmente destacados com um fundo colorido. Hoje, o resultado da minha busca por camisetas está enterrado embaixo de quatro anúncios e nove resultados de compras à direita. Há também um mapa gigante com links – já vamos falar da proliferação desse tipo de conteúdo.

Em relação ao observado em 2000, hoje temos que rolar a página seis vezes mais do que antes para chegar ao primeiro resultado real de um link para um site externo que não tenha pago para ser exibido.

As camisetas não são o único tipo de busca que exige uma rolagem desproporcional. O psicólogo cognitivo Pete Meyers, que analisa os resultados do Google para a empresa de marketing Moz, estudou 10 mil buscas diferentes para descobrir o quanto os links externos são empurrados para o meio da página. Em 2013, em média, o primeiro resultado real com um link externo aparecia na página na altura do pixel 375. Em 2020, esse resultado caiu para a altura do pixel 616, por causa dos anúncios e de todas as outras informações que o Google coloca na frente dos links "orgânicos" para outros sites.

A realidade é que o resultado que aparecer por cima provavelmente será o negócio mais bem-sucedido – e esse negócio terá de repassar a nós, seus clientes, o custo dos anúncios do Google que fazem com que determinada loja ou estabelecimento apareça primeiro.

É verdade que, em 2000, os resultados do Google para uma busca por camisetas nem eram muito bons – entre os cinco principais resultados estavam o site CDNow e até a página da Apple (a empresa de computadores). Mas temos que lembrar que as buscas ligadas a compras eram menos comuns em 2000. E isso não serve como desculpa para o fato de o Google dificultar tanto o acesso aos verdadeiros resultados hoje em dia.

Com uma máquina do tempo, também vemos como o Google dificulta cada vez mais a identificação dos anúncios. Ginny Marvin, editora da publicação Search Engine Land, dedicada ao segmento de buscas, acompanha há anos o que ela descreve como “mistura entre anúncios e links orgânicos". De acordo com o arquivo dela, os primeiros anúncios tinham fundo colorido e etiquetas, sendo depois mudados para fundo branco com etiquetas coloridas. 

O Google de fato removeu em 2016 os anúncios de texto antes exibidos na lateral direita dos resultados de busca. Mas, hoje, o Google mostra até quatro anúncios no começo dos resultados de buscas feitas na plataforma desktop, usando uma pequena etiqueta preta de "anúncio" que desaparece em meio ao contexto de uma página movimentada.

Nos últimos 20 anos, o Google mudou significativamente a forma como rotula os anúncios no topo dos resultados de pesquisa Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

“É preciso estar muito alerta para não clicar no anúncio por engano", foi como o site TechCrunch, do Vale do Silício, descreveu a mais nova mudança na identificação dos conteúdos por parte do Google, ocorrida no início do ano, removendo uma caixa verde em torno da palavra Anúncio e trazendo-a mais para cima. Porta-voz da empresa, Lara disse que o Google mudou o design dos resultados para “deixá-los mais claros" e apontou que, nos estudos da companhia, o novo design facilitou para as pessoas a distinção entre anúncios e resultados.

Acredite se puder, o Google também acredita que os anúncios não nos incomodam – na verdade, acha que são úteis. Lara disse: “Só temos incentivos para exibir anúncios quando esses são úteis para as pessoas". Ela não respondeu quando perguntei qual era a proporção de consultas que agora são acompanhadas por anúncios, e nem qual o tamanho da fatia desses resultados ocupada pelos anúncios.

Se tudo que você queria era pesquisar quais são as camisetas mais populares, boa sorte. O Google está mais interessado em garantir que receba sua parte por qualquer camiseta que você acabe comprando.

Até ser mudado em setembro, é assim que o Google respondia a uma pergunta sobre “question one nevada”, uma proposta do eleitor na cédula de 2020 Foto: Elliot Anderson

Busca nº 2: "question one nevada"

Esse resultado tinha um problema grave que foi corrigido pelo Google em setembro. Question One é uma iniciativa a ser votada na eleição de novembro que, se aprovada, mudaria a forma de administrar o ensino superior do estado de Nevada. Algumas semanas atrás, Elliot Anderson, ex-deputado estadual que ajudou a levar a Question One a pleito, reparou que ao buscar "question one Nevada" no Google era gerada uma caixa de texto no topo dos resultados dizendo: "Vote 'não' para a Question 1".

Como diabos chegamos a um ponto em que os resultados de busca do Google dizem às pessoas como devem votar? O Google vem se afastando da descrição que seu cofundador, Larry Page, fez da missão da empresa no momento da abertura do seu capital em 2004: “tirar o usuário do Google e levá-lo ao lugar certo o mais rápido possível". Agora, em vez de mostrar dez links externos para fontes de informação, o Google procura nos dar o que chama de respostas diretas, dizendo que são mais convenientes.

Com frequência, essa informação chega sob a forma de “trechos em destaque", escolhidos pelo seu software e emprestados de fontes que este considera respeitáveis. Às vezes, ao fazer uma busca, queremos apenas uma resposta – principalmente quando usamos um assistente de voz

Mas quem elegeu o Google como curador definitivo do conhecimento? Nem sempre os trechos selecionados pelo Google estão corretos, como ocorreu no caso da Question One. “A informação estava correta e tinha de um site oficial, mas o trecho destacado da página representava apenas um dos lados de um tópico civil e, assim, adotamos medidas condizentes com nossas políticas relevantes para remover o trecho", disse Lara.

(Já Anderson disse ter indicado o erro repetidas vezes com o link “enviar feedback", mas nada aconteceu. O Google corrigiu o erro depois que este foi indicado a um funcionário do Google via Twitter.) Não é difícil encontrar exemplos de trechos estranhos escolhidos pelo Google, que às vezes recorre a fontes menos respeitáveis. Se pesquisarmos “Como verificar o saldo do vale-presente Krispy Kreme", recebemos informações de um site que vende vales-presente, e não do site da própria rede de fast food Krispy Kreme, que contém a verdadeira resposta e um link útil.

Outras respostas diretas que simplesmente nos remetem de volta ao Google também estão empurrando os links externos cada vez mais para baixo na página. Hoje, esses resultados também podem começar com vídeos do YouTube, outras buscas sugeridas – ou, como no caso da busca por camisetas, um grande mapa do Google.

Um estudo recente realizado pela Markup, investigadora sem fins lucrativos, revelou que em 15 mil buscas populares recentes, o Google dedicou 41% da primeira página de resultados no celular ao próprio Google, incluindo seus próprios sites e respostas (Lara disse à Markup que esse estudo foi realizado com base em uma “amostragem de buscas pouco representativa".)

