O empresário Elon Musk, dono do X e CEO da Tesla, iniciou neste sábado, 19, um programa de distribuição de US$ 1 milhão diários para eleitores americanos registrados que assinarem uma petição do America PAC, seu comitê de ação política. Isso levantou debates sobre possíveis violações da legislação eleitoral norte-americana. A iniciativa, que já contemplou dois participantes, concentra-se em estados decisivos para a eleição no país, como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin.
A ação, apesar de controversa, não significa que o eleitor terá de votar obrigatoriamente em Trump. Ela apenas fornece um indicativo de apoio ao ex-presidente americano na corrida eleitoral deste ano. Contudo, especialistas em direito eleitoral argumentaram que o esquema de Musk pode ter criado um incentivo ilegal indireto para que as pessoas se registrassem para votar, permitindo que apenas os eleitores registrados fossem elegíveis para o seu prêmio em dinheiro.
Entenda o que é o PAC
O programa estabelece como requisito que os participantes sejam eleitores registrados nesses estados-chave, chamados de swing states. O documento exige dados pessoais como nome completo, endereço, e-mail e telefone, além de declarar apoio à Primeira e Segunda Emendas da Constituição americana.
Embora o prêmio de US$ 1 milhão seja direcionado a apenas alguns dos swing states, o comitê oferece US$ 47 para eleitores de todos os estados considerados decisivos que assinarem a petição. A campanha, porém, tem levantado questionamentos sobre a legalidade de oferecer incentivos financeiros para estimular o registro de eleitores, algo que é proibido pela legislação federal dos EUA.
O America PAC, financiado por Musk com cerca de US$ 68 milhões em três meses, tornou-se um dos principais comitês de apoio à campanha de Donald Trump à presidência dos EUA. O fundo, em seus moldes atuais inclusive, permite doações ilimitadas por parte de indivíduos e empresas e pode ser caracterizado como um Super PAC.
Diferente dos PACs tradicionais, os Super PACs podem arrecadar e gastar quantias grandes de dinheiro sem muitas restrições, desde que não coordenem diretamente com as campanhas dos candidatos. Isso dá a Musk, um dos homens mais ricos do mundo, uma influência significativa sobre o resultado eleitoral, algo que é alvo de críticas de grupos que defendem uma maior transparência e controle sobre o financiamento eleitoral. O temor, claro, é sobre o peso do dinheiro nas eleições americanas.
“A influência de Musk nas eleições pode ser significativa, especialmente porque ele está direcionando seus recursos para aumentar a participação eleitoral nos chamados estados de disputa acirrada. O America PAC, financiado por Musk, está investindo em campanhas para mobilizar eleitores em estados que podem decidir o resultado da eleição, como a Pensilvânia. Trata-se de um empresário que tem influência, entre outros setores, na mídia social. E provável que o envolvimento financeiro e midiático de Musk possa ter um impacto relevante”, diz Neusa Bojikian, pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT).
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Isso é legalizado?
A legislação federal norte-americana define como crime o pagamento ou oferecimento de vantagens para induzir registro eleitoral ou voto, com penas de até cinco anos de prisão e multa de US$ 10 mil. Especialistas divergem sobre a legalidade da ação. Richard Hasen, diretor do Projeto de Proteção à Democracia da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), apontou ao New York Times “forte argumento para responsabilização criminal”. Por outro lado, Brad Smith, ex-presidente da Comissão Federal Eleitoral, disse ao jornal que considera a iniciativa legal por vincular o pagamento à assinatura da petição, não ao registro eleitoral.
A controvérsia gira em torno da legalidade de condicionar o pagamento ao registro de eleitores em estados decisivos, algo que pode violar as leis federais de financiamento de campanhas e integridade eleitoral. Toda a ação fica em uma “zona de incerteza” diante da situação incomum e sem precedentes na política americana. O Departamento de Justiça pode investigar a legalidade das doações, mas especialistas consideram improvável decisão antes da eleição.
“Em tese, o uso de verbas privadas para uma finalidade privada (assinar a petição) não se enquadra como crime eleitoral. O problema é que o requisito para assinatura, que é estar registrado como eleitor, gera uma área cinzenta: a lei federal, assim como diversas leis estaduais, considera crime o pagamento para que alguém se registre como eleitor. Ainda que a razão do pagamento não seja essa, o timing da promoção de Musk gera preocupações quanto sua real intenção - que seria a de aumentar a base eleitoral de Donald Trump em estados-pêndulo, decisivos nas eleições americanas”, diz Guilherme Casarões, cientista político e professor da FGV EAESP.
Quem são os vencedores do prêmio?
John Dreher, um jovem de 27 anos do Condado de Cumberland, na Carolina do Norte, tornou-se o primeiro vencedor do prêmio oferecido pelo America PAC. Dreher, que votou no dia 4 de outubro, foi levado ao palco durante um evento de campanha, onde expressou emoção ao receber a ligação que o notificava como vencedor. Dreher descreveu o encontro como um momento inesquecível, em que até esqueceu do prêmio em dinheiro, dada a influência do empresário em sua geração.
