Inflação impulsiona Uber e outros apps do tipo, mas prejudica seus trabalhadores


Empresas da ‘economia compartilhada’ registram crescimento ao abrigar mais trabalhadores autônomos durante crise econômica

Por Gerrit de Vynck, Faiz Siddiqui e Nitasha Tiku
Atualização:

Debbie Welker deixou de trabalhar fazendo entregas com seu carro para as empresas Shipt e Instacart, em Dallas, no início deste ano, porque os preços da gasolina estavam comendo quase tudo que ela ganhava.

Ela trabalhava de 12 a 14 horas por dia, sete dias por semana, para ganhar cerca de US$ 1,2 mil, mas depois tinha que usar parte desse valor para pagar pelo combustível e por outras despesas. As pessoas pararam de dar gorjetas ou passaram a dar algo em torno de US$ 2 e US$ 5 por uma hora de serviço prestado, algo que ela acha ter sido efeito da inflação.

“Depois dos descontos no que recebia, ganhava menos do que o salário mínimo pelas horas que trabalhava ou ficava esperando no estacionamento de uma loja por um pedido”, acrescentou Debbie, que começou a trabalhar como entregadora durante a pandemia.

continua após a publicidade

A inflação está colocando nova pressão sobre os ombros da crescente mão de obra autônoma para empresas que funcionam sob demanda, os chamados trabalhadores de “empresas da economia compartilhada”, que entregam comida, transportam passageiros e exercem outras funções por meio de plataformas de tecnologia que até o momento estão sobrevivendo relativamente ilesas ao cenário econômico instável. Esse grupo de pessoas, muitas das quais trabalhando meio período ou até mesmo para complementar a renda com um segundo emprego, transformou-se em uma parcela grande dos trabalhadores no mercado na última década, graças a promessas de trabalho flexível com altos salários.

Mas os trabalhadores agora dizem que, embora as taxas e os preços estejam subindo para os consumidores, eles mesmos estão tendo dificuldades para pagar as contas, de acordo com uma dezena deles que conversaram com o Washington Post.

Não há dúvida de que este ambiente operacional é mais forte para nós

Dara Khosrowshahi, CEO do Uber

continua após a publicidade

Enquanto isso, as empresas dizem que mais motoristas estão se juntando aos aplicativos em busca de uma segunda fonte de renda para combater a inflação, que os trabalhadores do setor dizem estar aumentando a concorrência para as vagas de emprego disponíveis.

Se ocorrer uma grave recessão, como muitos economistas preveem, os trabalhadores autônomos podem estar excepcionalmente vulneráveis. Um fluxo de trabalhadores recém-desempregados voltando-se para as plataformas de trabalho sob demanda poderia passar a competir com os que trabalham atualmente por meio delas, corroendo certas oportunidades de ganhar dinheiro com regularidade por meio dos aplicativos.

“Com um fluxo considerável de trabalhadores, as pessoas vão ter menos horas de serviço e trabalhos sob demanda disponíveis”, disse Erin Hatton, professor da Universidade do Estado de Nova York, em Buffalo, que pesquisa trabalho e a “economia compartilhada”. “De modo em geral, isso teria consequências negativas bastante significativas para os trabalhadores que já estão lá e para os trabalhadores que estão chegando. Haverá uma quantidade finita de trabalho.”

continua após a publicidade

Executivos do Uber, Lyft e Doordash disseram durante os recentes anúncios de resultados que as pressões econômicas tiveram um lado positivo para suas empresas, trazendo aqueles que estão em busca de renda extra para suas plataformas.

O CEO do Uber, Dara Khosrowshahi, disse que mais de 70% dos novos motoristas que se cadastraram no aplicativo afirmaram que a inflação era uma das razões de estarem ali. O cadastro de novos motoristas nos Estados Unidos aumentou mais de 75% em comparação com um ano atrás.

Dara Khosrowshahi é o CEO do Uber Foto: Andrew Kelly/Reuters - 2/8/2022
continua após a publicidade

“Ninguém deseja um contexto econômico difícil ou uma inflação elevada afetando a tantos de nós, inclusive motoristas da Uber, mas, ao mesmo tempo, do ponto de vista competitivo, não há dúvida de que este ambiente operacional é mais forte para nós”, disse Khosrowshahi.

A Lyft também tem uma grande oferta de motoristas, segundo os executivos em seus recentes anúncios de resultados, já que o número total de motoristas ativos permaneceu no maior nível registrado pela empresa em dois anos. Uma recessão também poderia trazer um fluxo de novos motoristas, disse o CEO da Lyft, Logan Green, durante a divulgação de resultados.

Economia compartilhada

continua após a publicidade

A “economia compartilhada” é um termo vago para o ecossistema de plataformas tecnológicas e redes informais que conectam trabalhadores autônomos com empregos temporários.

Milhões de americanos recorreram ao trabalho temporário como profissionais autônomos durante décadas, mas a ascensão de empresas como Uber, Lyft e DoorDash tornaram ainda mais fácil para as pessoas conseguir esses empregos sob demanda. Muitos usam as plataformas para ganhar uma renda nos intervalos do trabalho em tempo integral ou de meio período, enquanto outros dirigem para a Uber ou fazem entregas para a Dash como única fonte de renda.

Para as empresas, a dinâmica tem como consequência uma força de trabalho flexível e sob demanda composta por trabalhadores que normalmente não têm direito às exigências salariais de funcionários contratados, proteções de emprego ou benefícios, como seguro de saúde. Isso significa que esses trabalhadores custam menos para as empresas e que elas não são obrigadas a oferecer trabalho a eles. Até gigantes do varejo como a Amazon e a Target têm seus trabalhadores autônomos sob demanda, com o Flex e o Shipt, respectivamente.

continua após a publicidade
Nos EUA, a Lyft é a principal concorrente do Uber Foto: Mike Blake/Reuters - 13/5/2020

Trabalhadores e ativistas lutam há anos por melhores proteções para essa classe de profissionais, que precisam usar os próprios veículos e equipamentos para o trabalho, mas não recebem seguro de saúde ou outros benefícios das empresas da economia compartilhada.