Há momentos em que o mapa do Google ou um vídeo do YouTube no alto de uma pesquisa podem ser úteis. O problema é que o Google também tem um incentivo econômico para evitar que cliquemos em outras fontes externas. Como destacou a Markup, o Google obtém cinco vezes mais receita com anúncios em suas propriedades do que com os anúncios que distribui em outras plataformas.

O resultado de pesquisa do Google para pediatras começa com seu próprio mapa e três avaliações para consultórios médicos que não são necessariamente os mais bem avaliados Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

Busca nº 3: "pediatras arlington virgínia"

O conflito de interesses do Google pode nos levar a tomar decisões ruins. Quando pesquisamos por pediatras, a primeira coisa que o Google exibe como resultado é um grande mapa do seu Google Maps. No meu mapa, o Google identifica três consultórios. São os melhores da região, ou talvez os mais populares? Olhando atentamente, vemos que dois deles têm classificação abaixo de quatro estrelas, com menos de 20 avaliações.

Se eu rolar a página de resultados do Google e clicar no site de avaliações Zocdoc, encontro resultados de um número bem maior de pediatras, dos quais alguns têm mais de 200 avaliações – e uma classificação bem mais alta. É verdade que resenhas em sites às vezes são falsas, mas por que o Google sempre coloca seus próprios resultados em primeiro lugar?

A pesquisa por um médico é uma versão mais importante de um problema que afeta as buscas do Google por voos, traduções, restaurantes e outras informações locais. Até nossa busca por camisetas teve como resultado principal um mapa do Google mostrando lojas da região, nas quais eu não conseguiria comprar camisetas pela Internet, antes dos links para outros sites.

O termo técnico para esse fenômeno é “favorecimento" de busca. Como seria o desempenho das medíocres avaliações de médicos do Google em meio a resultados que não sejam produzidos pelo próprio Google?

O Google diz que, diariamente, as pessoas contribuem com mais de 20 milhões de avaliações para o Mapas. Ano passado eu fiz uma recomendação desse tipo depois dos apelos do meu dentista, na esperança que seu nome finalmente aparecesse nas buscas do Google.

Lara disse que os resultados do Google são “pensados para oferecer as respostas mais relevantes e significativas para uma determinada consulta em diferentes dimensões. Supor que um site com mais avaliações ou contatos seria automaticamente melhor é uma falsa premissa".

O congresso disse que a prática do Google é perigosa, escrevendo na página 188 do seu relatório que “como resultado, são privilegiados os serviços inferiores do próprio Google em detrimento das ofertas da concorrência".

A capacidade do Google de promover seus próprios produtos transformou silenciosamente segmentos inteiros da economia. Como escreveu recentemente minha colega Rachel Lerman, desde o lançamento de Google Flights e Google Hotels há quase dez anos, o Google passou a dominar o segmento de venda de passagens aéreas online. Não importa que a busca de passagens do Google não seja considerada a melhor, assim como ocorre com os pediatras: o serviço da empresa nem mesmo figura entre os indicados da Frommers de melhores sites para preços de passagens em 2020.

É assim que os monopólios cobram seu preço. O Google está brincando como quer com a ideia de um mecanismo de busca, garantindo que os resultados mais simples e fáceis de acessar sejam anúncios pagos ou informações que mantêm o usuário no Google. De todo modo, o Google sai vencendo – e nós somos os perdedores, mais do que nos damos conta. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Para o Departamento de Justiça dos EUA, o Google abusa de seu poder no mercado Foto: Mike Blake/Reuters

Hoje, vamos usar o Google juntos. Abra uma janela do navegador da Internet e faça uma pesquisa por camisetas. Eu espero. Por acaso a primeira coisa que aparece é um resultado de busca? Não estou falando das seções chamadas Anúncios ou Mapas. Na minha tela, o resultado não está na primeira linha, nem na segunda, terceira, quarta, quinta, sexta, sétima nem na oitava linha da página. Fica enterrado na nona linha.

Antes, uma pesquisa não exigia tantas rolagens ou cliques em telas diferente. No caso de algumas buscas, parece que estamos brincando de “Onde Está Wally?” com a informação. Sem que tenhamos nos dado conta, o site mais usado da Internet tem ficado cada vez pior. Em um grande número de consultas, o Google está mais interessado em tornar as buscas lucrativas do que em oferecer a nós um produto melhor.

Há um motivo pelo qual a empresa faz isso impunemente, de acordo com recente investigação do Congresso dos EUA: o Google é grande demais. Para o Departamento de Justiça dos EUA, que abriu nesta terça-feira, 20, um processo de concorrência desleal contra a empresa, ela abusa de seu poder no mercado. Parece algo complicado de entender quando o buscador do Google é um serviço gratuito, não é mesmo? 

Mas como o suposto monopólio do Google afeta você? Hoje, 88% de todas as buscas são feitas no Google, em parte porque contratos fazem dele o provedor padrão em computadores e celulares. Mas pode ser difícil verificar a qualidade da informação do Google. Em primeiro lugar, o uso desse provedor de busca é simples, o que acaba nos cegando para seus defeitos. Em segundo lugar, não temos uma excelente alternativa para buscas amplas na web – o sistema rival da Microsoft, Bing, não tem dados suficientes para concorrer bem e esse é o problema dos monopólios na era da informação. 

Nas duas décadas mais recentes, o Google fez mudanças a conta-gotas, sem grandes reformas. Para ver como os resultados de busca mudaram, precisamos de uma máquina do tempo. A boa notícia é que nós temos uma máquina dessas.

A Wayback Machine do Internet Archive armazenou alguns resultados de buscas do Google ao longo dos anos. Olhando para o passado, surge um quadro de como o Google cada vez mais falha conosco. Há mais espaço dedicado a anúncios que parecem resultados de busca. Mais resultados começam com respostas "abreviadas" – às vezes incorretas – roubadas de outros sites. E, cada vez mais, os resultados nos direcionam para outras propriedades do Google, como o Mapas e o YouTube, onde a empresa pode nos mostrar mais anúncios e coletar mais dos nossos dados.

São muitas as situações em que o Google continua sendo extremamente útil. Acredito na empresa quando ela diz fazer mais de 3 mil melhorias por ano, como buscas com a câmera ou simplesmente cantarolar para encontrar uma canção. Mas também é verdade que o Google é capaz de rebaixar resultados melhores quando isso ajuda a gigante de buscas a ganhar dinheiro ou dar prioridade a outro de seus serviços. Ela pode agir como uma pessoa fazendo compras em seu nome e escolhendo os produtos com base naqueles que rendem a melhor comissão.

O Google discorda da minha análise. “Comparar a experiência oferecida atualmente pelo Google à qualidade do Google em 1999 é como comparar um sinal de Wi-Fi de alta velocidade à Internet discada", respondeu por e-mail a porta-voz Lara Levin. Ela disse que é incorreto definir os resultados como links gratuitos para outros sites. “O que mudou foi nossa forma de organizar a informação, que passou a ser mais moderna, e centenas de milhares de testes realizados todos os anos nos dizem que as pessoas consideram isso útil."

