No ano passado, a ideia ganhou força: Mark Zuckerberg poderia disputar a presidência em 2020 e concorrer para governar o país mais poderoso do mundo. Hoje, o fundador do Facebook luta para mostrar que consegue liderar a oitava maior empresa do mundo e tenta convencer seus 2,1 bilhões de usuários a confiar nele.
Notícias de que a Cambridge Analytica, empresa ligada à campanha de 2016 do presidente Donald Trump, recebeu dados sobre 50 milhões de usuários do Facebook por meios duvidosos, possivelmente ilegais, provocaram um terremoto. Zuckerberg demorou cinco dias para responder e, quando o fez, admitiu que o Facebook havia desapontado os usuários no passado, mas não se pareceu se dar conta de que seu negócio estava enfrentando uma grave crise de confiança. Após meses de conversas sobre propaganda política e notícias falsas, políticos da Europa e também dos Estados Unidos começaram a achar que o Facebook está fora de controle e se recusa a admitir isso. O Congresso quer ouvir Zuckerberg – e ele pode esperar ser jogado na fogueira.
Depois que as notícias se espalharam, investidores assustados fugiram das ações do Facebook, que perderam 9% de seu valor. Consumidores estão despertando tardiamente para os perigos de entregar dados a gigantes da tecnologia que são administrados como caixas-pretas. Segundo o Pew Research Centre, a maioria dos americanos não confia mais em empresas de mídia social. Zuckerberg e sua companhia precisam mudar, e rapidamente.
Um vício. O negócio do Facebook baseia-se em três premissas: manter os usuários grudados na tela, coletar dados do comportamento deles e convencer anunciantes a pagar bilhões de dólares para atingir esses usuários com anúncios. A cultura do Facebook é a fusão de uma busca desenfreada por lucro e a crença narcisista nas próprias virtudes. Zuckeberg controla o conselho de administração da empresa. Naturalmente, ele é pouco criticado.
Neste último fracasso, veio à tona que, em 2013, um acadêmico britânico criou um questionário em forma de aplicativo para usuários do Facebook que obteve 270 mil respostas. Esses participantes tinham um total de 50 milhões de amigos – e os dados de todo esse contingente de usuários foram para as mãos da Cambridge Analytica. (Esclarecimento: a The Economist usou a CA em um projeto de pesquisa de marketing).
O Facebook afirma que isso não se repetirá e diz que o acadêmico e a CA violaram suas regras. Ambos negam ter feito qualquer coisa de errado. Agências reguladoras europeias e americanas estão investigando o tema. O Facebook sabia do problema desde 2015, mas não alertou seus usuários. Embora não se saiba em que medida a CA ajudou na campanha de Trump, o estardalhaço foi amplificado pela crença de que ele não teria ganho a eleição se tivesse jogado limpo.
No entanto, essa dúvida em relação à CA não beneficia o Facebook. O episódio se enquadra num padrão estabelecido de descaso com a privacidade, de tolerância com dados pouco confiáveis e de relutância em admitir erros. No início de 2017, Zuckerberg desconsiderou a ideia de que fake news tivessem influenciado a eleição, classificado a noção como “maluca”. Em setembro, o Facebook disse que empresas ligadas ao Kremlin gastaram apenas US$ 100 mil para comprar 3 mil anúncios em sua plataforma, deixando de mencionar que 150 milhões de usuários leram posts gratuitos de operadores russos. A empresa também repetidamente informou mal os anunciantes sobre suas estatísticas de usuários.
O Facebook não está em vias de ser banido ou ficar fora dos negócios, mas há riscos maiores de reações por parte de reguladores. A Europa está infligindo punições por vários meios, como imposições de tarifas e investigações antitruste. Usuários descontentes estão perdendo o interesse na rede social. A base de clientes americanos, centro da rede social do Facebook, está estagnada desde junho de 2017. Sua fatia no mercado americano de anúncios digitais deverá cair pela primeira vez neste ano. O efeito de comunidade que fez o Facebook crescer tanto agora pode se reverter – e sua base pode passar a encolher. O Facebook está avaliado em US$ 493 bilhões, mas apenas US$ 14 bilhões representam bens físicos. Seu valor é intangível e potencialmente efêmero.
Confiança. Se Zuckerberg quiser melhorar o relacionamento de sua empresa com o público, precisa restabelecer a confiança. Por enquanto, ele prometeu auditar alguns aplicativos, restringir o acesso de desenvolvedores a dados e ajudar as pessoas a saber que aplicativos usam suas informações.
Mas isso não basta. A abordagem do Facebook sobre conteúdo, privacidade e dados, incluindo seu papel na eleição de 2016 e no referendo do Brexit, tem de ser submetida a um exame completo. O Facebook deveria também divulgar um relatório anual de conduta que inclua fake news a invasão de privacidade.
Como próximo passo, o Facebook e outras empresas de tecnologia deveriam abrir acesso a observadores externos. Elas poderiam criar uma espécie de xerife do setor – talvez possa ser chamado de Data Rights Board. Parte das funções desse órgão seria estabelecer e cobrar regras pelas quais observadores independentes e credenciados examinariam plataformas sem pôr em risco a privacidade dos usuários. Softwares com esse objetivo vêm sendo desenvolvidos. Os “likes” do Facebook levantam grandes dúvidas. Como os anúncios direcionados podem influenciar campanhas políticas? Que distorções infectam os algoritmos de reconhecimento facial? Essas questões devem ser respondidas com evidências, e não com indignação.
O conselho também poderiam atuar como juízes em reclamações e policiar voluntariamente a proteção de dados. O Facebook, por exemplo, está planejando comprometer-se mundialmente com algumas das medidas de uma nova lei europeia, chamada Regulação de Proteção de Dados Gerais. Entre outras coisas, isso dará aos usuários mais poder para recusar o rastreamento online e impedir que suas informações sejam compartilhadas com terceiros. A adesão do Facebook a essas regras têm de ser monitorada.
‘Não curti’. As empresas de tecnologia têm experiência em atuar coletivamente para solucionar problemas. Rivais do Facebook talvez fiquem ressabiados, mas, se o setor não apresentar uma solução conjunta, uma repressão governamental pode se tornar inevitável.
O Facebook parece acreditar que basta fazer pequenos ajustes em sua abordagem. Na verdade, ele e outras empresas que usam dados de consumidores deveriam assumir que todo seu modelo de negócios está em risco. À medida que os usuários ficam mais bem informados, a alquimia de utilizar seus dados sem pagar e manipulá-los para ter lucro pode terminar. As empresas têm de compensar as pessoas por seus dados, ou dar-lhes a escolha de usar uma plataforma livre de anúncios mediante pagamento de uma assinatura.
Os lucros podem ser afetados, mas a alternativa a isso é pior. Se o Facebook acabar como uma empresa regulada, com tetos para o retorno sobre o capital, sua receita poderia cair 80%. O que acha você disso, Zuckerberg?