A porta-voz do Uber, Alix Anfang, e a porta-voz da Lyft, Katie Kim, disseram que o fluxo de motoristas é prova da atratividade da empresa. Ambas também chamaram atenção para as taxas de pagamento que cresceram significativamente ano após ano, com aumentos percentuais de dois dígitos, em ambas as empresas para a mesma taxa de US$ 37 por hora de trabalho.

A DoorDash disse em uma carta recente aos acionistas que, no ambiente atual, sua flexibilidade torna a plataforma uma opção atraente de emprego. Tanto a diretora sênior de relacionamento com o consumidor, Natalia Montalvo, como a porta-voz da Shipt, Danielle Schumann, disseram que as empresas têm trabalhado para ajudar os profissionais autônomos com os gastos com a gasolina. A Instacart também atualizou o aplicativo para incentivar gorjetas maiores.

Crise à vista

Alguns setores, como o de entrega de alimentos e a indústria de táxi, foram prejudicados pelas plataformas de serviços sob demanda. Os restaurantes costumavam ter seus próprios entregadores como funcionários contratados em tempo integral ou por meio período, mas agora aplicativos como Doordash, Seamless e Uber Eats operam grande parte da atividade de entrega de alimentos nas principais cidades. A indústria de táxis na maioria das cidades dos EUA também foi dizimada com o surgimento de Uber e Lyft.

De acordo com uma pesquisa de 2021 do Centro de Pesquisa Pew, 16% dos americanos usaram uma plataforma online para ganhar dinheiro realizando algum serviço sob demanda. Pessoas de origem hispânica e aqueles com renda mais baixa, assim como pessoas com menos de 30 anos, têm mais chances de fazer trabalhos sob demanda, de acordo com o Pew. Além disso, 7% de todos os adultos americanos com renda mais baixa disseram que o trabalho sob demanda foi sua principal fonte de renda em 2021.

Não está claro se ou quando uma recessão vai acontecer. O desemprego está baixo, mas os cheques de estímulo do governo que ajudaram muitos a enfrentar a pandemia acabaram. O aumento dos preços fez com que muitos americanos, sobretudo aqueles com rendas mais baixas, concentrassem seus gastos com gasolina, alimentos e outras necessidades. Isso está levando algumas grandes empresas, entre elas Walmart e Best Buy, a avisar aos investidores que as vendas estão começando a recuar.

As empresas de tecnologia ainda estão ganhando bilhões de dólares em receita, mas começaram a congelar as contratações e alertar sobre uma recessão, dizendo aos funcionários que eles precisarão trabalhar mais e ser mais produtivos. Rachaduras estão se formando em uma economia forte.

Recentemente, a Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos EUA disse que a economia adicionou 528 mil novos empregos em julho, deixando para trás as previsões de um número muito menor. A taxa de desemprego atual é de 3,5%; a mesma de antes do início da pandemia em fevereiro de 2020. Os números robustos de empregos contrastam com a desaceleração das despesas do consumidor em algumas áreas e o fato de que a economia encolheu ligeiramente como um todo até agora neste ano.

Trabalhadores criticam empresas da economia compartilhada

Embora as empresas digam que estão aumentando os salários, alguns trabalhadores dizem o contrário. “Não é necessário pegar uma calculadora para ver como as despesas crescentes estão superando os supostos aumentos nos salários”, disse Jerome Gage, que era motorista de Lyft na Califórnia, mas agora dirige apenas cinco horas por semana e conseguiu um emprego em tempo integral.

Ele disse que os pagamentos maiores da Lyft, aos quais os executivos se referiram na divulgação de resultados da empresa, talvez sejam, de certa forma, um reflexo parcial dos incentivos para os motoristas que pararam por causa dos altos preços da gasolina voltarem para o aplicativo. “Tudo isso é temporário”, disse. “Eles vão puxar nosso tapete assim que tiverem motoristas suficientes outra vez.”

Esses não são empregos tão bons como costumavam ser em 2014 e 2015, mas ainda são melhores que inúmeras outras opções

Lindsey Cameron, professora da Universidade da Pensilvânia

As condições econômicas atuais trabalham em favor das “empresas gig”, disseram especialistas. “O trabalho sob demanda parece mais atraente à primeira vista do que os empregos no varejo, mas há coisas ocultas que corroem seus salários”, disse Lindsey Cameron, professora da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, que estudou o impacto da pandemia nos trabalhadores autônomos.

O preço das corridas por aplicativo pode ter aumentado, mas não no mesmo ritmo que as despesas dos trabalhadores, disse Lindsey. “Esses não são empregos tão bons como costumavam ser em 2014 e 2015, mas ainda são melhores que inúmeras outras opções”, afirmou.

Raya Denny, 23 anos, de Springfield, Massachusetts, disse que sua renda com a Lyft continua estável e suficiente para cobrir suas despesas. No entanto, existem fatores fora de seu controle. Algumas semanas atrás, ela acabou com um parafuso no pneu, um contratempo que saiu caro, disse em uma entrevista organizada pela Lyft. “Tenho ganhado mais com a Lyft, mas o problema é que essa a pandemia está se tornando cada vez mais cara”, disse ela, acrescentando que os valores recebidos têm sido bons.