Nas próximas semanas, congressistas, autoridades reguladoras e especialistas jurídicos devem travar uma batalha em torno das nuances da lei de combate à formação de trustes. Felizmente, para ver por conta própria como o Google pensa mais no lucro do que no usuário, basta me acompanhar em três buscas esclarecedoras.

Em comparação a 2000, as pesquisas do Google por “camisetas” em 2020 exigem rolar seis vezes mais para baixo na página para encontrar um resultado não pago com link para outro site Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

Busca noº1: “camisetas"

O Google simplesmente não sabe escolher as melhores compras para nós. Comparei lado a lado os resultados de duas pesquisas por camisetas no Google feitas via Wayback Machine como se fossem nos anos de 2000 e 2013 com os resultados que vemos hoje em 2020. Usei sempre buscas feitas no navegador do desktop, uma vez que os resultados podem variar conforme o local, horário e plataforma. 

Sabemos que o Google tem anúncios. Mas, quando o Google nos conquistou, eram exibidos menos anúncios, geralmente destacados com um fundo colorido. Hoje, o resultado da minha busca por camisetas está enterrado embaixo de quatro anúncios e nove resultados de compras à direita. Há também um mapa gigante com links – já vamos falar da proliferação desse tipo de conteúdo.

Em relação ao observado em 2000, hoje temos que rolar a página seis vezes mais do que antes para chegar ao primeiro resultado real de um link para um site externo que não tenha pago para ser exibido.

As camisetas não são o único tipo de busca que exige uma rolagem desproporcional. O psicólogo cognitivo Pete Meyers, que analisa os resultados do Google para a empresa de marketing Moz, estudou 10 mil buscas diferentes para descobrir o quanto os links externos são empurrados para o meio da página. Em 2013, em média, o primeiro resultado real com um link externo aparecia na página na altura do pixel 375. Em 2020, esse resultado caiu para a altura do pixel 616, por causa dos anúncios e de todas as outras informações que o Google coloca na frente dos links "orgânicos" para outros sites.

A realidade é que o resultado que aparecer por cima provavelmente será o negócio mais bem-sucedido – e esse negócio terá de repassar a nós, seus clientes, o custo dos anúncios do Google que fazem com que determinada loja ou estabelecimento apareça primeiro.

É verdade que, em 2000, os resultados do Google para uma busca por camisetas nem eram muito bons – entre os cinco principais resultados estavam o site CDNow e até a página da Apple (a empresa de computadores). Mas temos que lembrar que as buscas ligadas a compras eram menos comuns em 2000. E isso não serve como desculpa para o fato de o Google dificultar tanto o acesso aos verdadeiros resultados hoje em dia.

Com uma máquina do tempo, também vemos como o Google dificulta cada vez mais a identificação dos anúncios. Ginny Marvin, editora da publicação Search Engine Land, dedicada ao segmento de buscas, acompanha há anos o que ela descreve como “mistura entre anúncios e links orgânicos". De acordo com o arquivo dela, os primeiros anúncios tinham fundo colorido e etiquetas, sendo depois mudados para fundo branco com etiquetas coloridas. 

O Google de fato removeu em 2016 os anúncios de texto antes exibidos na lateral direita dos resultados de busca. Mas, hoje, o Google mostra até quatro anúncios no começo dos resultados de buscas feitas na plataforma desktop, usando uma pequena etiqueta preta de "anúncio" que desaparece em meio ao contexto de uma página movimentada.

Nos últimos 20 anos, o Google mudou significativamente a forma como rotula os anúncios no topo dos resultados de pesquisa Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

“É preciso estar muito alerta para não clicar no anúncio por engano", foi como o site TechCrunch, do Vale do Silício, descreveu a mais nova mudança na identificação dos conteúdos por parte do Google, ocorrida no início do ano, removendo uma caixa verde em torno da palavra Anúncio e trazendo-a mais para cima. Porta-voz da empresa, Lara disse que o Google mudou o design dos resultados para “deixá-los mais claros" e apontou que, nos estudos da companhia, o novo design facilitou para as pessoas a distinção entre anúncios e resultados.

Acredite se puder, o Google também acredita que os anúncios não nos incomodam – na verdade, acha que são úteis. Lara disse: “Só temos incentivos para exibir anúncios quando esses são úteis para as pessoas". Ela não respondeu quando perguntei qual era a proporção de consultas que agora são acompanhadas por anúncios, e nem qual o tamanho da fatia desses resultados ocupada pelos anúncios.

Se tudo que você queria era pesquisar quais são as camisetas mais populares, boa sorte. O Google está mais interessado em garantir que receba sua parte por qualquer camiseta que você acabe comprando.

Até ser mudado em setembro, é assim que o Google respondia a uma pergunta sobre “question one nevada”, uma proposta do eleitor na cédula de 2020 Foto: Elliot Anderson

Busca nº 2: "question one nevada"

Esse resultado tinha um problema grave que foi corrigido pelo Google em setembro. Question One é uma iniciativa a ser votada na eleição de novembro que, se aprovada, mudaria a forma de administrar o ensino superior do estado de Nevada. Algumas semanas atrás, Elliot Anderson, ex-deputado estadual que ajudou a levar a Question One a pleito, reparou que ao buscar "question one Nevada" no Google era gerada uma caixa de texto no topo dos resultados dizendo: "Vote 'não' para a Question 1".

Como diabos chegamos a um ponto em que os resultados de busca do Google dizem às pessoas como devem votar? O Google vem se afastando da descrição que seu cofundador, Larry Page, fez da missão da empresa no momento da abertura do seu capital em 2004: “tirar o usuário do Google e levá-lo ao lugar certo o mais rápido possível". Agora, em vez de mostrar dez links externos para fontes de informação, o Google procura nos dar o que chama de respostas diretas, dizendo que são mais convenientes.

Com frequência, essa informação chega sob a forma de “trechos em destaque", escolhidos pelo seu software e emprestados de fontes que este considera respeitáveis. Às vezes, ao fazer uma busca, queremos apenas uma resposta – principalmente quando usamos um assistente de voz

Mas quem elegeu o Google como curador definitivo do conhecimento? Nem sempre os trechos selecionados pelo Google estão corretos, como ocorreu no caso da Question One. “A informação estava correta e tinha de um site oficial, mas o trecho destacado da página representava apenas um dos lados de um tópico civil e, assim, adotamos medidas condizentes com nossas políticas relevantes para remover o trecho", disse Lara.

