A Keycash, fintech de crédito focada no setor imobiliário, está há quatro meses sem pagar os salários de seus funcionários - os últimos pagamentos foram realizados no quinto dia útil de julho, segundo apurou o Estadão. Além disso, a startup realizou um corte de aproximadamente 30% do quadro de funcionários no período. Os atrasos e demissões ocorrem cerca de um ano após a companhia receber um aporte de R$ 185 milhões, em rodada que teve participação do Banco Modalmais.
À reportagem, a Keycash confirmou os atrasos e demissões. “Tivemos atrasos de salários pontuais no último trimestre”, afirmou a companhia em nota. O motivo, segundo a companhia, seria um atraso em uma nova rodada de investimentos, que estava em seu cronograma. “Houve um descompasso entre o início e conclusão dessa captação, planejada desde 2021, em função de um cenário macroeconômico mundial desafiador e que atingiu o setor de tecnologia como um todo”, diz a empresa.
Ainda segundo a startup, a rodada de R$ 185 milhões que teve o Banco Modalmais não foi destinado à parte operacional da companhia - assim, o montante não poderia ir para pagamento de salários. Na época, o Modalmais comprou uma fatia de 11% da fintech, mas o negócio previa a possibilidade de até 25% de participação, o que acabou não acontecendo. Procurado pela reportagem, o Modalmais diz que não exerce nenhuma atividade de gerência na companhia e que os atrasos são de responsabilidade do comando da Keycash.
Após o primeiro atraso do pagamento, Paulo Humberg, CEO da companhia, realizou reuniões com as equipes estipulando prazos de pagamento que não foram cumpridos, segundo relatam ao Estadão funcionários e ex-funcionários da companhia. A última data prometida para a quitação da dívida era sexta, 18, mas os depósitos não foram realizados.
Antes, a companhia havia prometido os pagamentos para 8 de novembro (quinto dia útil do mês), mas a dívida não foi quitada.
Ao Estadão, a companhia afirma que vai honrar todos os compromissos “nas próximas semanas”, quando deve receber um novo aporte - a companhia afirma que irá anunciar “em breve” uma nova rodada de investimentos, mas não detalha os valores ou os investidores do negócio. “A rodada de investimentos para a nova fase da Keycash foi concluída, dando início imediato ao cumprimento de seus deveres com os colaboradores”, diz a empresa.
Contratados como pessoa jurídica, os funcionários, porém, reclamam da falta de informações. Em setembro, alguns setores chegaram a fazer uma greve parcial. A empresa afirma que “manteve o canal de comunicação e suporte aberto em 100% do tempo, mantendo os colaboradores informados durante o período de negociação da nova rodada de captação”.
Enquanto não recebem, os profissionais relatam terem recorrido a empréstimos bancários e pedidos de auxílios para familiares. Segundo os relatos, houve casos em que funcionários foram forçados a vender pertences para contornar a situação. “Teve funcionário que vendeu o carro”, diz uma das pessoas. Um ex-funcionário recorreu à Justiça, onde cobra R$ 16 mil em salários atrasados.
Demissões
Além dos salários atrasados, a startup reduziu drasticamente o seu quadro de funcionários no período. A Keycash contava com cerca de 100 funcionários e afirma ter feito 30 cortes, embora ex-funcionários digam que a redução pode ter sido até maior.
À reportagem, a empresa diz: “Diante do cenário econômico vivido pelas empresas de tecnologia em todo o mundo, a Keycash teve de ajustar suas operações, com impacto em seu quadro de funcionários. Tal cenário, vale destacar, se mostra mais grave do que crises anteriores, como 2000 e 2008.”
História
Fundada em 2017, a Keycash se destacou por oferecer crédito aos clientes via home equity, ou seja, o imóvel do cliente é dado em garantia para o empréstimo, o que garante juros menores - é um modelo muito semelhante às hipotecas americanas.
Ela nasceu de um aporte de US$ 10 milhões e foi criada por Paulo Humberg, além dos empresários Clarissa Vieira (ex-EY), Alessandro Silva (ex-Grupo Zap), Caio Deutsch (ex-EY) e Eduardo Tinari (ex-Grupo Zap). Humberg tem uma longa história na internet brasileira e teve participação na criação do Shoptime e do iBest.
Questionada se vai continuar operando diante da crise, a Keycash diz: “Sim, sem dúvida. O avanço da tecnologia no mercado financeiro imobiliário está apenas no início. A Keycash seguirá firme em sua trajetória de crescimento.”