As “empresas gig” oferecem bônus pelo número de corridas realizadas e aumentos de preços com base na demanda dos usuários para recompensar rapidamente os motoristas recém-chegados depois de atraí-los para suas plataformas digitais. Esse ambiente, repleto de incentivos, pode dar aos motoristas e entregadores a sensação de dinheiro conquistado com facilidade e de que sempre haverá um bônus à sua espera.

Mas os motoristas descrevem uma dinâmica na qual, de repente, depois de passarem tempo suficiente em uma plataforma, essas recompensas são corroídas rapidamente. Os veteranos ficam à mercê dos aplicativos que os forçam a trabalhar mais, por mais tempo, para ganhar o mesmo de antes. E acabam esgotados quando conseguem por fim ganhar o suficiente para apreciar de forma plena a realidade da “economia gig”.

Motoristas e entregadores de apps percebem encolhimento da remuneração em meio a baixo crescimento econômico  Foto: Damien Meloney/The New York Times

LaDonna Hamilton dirigiu para a Uber na área de Los Angeles durante cinco anos. Ela continuou mesmo durante a pandemia, quando suas corridas caíram até quase nada. Mas a inflação foi responsável pelo golpe final, já que os preços altos da gasolina, as despesas com manutenção e o aumento do custo do seguro reduziram seu pagamento líquido. “Leva o dobro do tempo para ganhar a mesma quantia de dinheiro”, em comparação com quando ela começou a dirigir, disse, acrescentando que planeja deixar o serviço em breve.

Diante do aumento do custo de vida e dos preços elevados da gasolina, os motoristas precisam trabalhar mais do que antes e acabam ganhando menos que antes. Mais motoristas significam menos oportunidades, dizem eles, enquanto lutam para conseguir corridas lucrativas, porque muitos colegas estão batalhando para conseguir depressa as melhores tarifas.

Ben Valdez, motorista de Uber que vive em Los Angeles e também organiza o grupo de trabalhadores do setor Rideshare Drivers United, disse que os profissionais autônomos que recorrem aos aplicativos para conseguir renda extra podem se ver presos em um “ciclo vicioso”. Você se acostuma com o dinheiro e quando eles baixam as taxas e dizem que você tem flexibilidade, significa apenas que precisará trabalhar mais para ganhar a mesma quantia de dinheiro”, disse ele.

Se os EUA entrarem de fato em uma recessão severa, aqueles que realizam serviços sob demanda podem sofrer ainda mais, disse Enrique Lopezlira, diretor do programa de trabalho de salários baixos da Universidade da Califórnia no Centro de Trabalho de Berkeley.

“As despesas do consumidor também vão cair bastante, então não tenho certeza de quantas oportunidades reais para serviços sob demanda haverá, ou se as pessoas serão capazes de sobreviver trabalhando nesses tipos de empregos”, disse ele.

O trabalho sob demanda não se limita ao transporte de passageiros e entregas. Plataformas para profissionais freelancer como Fiverr e Upwork oferecem espaço para designers gráficos, desenvolvedores de software e profissionais de marketing digital encontrarem clientes sem precisarem de um emprego fixo.

Lindsey Chastain, ex-professora de inglês e jornalista que vive em Skiatook, Oklahoma, começou a trabalhar como freelancer em tempo integral em março, depois que o pequeno jornal onde trabalhava fechou, o que aumentou sua dependência da Fiverr e da Upwork. Até agora tem funcionado, mas a inflação afetou seus pagamentos. Ela precisa pagar pela assinatura de vários programas de software para dar conta de seu amplo leque de clientes, e os preços estão subindo. “Todos esses programas ficaram mais caros. Quando a demanda de trabalho diminui, os custos operacionais não diminuem, na verdade, eles aumentaram”, disse Lindsey.

Abby Forman, diretora de comunicações da Fiverr, disse que “as pessoas estão usando a plataforma como uma forma de gerar renda extra, à medida que as despesas continuam a subir”, e que os dados mostram que elas geralmente podem aumentar as taxas de serviço sem problemas. A flexibilidade do trabalho sob demanda ainda é vantajosa para muitos. Mas outros temem uma desaceleração econômica. “Tenho medo de uma recessão, tenho medo de verdade que o trabalho desapareça”, acrescentou Lindsey. “Vou ter que conseguir um emprego no Walmart?”.

Debbie Welker deixou de trabalhar fazendo entregas com seu carro para as empresas Shipt e Instacart, em Dallas, no início deste ano, porque os preços da gasolina estavam comendo quase tudo que ela ganhava.

Ela trabalhava de 12 a 14 horas por dia, sete dias por semana, para ganhar cerca de US$ 1,2 mil, mas depois tinha que usar parte desse valor para pagar pelo combustível e por outras despesas. As pessoas pararam de dar gorjetas ou passaram a dar algo em torno de US$ 2 e US$ 5 por uma hora de serviço prestado, algo que ela acha ter sido efeito da inflação.

“Depois dos descontos no que recebia, ganhava menos do que o salário mínimo pelas horas que trabalhava ou ficava esperando no estacionamento de uma loja por um pedido”, acrescentou Debbie, que começou a trabalhar como entregadora durante a pandemia.

A inflação está colocando nova pressão sobre os ombros da crescente mão de obra autônoma para empresas que funcionam sob demanda, os chamados trabalhadores de “empresas da economia compartilhada”, que entregam comida, transportam passageiros e exercem outras funções por meio de plataformas de tecnologia que até o momento estão sobrevivendo relativamente ilesas ao cenário econômico instável. Esse grupo de pessoas, muitas das quais trabalhando meio período ou até mesmo para complementar a renda com um segundo emprego, transformou-se em uma parcela grande dos trabalhadores no mercado na última década, graças a promessas de trabalho flexível com altos salários.

Mas os trabalhadores agora dizem que, embora as taxas e os preços estejam subindo para os consumidores, eles mesmos estão tendo dificuldades para pagar as contas, de acordo com uma dezena deles que conversaram com o Washington Post.