(Já Anderson disse ter indicado o erro repetidas vezes com o link “enviar feedback", mas nada aconteceu. O Google corrigiu o erro depois que este foi indicado a um funcionário do Google via Twitter.) Não é difícil encontrar exemplos de trechos estranhos escolhidos pelo Google, que às vezes recorre a fontes menos respeitáveis. Se pesquisarmos “Como verificar o saldo do vale-presente Krispy Kreme", recebemos informações de um site que vende vales-presente, e não do site da própria rede de fast food Krispy Kreme, que contém a verdadeira resposta e um link útil.

Outras respostas diretas que simplesmente nos remetem de volta ao Google também estão empurrando os links externos cada vez mais para baixo na página. Hoje, esses resultados também podem começar com vídeos do YouTube, outras buscas sugeridas – ou, como no caso da busca por camisetas, um grande mapa do Google.

Um estudo recente realizado pela Markup, investigadora sem fins lucrativos, revelou que em 15 mil buscas populares recentes, o Google dedicou 41% da primeira página de resultados no celular ao próprio Google, incluindo seus próprios sites e respostas (Lara disse à Markup que esse estudo foi realizado com base em uma “amostragem de buscas pouco representativa".)

Há momentos em que o mapa do Google ou um vídeo do YouTube no alto de uma pesquisa podem ser úteis. O problema é que o Google também tem um incentivo econômico para evitar que cliquemos em outras fontes externas. Como destacou a Markup, o Google obtém cinco vezes mais receita com anúncios em suas propriedades do que com os anúncios que distribui em outras plataformas.

O resultado de pesquisa do Google para pediatras começa com seu próprio mapa e três avaliações para consultórios médicos que não são necessariamente os mais bem avaliados Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

Busca nº 3: "pediatras arlington virgínia"

O conflito de interesses do Google pode nos levar a tomar decisões ruins. Quando pesquisamos por pediatras, a primeira coisa que o Google exibe como resultado é um grande mapa do seu Google Maps. No meu mapa, o Google identifica três consultórios. São os melhores da região, ou talvez os mais populares? Olhando atentamente, vemos que dois deles têm classificação abaixo de quatro estrelas, com menos de 20 avaliações.

Se eu rolar a página de resultados do Google e clicar no site de avaliações Zocdoc, encontro resultados de um número bem maior de pediatras, dos quais alguns têm mais de 200 avaliações – e uma classificação bem mais alta. É verdade que resenhas em sites às vezes são falsas, mas por que o Google sempre coloca seus próprios resultados em primeiro lugar?

A pesquisa por um médico é uma versão mais importante de um problema que afeta as buscas do Google por voos, traduções, restaurantes e outras informações locais. Até nossa busca por camisetas teve como resultado principal um mapa do Google mostrando lojas da região, nas quais eu não conseguiria comprar camisetas pela Internet, antes dos links para outros sites.

O termo técnico para esse fenômeno é “favorecimento" de busca. Como seria o desempenho das medíocres avaliações de médicos do Google em meio a resultados que não sejam produzidos pelo próprio Google?

O Google diz que, diariamente, as pessoas contribuem com mais de 20 milhões de avaliações para o Mapas. Ano passado eu fiz uma recomendação desse tipo depois dos apelos do meu dentista, na esperança que seu nome finalmente aparecesse nas buscas do Google.

Lara disse que os resultados do Google são “pensados para oferecer as respostas mais relevantes e significativas para uma determinada consulta em diferentes dimensões. Supor que um site com mais avaliações ou contatos seria automaticamente melhor é uma falsa premissa".

O congresso disse que a prática do Google é perigosa, escrevendo na página 188 do seu relatório que “como resultado, são privilegiados os serviços inferiores do próprio Google em detrimento das ofertas da concorrência".

A capacidade do Google de promover seus próprios produtos transformou silenciosamente segmentos inteiros da economia. Como escreveu recentemente minha colega Rachel Lerman, desde o lançamento de Google Flights e Google Hotels há quase dez anos, o Google passou a dominar o segmento de venda de passagens aéreas online. Não importa que a busca de passagens do Google não seja considerada a melhor, assim como ocorre com os pediatras: o serviço da empresa nem mesmo figura entre os indicados da Frommers de melhores sites para preços de passagens em 2020.

É assim que os monopólios cobram seu preço. O Google está brincando como quer com a ideia de um mecanismo de busca, garantindo que os resultados mais simples e fáceis de acessar sejam anúncios pagos ou informações que mantêm o usuário no Google. De todo modo, o Google sai vencendo – e nós somos os perdedores, mais do que nos damos conta. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Para o Departamento de Justiça dos EUA, o Google abusa de seu poder no mercado Foto: Mike Blake/Reuters

Hoje, vamos usar o Google juntos. Abra uma janela do navegador da Internet e faça uma pesquisa por camisetas. Eu espero. Por acaso a primeira coisa que aparece é um resultado de busca? Não estou falando das seções chamadas Anúncios ou Mapas. Na minha tela, o resultado não está na primeira linha, nem na segunda, terceira, quarta, quinta, sexta, sétima nem na oitava linha da página. Fica enterrado na nona linha.

Antes, uma pesquisa não exigia tantas rolagens ou cliques em telas diferente. No caso de algumas buscas, parece que estamos brincando de “Onde Está Wally?” com a informação. Sem que tenhamos nos dado conta, o site mais usado da Internet tem ficado cada vez pior. Em um grande número de consultas, o Google está mais interessado em tornar as buscas lucrativas do que em oferecer a nós um produto melhor.

Há um motivo pelo qual a empresa faz isso impunemente, de acordo com recente investigação do Congresso dos EUA: o Google é grande demais. Para o Departamento de Justiça dos EUA, que abriu nesta terça-feira, 20, um processo de concorrência desleal contra a empresa, ela abusa de seu poder no mercado. Parece algo complicado de entender quando o buscador do Google é um serviço gratuito, não é mesmo? 

Mas como o suposto monopólio do Google afeta você? Hoje, 88% de todas as buscas são feitas no Google, em parte porque contratos fazem dele o provedor padrão em computadores e celulares. Mas pode ser difícil verificar a qualidade da informação do Google. Em primeiro lugar, o uso desse provedor de busca é simples, o que acaba nos cegando para seus defeitos. Em segundo lugar, não temos uma excelente alternativa para buscas amplas na web – o sistema rival da Microsoft, Bing, não tem dados suficientes para concorrer bem e esse é o problema dos monopólios na era da informação. 

Nas duas décadas mais recentes, o Google fez mudanças a conta-gotas, sem grandes reformas. Para ver como os resultados de busca mudaram, precisamos de uma máquina do tempo. A boa notícia é que nós temos uma máquina dessas.

