NEW YORK TIMES - O Departamento de Justiça dos EUA passou três anos construindo o caso de que o Google abusou ilegalmente de seu poder sobre a pesquisa online para “eliminar” a concorrência. Agora, a batalha ganhou data para começar: na terça-feira, 12, um juiz vai começar a ouvir os argumentos da companhia em um julgamento que vai ao cerne de uma questão que há muito tempo vem sendo discutida: as gigantes da tecnologia de hoje se tornaram dominantes infringindo a lei?
O caso — intitulado “U.S. et al. v. Google” — é o primeiro julgamento de monopólio do governo federal da era moderna da internet, depois que uma geração de empresas de tecnologia passou a exercer influência sobre comércio, informação, discurso público, entretenimento e trabalho. O julgamento leva a batalha antitruste contra essas empresas a uma nova fase, deixando de desafiar suas fusões e aquisições para examinar mais profundamente os negócios que as levaram ao poder.
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O caso se concentra em saber se o Google consolidou ilegalmente seu domínio e esmagou a concorrência ao pagar à Apple e a outras empresas para tornar seu mecanismo de busca na internet o padrão no iPhone, bem como em outros dispositivos e plataformas.
Em processos judiciais, o Departamento de Justiça argumentou que o Google manteve um monopólio por meio de tais acordos, dificultando o uso de outros mecanismos de busca pelos consumidores. O Google afirmou que seus acordos com a Apple e outros não eram exclusivos e que os consumidores poderiam alterar as configurações padrão em seus dispositivos para escolher mecanismos de busca alternativos.
Um caso tão importante sobre o poder da tecnologia não se desenrola desde que o Departamento de Justiça levou a Microsoft ao tribunal em 1998 por violações antitruste. No entanto, desde então, empresas como Google, Apple, Amazon e Meta, proprietária do Facebook e do Instagram, entraram na vida das pessoas em um grau ainda maior.
Muita coisa em jogo
Os riscos são particularmente altos para o Google. A empresa do Vale do Silício, fundada em 1998, se transformou em uma gigante de US$ 1,7 trilhão ao se tornar o primeiro lugar que as pessoas procuram para pesquisar na web. A companhia também detém 90% do mercado de mecanismos de busca nos Estados Unidos e 91% em todo o mundo, de acordo com a Similarweb, uma empresa de análise de dados.
O governo disse em sua queixa que quer que o Google mude suas práticas comerciais monopolistas, possivelmente pague indenizações e se reestruture.
“Este é um caso crucial e um momento para criar precedentes para essas novas plataformas que se prestam a um poder de mercado real e duradouro”, disse Laura Phillips-Sawyer, professora de direito antitruste na Faculdade de Direito da Universidade da Geórgia.
O julgamento, que está programado para durar 10 semanas, deve contar com o presidente do Google, Sundar Pichai, bem como executivos da Apple e de outras empresas de tecnologia, provavelmente serão chamados como testemunhas. O caso não terá júri.
Força-tarefa
A disputa pelo julgamento já foi intensa. O Departamento de Justiça e o Google mobilizaram mais de 150 pessoas para o caso e produziram mais de cinco milhões de páginas de documentos. O Google argumentou que Jonathan Kanter, chefe de antitruste do Departamento de Justiça, é tendencioso devido ao seu trabalho anterior como advogado particular representando a Microsoft. Já o Departamento de Justiça acusou o Google de destruir mensagens instantâneas de funcionários que poderiam conter informações relevantes para o caso.
Kent Walker, presidente de assuntos globais do Google, disse em uma entrevista no mês passado que as táticas da empresa eram “completamente legais” e que seu sucesso “se resume à qualidade de nossos produtos”.
O Departamento de Justiça não quis comentar.
Os rivais há muito tempo acusam o Google de usar seu poder na busca para suprimir os links dos concorrentes para viagens, resenhas de restaurantes e mapas, dando maior destaque ao seu próprio conteúdo. Essas reclamações foram analisadas pelos órgãos reguladores, embora poucas medidas tenham sido tomadas.
Em 2019, sob o comando do então presidente Donald Trump, o Departamento de Justiça e a Comissão Federal de Comércio decidiram montar novas investigações antitruste em empresas de tecnologia como parte de uma ampla repressão. O Departamento de Justiça concordou em supervisionar as investigações sobre a Apple e o Google.
Em outubro de 2020, o governo processou o Google por abusar de seu domínio na pesquisa online. Em seu processo, o governo acusou o Google de prejudicar rivais como o DuckDuckGo e o Bing, da Microsoft, por meio de acordos com a Apple e outros fabricantes de smartphones para se tornar o mecanismo de busca padrão em seus navegadores da Web ou ser pré-instalado em seus dispositivos.
“Há duas décadas, o Google se tornou o queridinho do Vale do Silício como uma startup desorganizada com uma maneira inovadora de pesquisar na internet emergente”, disse o Departamento de Justiça em seu processo. “Esse Google já se foi há muito tempo.”
A agência acrescentou que o Google teve um comportamento semelhante ao da Microsoft na década de 1990, quando a gigante do software tornou seu próprio navegador da Web o padrão no sistema operacional Windows, esmagando os concorrentes.
Durante décadas, os juízes, em geral, decidiram contra as empresas em casos antitruste somente quando sua conduta prejudicava os consumidores, principalmente se elas tivessem aumentado os preços. Os críticos afirmam que isso permite que empresas como o Google — que fornece pesquisa na internet gratuitamente — não sejam prejudicadas.
Walker, do Google, disse que o caso era um momento para que o tribunal reforçasse esse padrão. “A lei americana deve promover benefícios para os consumidores”, disse ele, acrescentando: “Se nos afastarmos disso e tornarmos mais difícil para as empresas fornecerem ótimos bens e serviços aos consumidores, isso será ruim para todos.”
Consequências
Os julgamentos de monopólio podem mudar a direção dos setores. Em 1984, sob pressão do Departamento de Justiça, a AT&T se dividiu em sete empresas regionais de telecomunicações. A cisão transformou o setor de telecomunicações, tornando-o mais competitivo no início da era dos telefones celulares.
Mas os efeitos da batalha antitruste do governo contra a Microsoft no início dos anos 2000 foram menos claros. Os dois lados acabaram chegando a um acordo depois que a Microsoft concordou em encerrar determinados contratos com fabricantes de PCs que bloqueavam os fabricantes de software rivais.
Alguns executivos de tecnologia disseram que as ações do Departamento de Justiça tornaram a Microsoft mais cautelosa, abrindo caminho para que empresas iniciantes como o Google competissem na próxima era da computação. Bill Gates, um dos fundadores da Microsoft, culpou a ressaca do processo antitruste pela lenta entrada da empresa na tecnologia móvel e pelo fracasso de seu celular, o Windows Phone. Mas outros argumentaram que o acordo pouco fez para aumentar a concorrência.
Em última análise, o julgamento do Google testará se as leis antitruste criadas em 1890 para acabar com os monopólios do açúcar, do aço e das ferrovias ainda podem funcionar na economia atual, disse Rebecca Allensworth, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Vanderbilt.
“O julgamento do Google é um grande teste para toda a agenda antitruste do governo, porque sua teoria de monopolização está muito em jogo com muitas grandes empresas de tecnologia”, disse a professora.