Não há dúvida de que este ambiente operacional é mais forte para nós

Dara Khosrowshahi, CEO do Uber

Enquanto isso, as empresas dizem que mais motoristas estão se juntando aos aplicativos em busca de uma segunda fonte de renda para combater a inflação, que os trabalhadores do setor dizem estar aumentando a concorrência para as vagas de emprego disponíveis.

Se ocorrer uma grave recessão, como muitos economistas preveem, os trabalhadores autônomos podem estar excepcionalmente vulneráveis. Um fluxo de trabalhadores recém-desempregados voltando-se para as plataformas de trabalho sob demanda poderia passar a competir com os que trabalham atualmente por meio delas, corroendo certas oportunidades de ganhar dinheiro com regularidade por meio dos aplicativos.

“Com um fluxo considerável de trabalhadores, as pessoas vão ter menos horas de serviço e trabalhos sob demanda disponíveis”, disse Erin Hatton, professor da Universidade do Estado de Nova York, em Buffalo, que pesquisa trabalho e a “economia compartilhada”. “De modo em geral, isso teria consequências negativas bastante significativas para os trabalhadores que já estão lá e para os trabalhadores que estão chegando. Haverá uma quantidade finita de trabalho.”

Executivos do Uber, Lyft e Doordash disseram durante os recentes anúncios de resultados que as pressões econômicas tiveram um lado positivo para suas empresas, trazendo aqueles que estão em busca de renda extra para suas plataformas.

O CEO do Uber, Dara Khosrowshahi, disse que mais de 70% dos novos motoristas que se cadastraram no aplicativo afirmaram que a inflação era uma das razões de estarem ali. O cadastro de novos motoristas nos Estados Unidos aumentou mais de 75% em comparação com um ano atrás.

Dara Khosrowshahi é o CEO do Uber Foto: Andrew Kelly/Reuters - 2/8/2022

“Ninguém deseja um contexto econômico difícil ou uma inflação elevada afetando a tantos de nós, inclusive motoristas da Uber, mas, ao mesmo tempo, do ponto de vista competitivo, não há dúvida de que este ambiente operacional é mais forte para nós”, disse Khosrowshahi.

A Lyft também tem uma grande oferta de motoristas, segundo os executivos em seus recentes anúncios de resultados, já que o número total de motoristas ativos permaneceu no maior nível registrado pela empresa em dois anos. Uma recessão também poderia trazer um fluxo de novos motoristas, disse o CEO da Lyft, Logan Green, durante a divulgação de resultados.

Economia compartilhada

A “economia compartilhada” é um termo vago para o ecossistema de plataformas tecnológicas e redes informais que conectam trabalhadores autônomos com empregos temporários.

Milhões de americanos recorreram ao trabalho temporário como profissionais autônomos durante décadas, mas a ascensão de empresas como Uber, Lyft e DoorDash tornaram ainda mais fácil para as pessoas conseguir esses empregos sob demanda. Muitos usam as plataformas para ganhar uma renda nos intervalos do trabalho em tempo integral ou de meio período, enquanto outros dirigem para a Uber ou fazem entregas para a Dash como única fonte de renda.

Para as empresas, a dinâmica tem como consequência uma força de trabalho flexível e sob demanda composta por trabalhadores que normalmente não têm direito às exigências salariais de funcionários contratados, proteções de emprego ou benefícios, como seguro de saúde. Isso significa que esses trabalhadores custam menos para as empresas e que elas não são obrigadas a oferecer trabalho a eles. Até gigantes do varejo como a Amazon e a Target têm seus trabalhadores autônomos sob demanda, com o Flex e o Shipt, respectivamente.

Nos EUA, a Lyft é a principal concorrente do Uber Foto: Mike Blake/Reuters - 13/5/2020

Trabalhadores e ativistas lutam há anos por melhores proteções para essa classe de profissionais, que precisam usar os próprios veículos e equipamentos para o trabalho, mas não recebem seguro de saúde ou outros benefícios das empresas da economia compartilhada.

A porta-voz do Uber, Alix Anfang, e a porta-voz da Lyft, Katie Kim, disseram que o fluxo de motoristas é prova da atratividade da empresa. Ambas também chamaram atenção para as taxas de pagamento que cresceram significativamente ano após ano, com aumentos percentuais de dois dígitos, em ambas as empresas para a mesma taxa de US$ 37 por hora de trabalho.

A DoorDash disse em uma carta recente aos acionistas que, no ambiente atual, sua flexibilidade torna a plataforma uma opção atraente de emprego. Tanto a diretora sênior de relacionamento com o consumidor, Natalia Montalvo, como a porta-voz da Shipt, Danielle Schumann, disseram que as empresas têm trabalhado para ajudar os profissionais autônomos com os gastos com a gasolina. A Instacart também atualizou o aplicativo para incentivar gorjetas maiores.

Crise à vista

Alguns setores, como o de entrega de alimentos e a indústria de táxi, foram prejudicados pelas plataformas de serviços sob demanda. Os restaurantes costumavam ter seus próprios entregadores como funcionários contratados em tempo integral ou por meio período, mas agora aplicativos como Doordash, Seamless e Uber Eats operam grande parte da atividade de entrega de alimentos nas principais cidades. A indústria de táxis na maioria das cidades dos EUA também foi dizimada com o surgimento de Uber e Lyft.

De acordo com uma pesquisa de 2021 do Centro de Pesquisa Pew, 16% dos americanos usaram uma plataforma online para ganhar dinheiro realizando algum serviço sob demanda. Pessoas de origem hispânica e aqueles com renda mais baixa, assim como pessoas com menos de 30 anos, têm mais chances de fazer trabalhos sob demanda, de acordo com o Pew. Além disso, 7% de todos os adultos americanos com renda mais baixa disseram que o trabalho sob demanda foi sua principal fonte de renda em 2021.