A Wayback Machine do Internet Archive armazenou alguns resultados de buscas do Google ao longo dos anos. Olhando para o passado, surge um quadro de como o Google cada vez mais falha conosco. Há mais espaço dedicado a anúncios que parecem resultados de busca. Mais resultados começam com respostas "abreviadas" – às vezes incorretas – roubadas de outros sites. E, cada vez mais, os resultados nos direcionam para outras propriedades do Google, como o Mapas e o YouTube, onde a empresa pode nos mostrar mais anúncios e coletar mais dos nossos dados.

São muitas as situações em que o Google continua sendo extremamente útil. Acredito na empresa quando ela diz fazer mais de 3 mil melhorias por ano, como buscas com a câmera ou simplesmente cantarolar para encontrar uma canção. Mas também é verdade que o Google é capaz de rebaixar resultados melhores quando isso ajuda a gigante de buscas a ganhar dinheiro ou dar prioridade a outro de seus serviços. Ela pode agir como uma pessoa fazendo compras em seu nome e escolhendo os produtos com base naqueles que rendem a melhor comissão.

O Google discorda da minha análise. “Comparar a experiência oferecida atualmente pelo Google à qualidade do Google em 1999 é como comparar um sinal de Wi-Fi de alta velocidade à Internet discada", respondeu por e-mail a porta-voz Lara Levin. Ela disse que é incorreto definir os resultados como links gratuitos para outros sites. “O que mudou foi nossa forma de organizar a informação, que passou a ser mais moderna, e centenas de milhares de testes realizados todos os anos nos dizem que as pessoas consideram isso útil."

Nas próximas semanas, congressistas, autoridades reguladoras e especialistas jurídicos devem travar uma batalha em torno das nuances da lei de combate à formação de trustes. Felizmente, para ver por conta própria como o Google pensa mais no lucro do que no usuário, basta me acompanhar em três buscas esclarecedoras.

Em comparação a 2000, as pesquisas do Google por “camisetas” em 2020 exigem rolar seis vezes mais para baixo na página para encontrar um resultado não pago com link para outro site Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

Busca noº1: “camisetas"

O Google simplesmente não sabe escolher as melhores compras para nós. Comparei lado a lado os resultados de duas pesquisas por camisetas no Google feitas via Wayback Machine como se fossem nos anos de 2000 e 2013 com os resultados que vemos hoje em 2020. Usei sempre buscas feitas no navegador do desktop, uma vez que os resultados podem variar conforme o local, horário e plataforma. 

Sabemos que o Google tem anúncios. Mas, quando o Google nos conquistou, eram exibidos menos anúncios, geralmente destacados com um fundo colorido. Hoje, o resultado da minha busca por camisetas está enterrado embaixo de quatro anúncios e nove resultados de compras à direita. Há também um mapa gigante com links – já vamos falar da proliferação desse tipo de conteúdo.

Em relação ao observado em 2000, hoje temos que rolar a página seis vezes mais do que antes para chegar ao primeiro resultado real de um link para um site externo que não tenha pago para ser exibido.

As camisetas não são o único tipo de busca que exige uma rolagem desproporcional. O psicólogo cognitivo Pete Meyers, que analisa os resultados do Google para a empresa de marketing Moz, estudou 10 mil buscas diferentes para descobrir o quanto os links externos são empurrados para o meio da página. Em 2013, em média, o primeiro resultado real com um link externo aparecia na página na altura do pixel 375. Em 2020, esse resultado caiu para a altura do pixel 616, por causa dos anúncios e de todas as outras informações que o Google coloca na frente dos links "orgânicos" para outros sites.

A realidade é que o resultado que aparecer por cima provavelmente será o negócio mais bem-sucedido – e esse negócio terá de repassar a nós, seus clientes, o custo dos anúncios do Google que fazem com que determinada loja ou estabelecimento apareça primeiro.

É verdade que, em 2000, os resultados do Google para uma busca por camisetas nem eram muito bons – entre os cinco principais resultados estavam o site CDNow e até a página da Apple (a empresa de computadores). Mas temos que lembrar que as buscas ligadas a compras eram menos comuns em 2000. E isso não serve como desculpa para o fato de o Google dificultar tanto o acesso aos verdadeiros resultados hoje em dia.

Com uma máquina do tempo, também vemos como o Google dificulta cada vez mais a identificação dos anúncios. Ginny Marvin, editora da publicação Search Engine Land, dedicada ao segmento de buscas, acompanha há anos o que ela descreve como “mistura entre anúncios e links orgânicos". De acordo com o arquivo dela, os primeiros anúncios tinham fundo colorido e etiquetas, sendo depois mudados para fundo branco com etiquetas coloridas. 

O Google de fato removeu em 2016 os anúncios de texto antes exibidos na lateral direita dos resultados de busca. Mas, hoje, o Google mostra até quatro anúncios no começo dos resultados de buscas feitas na plataforma desktop, usando uma pequena etiqueta preta de "anúncio" que desaparece em meio ao contexto de uma página movimentada.

Nos últimos 20 anos, o Google mudou significativamente a forma como rotula os anúncios no topo dos resultados de pesquisa Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

“É preciso estar muito alerta para não clicar no anúncio por engano", foi como o site TechCrunch, do Vale do Silício, descreveu a mais nova mudança na identificação dos conteúdos por parte do Google, ocorrida no início do ano, removendo uma caixa verde em torno da palavra Anúncio e trazendo-a mais para cima. Porta-voz da empresa, Lara disse que o Google mudou o design dos resultados para “deixá-los mais claros" e apontou que, nos estudos da companhia, o novo design facilitou para as pessoas a distinção entre anúncios e resultados.

Acredite se puder, o Google também acredita que os anúncios não nos incomodam – na verdade, acha que são úteis. Lara disse: “Só temos incentivos para exibir anúncios quando esses são úteis para as pessoas". Ela não respondeu quando perguntei qual era a proporção de consultas que agora são acompanhadas por anúncios, e nem qual o tamanho da fatia desses resultados ocupada pelos anúncios.

Se tudo que você queria era pesquisar quais são as camisetas mais populares, boa sorte. O Google está mais interessado em garantir que receba sua parte por qualquer camiseta que você acabe comprando.

Até ser mudado em setembro, é assim que o Google respondia a uma pergunta sobre “question one nevada”, uma proposta do eleitor na cédula de 2020 Foto: Elliot Anderson

Busca nº 2: "question one nevada"

Esse resultado tinha um problema grave que foi corrigido pelo Google em setembro. Question One é uma iniciativa a ser votada na eleição de novembro que, se aprovada, mudaria a forma de administrar o ensino superior do estado de Nevada. Algumas semanas atrás, Elliot Anderson, ex-deputado estadual que ajudou a levar a Question One a pleito, reparou que ao buscar "question one Nevada" no Google era gerada uma caixa de texto no topo dos resultados dizendo: "Vote 'não' para a Question 1".