O segundo prêmio foi entregue a Kristine Fishell, residente do Condado de Allegheny, na Pensilvânia. Fishell, cujo voto por correio foi registrado cinco dias antes do prazo, em 16 de outubro, havia contribuído para campanhas republicanas em 2020, conforme registros federais. Ela também se emocionou ao receber o prêmio e agradeceu ao bilionário pela ação.
O que está por trás do apoio de Musk a Trump?
Em 2022, Musk sugeria que o ex-presidente “deveria se aposentar”. A mudança de posicionamento coincide com investigações que suas empresas enfrentam na atual administração. Tesla e SpaceX são alvos de ao menos 20 processos de análise por agências federais reguladoras, segundo o New York Times. Agora, caso eleito, Trump deve nomear Musk como conselheiro, o que possivelmente deve retirar ou “ignorar” as acusações das companhias.
O ex-presidente sugeriu que o bilionário seria o “secretário de corte de custos” em sua administração, mesmo que não de forma oficial. Musk disse que pretende “trabalhar muito para melhorar a eficiência do governo”. Além disso, o empresário pretende usar seu cargo para livrar o país de regulamentações consideradas prejudiciais a economia e os negócios. Dessa forma, o dono do X, conseguiria unir dinheiro e poder e se tornar um dos homens mais influentes do mundo.
Bojikian, afirma que Musk tem defendido políticas que promovem a liberdade de expressão e mercados livres, valores que ele alega estarem sob ameaça por políticas progressistas e democratas, que ele vê como restritivas para a inovação e o crescimento empresarial.
“Musk é uma figura poderosa, não apenas como o homem mais rico do mundo, mas também como líder de indústrias cruciais, como a automobilística elétrica (Tesla), espaço aeroespacial (SpaceX) e comunicações (Starlink, Twitter/X). Sua capacidade de doar milhões para campanhas políticas e influenciar eleições, ao mesmo tempo em que busca subsídios e contratos governamentais, cria um cenário no qual uma única pessoa pode ter influência desproporcional tanto sobre as decisões governamentais quanto sobre a formulação de políticas”.
Segundo ela, quando uma figura tão influente quanto o bilionário entra no jogo político, isso pode enfraquecer os mecanismos democráticos de igualdade política, onde todas as vozes deveriam ter o mesmo peso. O envolvimento político de Musk pode aumentar o risco de favorecimento, em que o governo passa a fornecer subsídios ou incentivos desproporcionais para empresas ligadas ao empresário, em clara desvantagem de concorrentes menores ou emergentes. “Isso cria um ambiente de concorrência desleal, onde o sucesso não depende da inovação ou do mérito, como ele retoricamente defende, mas de relações políticas”.
Já para Casarões, é difícil avaliar o impacto real da proposta de Musk nas eleições dos estados-pêndulo. “Sabemos que, no geral, eleitores republicanos tendem a se envolver menos no processo eleitoral. Dado o resultado muito próximo entre candidatos em alguns estados (com diferenças de poucos milhares de votos), essa promoção pode fazer diferença, além de manter Trump e Musk em evidência na imprensa. Mas o cenário ainda é muito incerto”.
O que está fazendo a campanha de Kamala Harris?
A campanha de Kamala Harris monitora a situação. O empresário do Vale do Silício Vinod Khosla propôs que apoiadores democratas assinem a petição para comprometer a efetividade da estratégia republicana. O governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, manifestou preocupação com o volume de recursos privados na campanha durante entrevista ao programa Meet the Press.
Apoiadores da candidata a presidente e outros líderes do Partido Democrata incentivaram seus eleitores a também assinarem a petição de Musk, com o objetivo de diluir o impacto que os eleitores pró-Trump poderiam ter na base de dados do bilionário, que pretende usá-la para segmentar mensagens eleitorais nos dias finais da campanha.
E se ocorresse no Brasil?
No contexto brasileiro, uma ação semelhante seria enquadrada como captação ilícita de sufrágio, conforme previsto na Lei nº 9.840/99, que proíbe a oferta de qualquer vantagem ou bem em troca de votos. A legislação brasileira considera essa prática um crime eleitoral grave, passível de punições que incluem multas e até mesmo a cassação de mandatos eletivos. O cenário jurídico no Brasil, portanto, seria ainda mais rígido em relação a iniciativas como a de Musk, que estariam sujeitas a uma fiscalização rigorosa por parte da Justiça Eleitoral.
Um dos casos de compra de votos mais recentes que ocorreram no País aconteceu em Ourilândia do Norte (PA). O vereador Irmão Edivaldo (MDB), foi preso em flagrante suspeito de compra de votos no dia da votação das eleições municipais. O parlamentar, que cumpre o terceiro mandato na Câmara Municipal e foi reeleito para mais quatro anos, chamou a atenção dos fiscais do Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA) e da Polícia Civil do Estado por entregar um óculos com câmera para que “seus eleitores” pudessem registrar o voto supostamente vendido.
De acordo com a investigação da Polícia Civil, uma mesária suspeitou de eleitores que estavam entrando na cabine de votação com óculos praticamente idênticos. Ela acionou os fiscais e foi detectado que os óculos tinham uma microcâmera embutida e serviria para que eleitores comprovassem voto no candidato. O vereador vai responder por compra de votos e associação criminosa.