Não está claro se ou quando uma recessão vai acontecer. O desemprego está baixo, mas os cheques de estímulo do governo que ajudaram muitos a enfrentar a pandemia acabaram. O aumento dos preços fez com que muitos americanos, sobretudo aqueles com rendas mais baixas, concentrassem seus gastos com gasolina, alimentos e outras necessidades. Isso está levando algumas grandes empresas, entre elas Walmart e Best Buy, a avisar aos investidores que as vendas estão começando a recuar.

As empresas de tecnologia ainda estão ganhando bilhões de dólares em receita, mas começaram a congelar as contratações e alertar sobre uma recessão, dizendo aos funcionários que eles precisarão trabalhar mais e ser mais produtivos. Rachaduras estão se formando em uma economia forte.

Recentemente, a Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos EUA disse que a economia adicionou 528 mil novos empregos em julho, deixando para trás as previsões de um número muito menor. A taxa de desemprego atual é de 3,5%; a mesma de antes do início da pandemia em fevereiro de 2020. Os números robustos de empregos contrastam com a desaceleração das despesas do consumidor em algumas áreas e o fato de que a economia encolheu ligeiramente como um todo até agora neste ano.

Trabalhadores criticam empresas da economia compartilhada

Embora as empresas digam que estão aumentando os salários, alguns trabalhadores dizem o contrário. “Não é necessário pegar uma calculadora para ver como as despesas crescentes estão superando os supostos aumentos nos salários”, disse Jerome Gage, que era motorista de Lyft na Califórnia, mas agora dirige apenas cinco horas por semana e conseguiu um emprego em tempo integral.

Ele disse que os pagamentos maiores da Lyft, aos quais os executivos se referiram na divulgação de resultados da empresa, talvez sejam, de certa forma, um reflexo parcial dos incentivos para os motoristas que pararam por causa dos altos preços da gasolina voltarem para o aplicativo. “Tudo isso é temporário”, disse. “Eles vão puxar nosso tapete assim que tiverem motoristas suficientes outra vez.”

Esses não são empregos tão bons como costumavam ser em 2014 e 2015, mas ainda são melhores que inúmeras outras opções

Lindsey Cameron, professora da Universidade da Pensilvânia

As condições econômicas atuais trabalham em favor das “empresas gig”, disseram especialistas. “O trabalho sob demanda parece mais atraente à primeira vista do que os empregos no varejo, mas há coisas ocultas que corroem seus salários”, disse Lindsey Cameron, professora da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, que estudou o impacto da pandemia nos trabalhadores autônomos.

O preço das corridas por aplicativo pode ter aumentado, mas não no mesmo ritmo que as despesas dos trabalhadores, disse Lindsey. “Esses não são empregos tão bons como costumavam ser em 2014 e 2015, mas ainda são melhores que inúmeras outras opções”, afirmou.

Raya Denny, 23 anos, de Springfield, Massachusetts, disse que sua renda com a Lyft continua estável e suficiente para cobrir suas despesas. No entanto, existem fatores fora de seu controle. Algumas semanas atrás, ela acabou com um parafuso no pneu, um contratempo que saiu caro, disse em uma entrevista organizada pela Lyft. “Tenho ganhado mais com a Lyft, mas o problema é que essa a pandemia está se tornando cada vez mais cara”, disse ela, acrescentando que os valores recebidos têm sido bons.

As “empresas gig” oferecem bônus pelo número de corridas realizadas e aumentos de preços com base na demanda dos usuários para recompensar rapidamente os motoristas recém-chegados depois de atraí-los para suas plataformas digitais. Esse ambiente, repleto de incentivos, pode dar aos motoristas e entregadores a sensação de dinheiro conquistado com facilidade e de que sempre haverá um bônus à sua espera.

Mas os motoristas descrevem uma dinâmica na qual, de repente, depois de passarem tempo suficiente em uma plataforma, essas recompensas são corroídas rapidamente. Os veteranos ficam à mercê dos aplicativos que os forçam a trabalhar mais, por mais tempo, para ganhar o mesmo de antes. E acabam esgotados quando conseguem por fim ganhar o suficiente para apreciar de forma plena a realidade da “economia gig”.

Motoristas e entregadores de apps percebem encolhimento da remuneração em meio a baixo crescimento econômico  Foto: Damien Meloney/The New York Times

LaDonna Hamilton dirigiu para a Uber na área de Los Angeles durante cinco anos. Ela continuou mesmo durante a pandemia, quando suas corridas caíram até quase nada. Mas a inflação foi responsável pelo golpe final, já que os preços altos da gasolina, as despesas com manutenção e o aumento do custo do seguro reduziram seu pagamento líquido. “Leva o dobro do tempo para ganhar a mesma quantia de dinheiro”, em comparação com quando ela começou a dirigir, disse, acrescentando que planeja deixar o serviço em breve.

Diante do aumento do custo de vida e dos preços elevados da gasolina, os motoristas precisam trabalhar mais do que antes e acabam ganhando menos que antes. Mais motoristas significam menos oportunidades, dizem eles, enquanto lutam para conseguir corridas lucrativas, porque muitos colegas estão batalhando para conseguir depressa as melhores tarifas.

Ben Valdez, motorista de Uber que vive em Los Angeles e também organiza o grupo de trabalhadores do setor Rideshare Drivers United, disse que os profissionais autônomos que recorrem aos aplicativos para conseguir renda extra podem se ver presos em um “ciclo vicioso”. Você se acostuma com o dinheiro e quando eles baixam as taxas e dizem que você tem flexibilidade, significa apenas que precisará trabalhar mais para ganhar a mesma quantia de dinheiro”, disse ele.