Como diabos chegamos a um ponto em que os resultados de busca do Google dizem às pessoas como devem votar? O Google vem se afastando da descrição que seu cofundador, Larry Page, fez da missão da empresa no momento da abertura do seu capital em 2004: “tirar o usuário do Google e levá-lo ao lugar certo o mais rápido possível". Agora, em vez de mostrar dez links externos para fontes de informação, o Google procura nos dar o que chama de respostas diretas, dizendo que são mais convenientes.

Com frequência, essa informação chega sob a forma de “trechos em destaque", escolhidos pelo seu software e emprestados de fontes que este considera respeitáveis. Às vezes, ao fazer uma busca, queremos apenas uma resposta – principalmente quando usamos um assistente de voz

Mas quem elegeu o Google como curador definitivo do conhecimento? Nem sempre os trechos selecionados pelo Google estão corretos, como ocorreu no caso da Question One. “A informação estava correta e tinha de um site oficial, mas o trecho destacado da página representava apenas um dos lados de um tópico civil e, assim, adotamos medidas condizentes com nossas políticas relevantes para remover o trecho", disse Lara.

(Já Anderson disse ter indicado o erro repetidas vezes com o link “enviar feedback", mas nada aconteceu. O Google corrigiu o erro depois que este foi indicado a um funcionário do Google via Twitter.) Não é difícil encontrar exemplos de trechos estranhos escolhidos pelo Google, que às vezes recorre a fontes menos respeitáveis. Se pesquisarmos “Como verificar o saldo do vale-presente Krispy Kreme", recebemos informações de um site que vende vales-presente, e não do site da própria rede de fast food Krispy Kreme, que contém a verdadeira resposta e um link útil.

Outras respostas diretas que simplesmente nos remetem de volta ao Google também estão empurrando os links externos cada vez mais para baixo na página. Hoje, esses resultados também podem começar com vídeos do YouTube, outras buscas sugeridas – ou, como no caso da busca por camisetas, um grande mapa do Google.

Um estudo recente realizado pela Markup, investigadora sem fins lucrativos, revelou que em 15 mil buscas populares recentes, o Google dedicou 41% da primeira página de resultados no celular ao próprio Google, incluindo seus próprios sites e respostas (Lara disse à Markup que esse estudo foi realizado com base em uma “amostragem de buscas pouco representativa".)

Há momentos em que o mapa do Google ou um vídeo do YouTube no alto de uma pesquisa podem ser úteis. O problema é que o Google também tem um incentivo econômico para evitar que cliquemos em outras fontes externas. Como destacou a Markup, o Google obtém cinco vezes mais receita com anúncios em suas propriedades do que com os anúncios que distribui em outras plataformas.

O resultado de pesquisa do Google para pediatras começa com seu próprio mapa e três avaliações para consultórios médicos que não são necessariamente os mais bem avaliados Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

Busca nº 3: "pediatras arlington virgínia"

O conflito de interesses do Google pode nos levar a tomar decisões ruins. Quando pesquisamos por pediatras, a primeira coisa que o Google exibe como resultado é um grande mapa do seu Google Maps. No meu mapa, o Google identifica três consultórios. São os melhores da região, ou talvez os mais populares? Olhando atentamente, vemos que dois deles têm classificação abaixo de quatro estrelas, com menos de 20 avaliações.

Se eu rolar a página de resultados do Google e clicar no site de avaliações Zocdoc, encontro resultados de um número bem maior de pediatras, dos quais alguns têm mais de 200 avaliações – e uma classificação bem mais alta. É verdade que resenhas em sites às vezes são falsas, mas por que o Google sempre coloca seus próprios resultados em primeiro lugar?

A pesquisa por um médico é uma versão mais importante de um problema que afeta as buscas do Google por voos, traduções, restaurantes e outras informações locais. Até nossa busca por camisetas teve como resultado principal um mapa do Google mostrando lojas da região, nas quais eu não conseguiria comprar camisetas pela Internet, antes dos links para outros sites.

O termo técnico para esse fenômeno é “favorecimento" de busca. Como seria o desempenho das medíocres avaliações de médicos do Google em meio a resultados que não sejam produzidos pelo próprio Google?

O Google diz que, diariamente, as pessoas contribuem com mais de 20 milhões de avaliações para o Mapas. Ano passado eu fiz uma recomendação desse tipo depois dos apelos do meu dentista, na esperança que seu nome finalmente aparecesse nas buscas do Google.

Lara disse que os resultados do Google são “pensados para oferecer as respostas mais relevantes e significativas para uma determinada consulta em diferentes dimensões. Supor que um site com mais avaliações ou contatos seria automaticamente melhor é uma falsa premissa".

O congresso disse que a prática do Google é perigosa, escrevendo na página 188 do seu relatório que “como resultado, são privilegiados os serviços inferiores do próprio Google em detrimento das ofertas da concorrência".

A capacidade do Google de promover seus próprios produtos transformou silenciosamente segmentos inteiros da economia. Como escreveu recentemente minha colega Rachel Lerman, desde o lançamento de Google Flights e Google Hotels há quase dez anos, o Google passou a dominar o segmento de venda de passagens aéreas online. Não importa que a busca de passagens do Google não seja considerada a melhor, assim como ocorre com os pediatras: o serviço da empresa nem mesmo figura entre os indicados da Frommers de melhores sites para preços de passagens em 2020.

É assim que os monopólios cobram seu preço. O Google está brincando como quer com a ideia de um mecanismo de busca, garantindo que os resultados mais simples e fáceis de acessar sejam anúncios pagos ou informações que mantêm o usuário no Google. De todo modo, o Google sai vencendo – e nós somos os perdedores, mais do que nos damos conta. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Para o Departamento de Justiça dos EUA, o Google abusa de seu poder no mercado Foto: Mike Blake/Reuters

Hoje, vamos usar o Google juntos. Abra uma janela do navegador da Internet e faça uma pesquisa por camisetas. Eu espero. Por acaso a primeira coisa que aparece é um resultado de busca? Não estou falando das seções chamadas Anúncios ou Mapas. Na minha tela, o resultado não está na primeira linha, nem na segunda, terceira, quarta, quinta, sexta, sétima nem na oitava linha da página. Fica enterrado na nona linha.

Antes, uma pesquisa não exigia tantas rolagens ou cliques em telas diferente. No caso de algumas buscas, parece que estamos brincando de “Onde Está Wally?” com a informação. Sem que tenhamos nos dado conta, o site mais usado da Internet tem ficado cada vez pior. Em um grande número de consultas, o Google está mais interessado em tornar as buscas lucrativas do que em oferecer a nós um produto melhor.

Há um motivo pelo qual a empresa faz isso impunemente, de acordo com recente investigação do Congresso dos EUA: o Google é grande demais. Para o Departamento de Justiça dos EUA, que abriu nesta terça-feira, 20, um processo de concorrência desleal contra a empresa, ela abusa de seu poder no mercado. Parece algo complicado de entender quando o buscador do Google é um serviço gratuito, não é mesmo? 