Se os EUA entrarem de fato em uma recessão severa, aqueles que realizam serviços sob demanda podem sofrer ainda mais, disse Enrique Lopezlira, diretor do programa de trabalho de salários baixos da Universidade da Califórnia no Centro de Trabalho de Berkeley.

“As despesas do consumidor também vão cair bastante, então não tenho certeza de quantas oportunidades reais para serviços sob demanda haverá, ou se as pessoas serão capazes de sobreviver trabalhando nesses tipos de empregos”, disse ele.

O trabalho sob demanda não se limita ao transporte de passageiros e entregas. Plataformas para profissionais freelancer como Fiverr e Upwork oferecem espaço para designers gráficos, desenvolvedores de software e profissionais de marketing digital encontrarem clientes sem precisarem de um emprego fixo.

Lindsey Chastain, ex-professora de inglês e jornalista que vive em Skiatook, Oklahoma, começou a trabalhar como freelancer em tempo integral em março, depois que o pequeno jornal onde trabalhava fechou, o que aumentou sua dependência da Fiverr e da Upwork. Até agora tem funcionado, mas a inflação afetou seus pagamentos. Ela precisa pagar pela assinatura de vários programas de software para dar conta de seu amplo leque de clientes, e os preços estão subindo. “Todos esses programas ficaram mais caros. Quando a demanda de trabalho diminui, os custos operacionais não diminuem, na verdade, eles aumentaram”, disse Lindsey.

Abby Forman, diretora de comunicações da Fiverr, disse que “as pessoas estão usando a plataforma como uma forma de gerar renda extra, à medida que as despesas continuam a subir”, e que os dados mostram que elas geralmente podem aumentar as taxas de serviço sem problemas. A flexibilidade do trabalho sob demanda ainda é vantajosa para muitos. Mas outros temem uma desaceleração econômica. “Tenho medo de uma recessão, tenho medo de verdade que o trabalho desapareça”, acrescentou Lindsey. “Vou ter que conseguir um emprego no Walmart?”.

Debbie Welker deixou de trabalhar fazendo entregas com seu carro para as empresas Shipt e Instacart, em Dallas, no início deste ano, porque os preços da gasolina estavam comendo quase tudo que ela ganhava.

Ela trabalhava de 12 a 14 horas por dia, sete dias por semana, para ganhar cerca de US$ 1,2 mil, mas depois tinha que usar parte desse valor para pagar pelo combustível e por outras despesas. As pessoas pararam de dar gorjetas ou passaram a dar algo em torno de US$ 2 e US$ 5 por uma hora de serviço prestado, algo que ela acha ter sido efeito da inflação.

“Depois dos descontos no que recebia, ganhava menos do que o salário mínimo pelas horas que trabalhava ou ficava esperando no estacionamento de uma loja por um pedido”, acrescentou Debbie, que começou a trabalhar como entregadora durante a pandemia.

A inflação está colocando nova pressão sobre os ombros da crescente mão de obra autônoma para empresas que funcionam sob demanda, os chamados trabalhadores de “empresas da economia compartilhada”, que entregam comida, transportam passageiros e exercem outras funções por meio de plataformas de tecnologia que até o momento estão sobrevivendo relativamente ilesas ao cenário econômico instável. Esse grupo de pessoas, muitas das quais trabalhando meio período ou até mesmo para complementar a renda com um segundo emprego, transformou-se em uma parcela grande dos trabalhadores no mercado na última década, graças a promessas de trabalho flexível com altos salários.

Mas os trabalhadores agora dizem que, embora as taxas e os preços estejam subindo para os consumidores, eles mesmos estão tendo dificuldades para pagar as contas, de acordo com uma dezena deles que conversaram com o Washington Post.

Não há dúvida de que este ambiente operacional é mais forte para nós

Dara Khosrowshahi, CEO do Uber

Enquanto isso, as empresas dizem que mais motoristas estão se juntando aos aplicativos em busca de uma segunda fonte de renda para combater a inflação, que os trabalhadores do setor dizem estar aumentando a concorrência para as vagas de emprego disponíveis.

Se ocorrer uma grave recessão, como muitos economistas preveem, os trabalhadores autônomos podem estar excepcionalmente vulneráveis. Um fluxo de trabalhadores recém-desempregados voltando-se para as plataformas de trabalho sob demanda poderia passar a competir com os que trabalham atualmente por meio delas, corroendo certas oportunidades de ganhar dinheiro com regularidade por meio dos aplicativos.

“Com um fluxo considerável de trabalhadores, as pessoas vão ter menos horas de serviço e trabalhos sob demanda disponíveis”, disse Erin Hatton, professor da Universidade do Estado de Nova York, em Buffalo, que pesquisa trabalho e a “economia compartilhada”. “De modo em geral, isso teria consequências negativas bastante significativas para os trabalhadores que já estão lá e para os trabalhadores que estão chegando. Haverá uma quantidade finita de trabalho.”

Executivos do Uber, Lyft e Doordash disseram durante os recentes anúncios de resultados que as pressões econômicas tiveram um lado positivo para suas empresas, trazendo aqueles que estão em busca de renda extra para suas plataformas.

O CEO do Uber, Dara Khosrowshahi, disse que mais de 70% dos novos motoristas que se cadastraram no aplicativo afirmaram que a inflação era uma das razões de estarem ali. O cadastro de novos motoristas nos Estados Unidos aumentou mais de 75% em comparação com um ano atrás.

Dara Khosrowshahi é o CEO do Uber Foto: Andrew Kelly/Reuters - 2/8/2022

“Ninguém deseja um contexto econômico difícil ou uma inflação elevada afetando a tantos de nós, inclusive motoristas da Uber, mas, ao mesmo tempo, do ponto de vista competitivo, não há dúvida de que este ambiente operacional é mais forte para nós”, disse Khosrowshahi.