Mas como o suposto monopólio do Google afeta você? Hoje, 88% de todas as buscas são feitas no Google, em parte porque contratos fazem dele o provedor padrão em computadores e celulares. Mas pode ser difícil verificar a qualidade da informação do Google. Em primeiro lugar, o uso desse provedor de busca é simples, o que acaba nos cegando para seus defeitos. Em segundo lugar, não temos uma excelente alternativa para buscas amplas na web – o sistema rival da Microsoft, Bing, não tem dados suficientes para concorrer bem e esse é o problema dos monopólios na era da informação. 

Nas duas décadas mais recentes, o Google fez mudanças a conta-gotas, sem grandes reformas. Para ver como os resultados de busca mudaram, precisamos de uma máquina do tempo. A boa notícia é que nós temos uma máquina dessas.

A Wayback Machine do Internet Archive armazenou alguns resultados de buscas do Google ao longo dos anos. Olhando para o passado, surge um quadro de como o Google cada vez mais falha conosco. Há mais espaço dedicado a anúncios que parecem resultados de busca. Mais resultados começam com respostas "abreviadas" – às vezes incorretas – roubadas de outros sites. E, cada vez mais, os resultados nos direcionam para outras propriedades do Google, como o Mapas e o YouTube, onde a empresa pode nos mostrar mais anúncios e coletar mais dos nossos dados.

São muitas as situações em que o Google continua sendo extremamente útil. Acredito na empresa quando ela diz fazer mais de 3 mil melhorias por ano, como buscas com a câmera ou simplesmente cantarolar para encontrar uma canção. Mas também é verdade que o Google é capaz de rebaixar resultados melhores quando isso ajuda a gigante de buscas a ganhar dinheiro ou dar prioridade a outro de seus serviços. Ela pode agir como uma pessoa fazendo compras em seu nome e escolhendo os produtos com base naqueles que rendem a melhor comissão.

O Google discorda da minha análise. “Comparar a experiência oferecida atualmente pelo Google à qualidade do Google em 1999 é como comparar um sinal de Wi-Fi de alta velocidade à Internet discada", respondeu por e-mail a porta-voz Lara Levin. Ela disse que é incorreto definir os resultados como links gratuitos para outros sites. “O que mudou foi nossa forma de organizar a informação, que passou a ser mais moderna, e centenas de milhares de testes realizados todos os anos nos dizem que as pessoas consideram isso útil."

Nas próximas semanas, congressistas, autoridades reguladoras e especialistas jurídicos devem travar uma batalha em torno das nuances da lei de combate à formação de trustes. Felizmente, para ver por conta própria como o Google pensa mais no lucro do que no usuário, basta me acompanhar em três buscas esclarecedoras.

Em comparação a 2000, as pesquisas do Google por “camisetas” em 2020 exigem rolar seis vezes mais para baixo na página para encontrar um resultado não pago com link para outro site Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

Busca noº1: “camisetas"

O Google simplesmente não sabe escolher as melhores compras para nós. Comparei lado a lado os resultados de duas pesquisas por camisetas no Google feitas via Wayback Machine como se fossem nos anos de 2000 e 2013 com os resultados que vemos hoje em 2020. Usei sempre buscas feitas no navegador do desktop, uma vez que os resultados podem variar conforme o local, horário e plataforma. 

Sabemos que o Google tem anúncios. Mas, quando o Google nos conquistou, eram exibidos menos anúncios, geralmente destacados com um fundo colorido. Hoje, o resultado da minha busca por camisetas está enterrado embaixo de quatro anúncios e nove resultados de compras à direita. Há também um mapa gigante com links – já vamos falar da proliferação desse tipo de conteúdo.

Em relação ao observado em 2000, hoje temos que rolar a página seis vezes mais do que antes para chegar ao primeiro resultado real de um link para um site externo que não tenha pago para ser exibido.

As camisetas não são o único tipo de busca que exige uma rolagem desproporcional. O psicólogo cognitivo Pete Meyers, que analisa os resultados do Google para a empresa de marketing Moz, estudou 10 mil buscas diferentes para descobrir o quanto os links externos são empurrados para o meio da página. Em 2013, em média, o primeiro resultado real com um link externo aparecia na página na altura do pixel 375. Em 2020, esse resultado caiu para a altura do pixel 616, por causa dos anúncios e de todas as outras informações que o Google coloca na frente dos links "orgânicos" para outros sites.

A realidade é que o resultado que aparecer por cima provavelmente será o negócio mais bem-sucedido – e esse negócio terá de repassar a nós, seus clientes, o custo dos anúncios do Google que fazem com que determinada loja ou estabelecimento apareça primeiro.

É verdade que, em 2000, os resultados do Google para uma busca por camisetas nem eram muito bons – entre os cinco principais resultados estavam o site CDNow e até a página da Apple (a empresa de computadores). Mas temos que lembrar que as buscas ligadas a compras eram menos comuns em 2000. E isso não serve como desculpa para o fato de o Google dificultar tanto o acesso aos verdadeiros resultados hoje em dia.

Com uma máquina do tempo, também vemos como o Google dificulta cada vez mais a identificação dos anúncios. Ginny Marvin, editora da publicação Search Engine Land, dedicada ao segmento de buscas, acompanha há anos o que ela descreve como “mistura entre anúncios e links orgânicos". De acordo com o arquivo dela, os primeiros anúncios tinham fundo colorido e etiquetas, sendo depois mudados para fundo branco com etiquetas coloridas. 

O Google de fato removeu em 2016 os anúncios de texto antes exibidos na lateral direita dos resultados de busca. Mas, hoje, o Google mostra até quatro anúncios no começo dos resultados de buscas feitas na plataforma desktop, usando uma pequena etiqueta preta de "anúncio" que desaparece em meio ao contexto de uma página movimentada.

Nos últimos 20 anos, o Google mudou significativamente a forma como rotula os anúncios no topo dos resultados de pesquisa Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

“É preciso estar muito alerta para não clicar no anúncio por engano", foi como o site TechCrunch, do Vale do Silício, descreveu a mais nova mudança na identificação dos conteúdos por parte do Google, ocorrida no início do ano, removendo uma caixa verde em torno da palavra Anúncio e trazendo-a mais para cima. Porta-voz da empresa, Lara disse que o Google mudou o design dos resultados para “deixá-los mais claros" e apontou que, nos estudos da companhia, o novo design facilitou para as pessoas a distinção entre anúncios e resultados.

Acredite se puder, o Google também acredita que os anúncios não nos incomodam – na verdade, acha que são úteis. Lara disse: “Só temos incentivos para exibir anúncios quando esses são úteis para as pessoas". Ela não respondeu quando perguntei qual era a proporção de consultas que agora são acompanhadas por anúncios, e nem qual o tamanho da fatia desses resultados ocupada pelos anúncios.