A Lyft também tem uma grande oferta de motoristas, segundo os executivos em seus recentes anúncios de resultados, já que o número total de motoristas ativos permaneceu no maior nível registrado pela empresa em dois anos. Uma recessão também poderia trazer um fluxo de novos motoristas, disse o CEO da Lyft, Logan Green, durante a divulgação de resultados.

Economia compartilhada

A “economia compartilhada” é um termo vago para o ecossistema de plataformas tecnológicas e redes informais que conectam trabalhadores autônomos com empregos temporários.

Milhões de americanos recorreram ao trabalho temporário como profissionais autônomos durante décadas, mas a ascensão de empresas como Uber, Lyft e DoorDash tornaram ainda mais fácil para as pessoas conseguir esses empregos sob demanda. Muitos usam as plataformas para ganhar uma renda nos intervalos do trabalho em tempo integral ou de meio período, enquanto outros dirigem para a Uber ou fazem entregas para a Dash como única fonte de renda.

Para as empresas, a dinâmica tem como consequência uma força de trabalho flexível e sob demanda composta por trabalhadores que normalmente não têm direito às exigências salariais de funcionários contratados, proteções de emprego ou benefícios, como seguro de saúde. Isso significa que esses trabalhadores custam menos para as empresas e que elas não são obrigadas a oferecer trabalho a eles. Até gigantes do varejo como a Amazon e a Target têm seus trabalhadores autônomos sob demanda, com o Flex e o Shipt, respectivamente.

Nos EUA, a Lyft é a principal concorrente do Uber Foto: Mike Blake/Reuters - 13/5/2020

Trabalhadores e ativistas lutam há anos por melhores proteções para essa classe de profissionais, que precisam usar os próprios veículos e equipamentos para o trabalho, mas não recebem seguro de saúde ou outros benefícios das empresas da economia compartilhada.

A porta-voz do Uber, Alix Anfang, e a porta-voz da Lyft, Katie Kim, disseram que o fluxo de motoristas é prova da atratividade da empresa. Ambas também chamaram atenção para as taxas de pagamento que cresceram significativamente ano após ano, com aumentos percentuais de dois dígitos, em ambas as empresas para a mesma taxa de US$ 37 por hora de trabalho.

A DoorDash disse em uma carta recente aos acionistas que, no ambiente atual, sua flexibilidade torna a plataforma uma opção atraente de emprego. Tanto a diretora sênior de relacionamento com o consumidor, Natalia Montalvo, como a porta-voz da Shipt, Danielle Schumann, disseram que as empresas têm trabalhado para ajudar os profissionais autônomos com os gastos com a gasolina. A Instacart também atualizou o aplicativo para incentivar gorjetas maiores.

Crise à vista

Alguns setores, como o de entrega de alimentos e a indústria de táxi, foram prejudicados pelas plataformas de serviços sob demanda. Os restaurantes costumavam ter seus próprios entregadores como funcionários contratados em tempo integral ou por meio período, mas agora aplicativos como Doordash, Seamless e Uber Eats operam grande parte da atividade de entrega de alimentos nas principais cidades. A indústria de táxis na maioria das cidades dos EUA também foi dizimada com o surgimento de Uber e Lyft.

De acordo com uma pesquisa de 2021 do Centro de Pesquisa Pew, 16% dos americanos usaram uma plataforma online para ganhar dinheiro realizando algum serviço sob demanda. Pessoas de origem hispânica e aqueles com renda mais baixa, assim como pessoas com menos de 30 anos, têm mais chances de fazer trabalhos sob demanda, de acordo com o Pew. Além disso, 7% de todos os adultos americanos com renda mais baixa disseram que o trabalho sob demanda foi sua principal fonte de renda em 2021.

Não está claro se ou quando uma recessão vai acontecer. O desemprego está baixo, mas os cheques de estímulo do governo que ajudaram muitos a enfrentar a pandemia acabaram. O aumento dos preços fez com que muitos americanos, sobretudo aqueles com rendas mais baixas, concentrassem seus gastos com gasolina, alimentos e outras necessidades. Isso está levando algumas grandes empresas, entre elas Walmart e Best Buy, a avisar aos investidores que as vendas estão começando a recuar.

As empresas de tecnologia ainda estão ganhando bilhões de dólares em receita, mas começaram a congelar as contratações e alertar sobre uma recessão, dizendo aos funcionários que eles precisarão trabalhar mais e ser mais produtivos. Rachaduras estão se formando em uma economia forte.

Recentemente, a Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos EUA disse que a economia adicionou 528 mil novos empregos em julho, deixando para trás as previsões de um número muito menor. A taxa de desemprego atual é de 3,5%; a mesma de antes do início da pandemia em fevereiro de 2020. Os números robustos de empregos contrastam com a desaceleração das despesas do consumidor em algumas áreas e o fato de que a economia encolheu ligeiramente como um todo até agora neste ano.

Trabalhadores criticam empresas da economia compartilhada

Embora as empresas digam que estão aumentando os salários, alguns trabalhadores dizem o contrário. “Não é necessário pegar uma calculadora para ver como as despesas crescentes estão superando os supostos aumentos nos salários”, disse Jerome Gage, que era motorista de Lyft na Califórnia, mas agora dirige apenas cinco horas por semana e conseguiu um emprego em tempo integral.

Ele disse que os pagamentos maiores da Lyft, aos quais os executivos se referiram na divulgação de resultados da empresa, talvez sejam, de certa forma, um reflexo parcial dos incentivos para os motoristas que pararam por causa dos altos preços da gasolina voltarem para o aplicativo. “Tudo isso é temporário”, disse. “Eles vão puxar nosso tapete assim que tiverem motoristas suficientes outra vez.”

Esses não são empregos tão bons como costumavam ser em 2014 e 2015, mas ainda são melhores que inúmeras outras opções

Lindsey Cameron, professora da Universidade da Pensilvânia

As condições econômicas atuais trabalham em favor das “empresas gig”, disseram especialistas. “O trabalho sob demanda parece mais atraente à primeira vista do que os empregos no varejo, mas há coisas ocultas que corroem seus salários”, disse Lindsey Cameron, professora da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, que estudou o impacto da pandemia nos trabalhadores autônomos.

O preço das corridas por aplicativo pode ter aumentado, mas não no mesmo ritmo que as despesas dos trabalhadores, disse Lindsey. “Esses não são empregos tão bons como costumavam ser em 2014 e 2015, mas ainda são melhores que inúmeras outras opções”, afirmou.

Raya Denny, 23 anos, de Springfield, Massachusetts, disse que sua renda com a Lyft continua estável e suficiente para cobrir suas despesas. No entanto, existem fatores fora de seu controle. Algumas semanas atrás, ela acabou com um parafuso no pneu, um contratempo que saiu caro, disse em uma entrevista organizada pela Lyft. “Tenho ganhado mais com a Lyft, mas o problema é que essa a pandemia está se tornando cada vez mais cara”, disse ela, acrescentando que os valores recebidos têm sido bons.

As “empresas gig” oferecem bônus pelo número de corridas realizadas e aumentos de preços com base na demanda dos usuários para recompensar rapidamente os motoristas recém-chegados depois de atraí-los para suas plataformas digitais. Esse ambiente, repleto de incentivos, pode dar aos motoristas e entregadores a sensação de dinheiro conquistado com facilidade e de que sempre haverá um bônus à sua espera.

Mas os motoristas descrevem uma dinâmica na qual, de repente, depois de passarem tempo suficiente em uma plataforma, essas recompensas são corroídas rapidamente. Os veteranos ficam à mercê dos aplicativos que os forçam a trabalhar mais, por mais tempo, para ganhar o mesmo de antes. E acabam esgotados quando conseguem por fim ganhar o suficiente para apreciar de forma plena a realidade da “economia gig”.

Motoristas e entregadores de apps percebem encolhimento da remuneração em meio a baixo crescimento econômico  Foto: Damien Meloney/The New York Times

LaDonna Hamilton dirigiu para a Uber na área de Los Angeles durante cinco anos. Ela continuou mesmo durante a pandemia, quando suas corridas caíram até quase nada. Mas a inflação foi responsável pelo golpe final, já que os preços altos da gasolina, as despesas com manutenção e o aumento do custo do seguro reduziram seu pagamento líquido. “Leva o dobro do tempo para ganhar a mesma quantia de dinheiro”, em comparação com quando ela começou a dirigir, disse, acrescentando que planeja deixar o serviço em breve.

Diante do aumento do custo de vida e dos preços elevados da gasolina, os motoristas precisam trabalhar mais do que antes e acabam ganhando menos que antes. Mais motoristas significam menos oportunidades, dizem eles, enquanto lutam para conseguir corridas lucrativas, porque muitos colegas estão batalhando para conseguir depressa as melhores tarifas.

Ben Valdez, motorista de Uber que vive em Los Angeles e também organiza o grupo de trabalhadores do setor Rideshare Drivers United, disse que os profissionais autônomos que recorrem aos aplicativos para conseguir renda extra podem se ver presos em um “ciclo vicioso”. Você se acostuma com o dinheiro e quando eles baixam as taxas e dizem que você tem flexibilidade, significa apenas que precisará trabalhar mais para ganhar a mesma quantia de dinheiro”, disse ele.

Se os EUA entrarem de fato em uma recessão severa, aqueles que realizam serviços sob demanda podem sofrer ainda mais, disse Enrique Lopezlira, diretor do programa de trabalho de salários baixos da Universidade da Califórnia no Centro de Trabalho de Berkeley.

“As despesas do consumidor também vão cair bastante, então não tenho certeza de quantas oportunidades reais para serviços sob demanda haverá, ou se as pessoas serão capazes de sobreviver trabalhando nesses tipos de empregos”, disse ele.

O trabalho sob demanda não se limita ao transporte de passageiros e entregas. Plataformas para profissionais freelancer como Fiverr e Upwork oferecem espaço para designers gráficos, desenvolvedores de software e profissionais de marketing digital encontrarem clientes sem precisarem de um emprego fixo.

Lindsey Chastain, ex-professora de inglês e jornalista que vive em Skiatook, Oklahoma, começou a trabalhar como freelancer em tempo integral em março, depois que o pequeno jornal onde trabalhava fechou, o que aumentou sua dependência da Fiverr e da Upwork. Até agora tem funcionado, mas a inflação afetou seus pagamentos. Ela precisa pagar pela assinatura de vários programas de software para dar conta de seu amplo leque de clientes, e os preços estão subindo. “Todos esses programas ficaram mais caros. Quando a demanda de trabalho diminui, os custos operacionais não diminuem, na verdade, eles aumentaram”, disse Lindsey.

Abby Forman, diretora de comunicações da Fiverr, disse que “as pessoas estão usando a plataforma como uma forma de gerar renda extra, à medida que as despesas continuam a subir”, e que os dados mostram que elas geralmente podem aumentar as taxas de serviço sem problemas. A flexibilidade do trabalho sob demanda ainda é vantajosa para muitos. Mas outros temem uma desaceleração econômica. “Tenho medo de uma recessão, tenho medo de verdade que o trabalho desapareça”, acrescentou Lindsey. “Vou ter que conseguir um emprego no Walmart?”.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.