Se tudo que você queria era pesquisar quais são as camisetas mais populares, boa sorte. O Google está mais interessado em garantir que receba sua parte por qualquer camiseta que você acabe comprando.

Até ser mudado em setembro, é assim que o Google respondia a uma pergunta sobre “question one nevada”, uma proposta do eleitor na cédula de 2020 Foto: Elliot Anderson

Busca nº 2: "question one nevada"

Esse resultado tinha um problema grave que foi corrigido pelo Google em setembro. Question One é uma iniciativa a ser votada na eleição de novembro que, se aprovada, mudaria a forma de administrar o ensino superior do estado de Nevada. Algumas semanas atrás, Elliot Anderson, ex-deputado estadual que ajudou a levar a Question One a pleito, reparou que ao buscar "question one Nevada" no Google era gerada uma caixa de texto no topo dos resultados dizendo: "Vote 'não' para a Question 1".

Como diabos chegamos a um ponto em que os resultados de busca do Google dizem às pessoas como devem votar? O Google vem se afastando da descrição que seu cofundador, Larry Page, fez da missão da empresa no momento da abertura do seu capital em 2004: “tirar o usuário do Google e levá-lo ao lugar certo o mais rápido possível". Agora, em vez de mostrar dez links externos para fontes de informação, o Google procura nos dar o que chama de respostas diretas, dizendo que são mais convenientes.

Com frequência, essa informação chega sob a forma de “trechos em destaque", escolhidos pelo seu software e emprestados de fontes que este considera respeitáveis. Às vezes, ao fazer uma busca, queremos apenas uma resposta – principalmente quando usamos um assistente de voz

Mas quem elegeu o Google como curador definitivo do conhecimento? Nem sempre os trechos selecionados pelo Google estão corretos, como ocorreu no caso da Question One. “A informação estava correta e tinha de um site oficial, mas o trecho destacado da página representava apenas um dos lados de um tópico civil e, assim, adotamos medidas condizentes com nossas políticas relevantes para remover o trecho", disse Lara.

(Já Anderson disse ter indicado o erro repetidas vezes com o link “enviar feedback", mas nada aconteceu. O Google corrigiu o erro depois que este foi indicado a um funcionário do Google via Twitter.) Não é difícil encontrar exemplos de trechos estranhos escolhidos pelo Google, que às vezes recorre a fontes menos respeitáveis. Se pesquisarmos “Como verificar o saldo do vale-presente Krispy Kreme", recebemos informações de um site que vende vales-presente, e não do site da própria rede de fast food Krispy Kreme, que contém a verdadeira resposta e um link útil.

Outras respostas diretas que simplesmente nos remetem de volta ao Google também estão empurrando os links externos cada vez mais para baixo na página. Hoje, esses resultados também podem começar com vídeos do YouTube, outras buscas sugeridas – ou, como no caso da busca por camisetas, um grande mapa do Google.

Um estudo recente realizado pela Markup, investigadora sem fins lucrativos, revelou que em 15 mil buscas populares recentes, o Google dedicou 41% da primeira página de resultados no celular ao próprio Google, incluindo seus próprios sites e respostas (Lara disse à Markup que esse estudo foi realizado com base em uma “amostragem de buscas pouco representativa".)

Há momentos em que o mapa do Google ou um vídeo do YouTube no alto de uma pesquisa podem ser úteis. O problema é que o Google também tem um incentivo econômico para evitar que cliquemos em outras fontes externas. Como destacou a Markup, o Google obtém cinco vezes mais receita com anúncios em suas propriedades do que com os anúncios que distribui em outras plataformas.

O resultado de pesquisa do Google para pediatras começa com seu próprio mapa e três avaliações para consultórios médicos que não são necessariamente os mais bem avaliados Foto: Geoffrey A. Fowler/The Washington Post

Busca nº 3: "pediatras arlington virgínia"

O conflito de interesses do Google pode nos levar a tomar decisões ruins. Quando pesquisamos por pediatras, a primeira coisa que o Google exibe como resultado é um grande mapa do seu Google Maps. No meu mapa, o Google identifica três consultórios. São os melhores da região, ou talvez os mais populares? Olhando atentamente, vemos que dois deles têm classificação abaixo de quatro estrelas, com menos de 20 avaliações.

Se eu rolar a página de resultados do Google e clicar no site de avaliações Zocdoc, encontro resultados de um número bem maior de pediatras, dos quais alguns têm mais de 200 avaliações – e uma classificação bem mais alta. É verdade que resenhas em sites às vezes são falsas, mas por que o Google sempre coloca seus próprios resultados em primeiro lugar?

A pesquisa por um médico é uma versão mais importante de um problema que afeta as buscas do Google por voos, traduções, restaurantes e outras informações locais. Até nossa busca por camisetas teve como resultado principal um mapa do Google mostrando lojas da região, nas quais eu não conseguiria comprar camisetas pela Internet, antes dos links para outros sites.

O termo técnico para esse fenômeno é “favorecimento" de busca. Como seria o desempenho das medíocres avaliações de médicos do Google em meio a resultados que não sejam produzidos pelo próprio Google?

O Google diz que, diariamente, as pessoas contribuem com mais de 20 milhões de avaliações para o Mapas. Ano passado eu fiz uma recomendação desse tipo depois dos apelos do meu dentista, na esperança que seu nome finalmente aparecesse nas buscas do Google.

Lara disse que os resultados do Google são “pensados para oferecer as respostas mais relevantes e significativas para uma determinada consulta em diferentes dimensões. Supor que um site com mais avaliações ou contatos seria automaticamente melhor é uma falsa premissa".

O congresso disse que a prática do Google é perigosa, escrevendo na página 188 do seu relatório que “como resultado, são privilegiados os serviços inferiores do próprio Google em detrimento das ofertas da concorrência".

A capacidade do Google de promover seus próprios produtos transformou silenciosamente segmentos inteiros da economia. Como escreveu recentemente minha colega Rachel Lerman, desde o lançamento de Google Flights e Google Hotels há quase dez anos, o Google passou a dominar o segmento de venda de passagens aéreas online. Não importa que a busca de passagens do Google não seja considerada a melhor, assim como ocorre com os pediatras: o serviço da empresa nem mesmo figura entre os indicados da Frommers de melhores sites para preços de passagens em 2020.

É assim que os monopólios cobram seu preço. O Google está brincando como quer com a ideia de um mecanismo de busca, garantindo que os resultados mais simples e fáceis de acessar sejam anúncios pagos ou informações que mantêm o usuário no Google. De todo modo, o Google sai vencendo – e nós somos os perdedores, mais do que nos damos conta. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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