No início de fevereiro, o Facebook anunciou que o investidor bilionário Peter Thiel estava deixando seu cargo no conselho da empresa depois de mais de 15 anos.
O homem de 54 anos, cujas visões políticas contrárias e de direita fizeram dele uma das figuras mais controversas a surgir no Vale do Silício, agora destinará seu tempo a ajudar candidatos pró-Trump a vencer as eleições intermediárias em novembro, de acordo com uma pessoa familiarizada com os planos dele e que falou sob a condição de anonimato para comentar temas confidenciais.
Thiel participou da política nacional durante a maior parte de sua vida, ajudando a criar uma revista conservadora na Universidade Stanford na década de 1980, antes de mergulhar de cabeça nos investimentos em tecnologia e ajudar a fundar o PayPal. Ele usou o dinheiro da venda do PayPal para investir em outras empresas de tecnologia, tornando-se o primeiro grande investidor externo do Facebook e vendo sua riqueza e influência dispararem conforme o domínio das gigantes da tecnologia crescia nos últimos 20 anos.
Em 2016, Thiel apoiou a campanha presidencial de Donald Trump e mais tarde trabalhou na equipe de transição ao governo. Agora ele atua de forma ainda mais direta na política, financiando as campanhas para o Senado de dois de seus colegas próximos, J.D. Vance, em Ohio, e Blake Masters, no Arizona. Ao mesmo tempo, ele ainda é uma força no investimento em tecnologia e desempenha um papel importante em empresas, inclusive na Palantir, de coleta automatizada de dados, onde atua como presidente.
Ter um pé no Vale do Silício e o outro no mundo da política conservadora tornou Thiel um indivíduo excepcionalmente influente e polarizador, embora ele não seja tão conhecido quanto outros financiadores políticos famosos, como os irmãos Koch. Isso provavelmente mudará à medida que ele se lança cada vez mais na política americana.
O porta-voz de Thiel não respondeu ao convite de entrevista.
Quem é Thiel?
Ele é uma das vozes mais poderosas no Vale do Silício e explorou sua rede de contatos pessoais, investimentos financeiros e entusiasmo pelo debate para uma filosofia de negócios copiada pelos fundadores de startups, que idolatram Thiel como “o líder do culto da disrupção”, escreveu Max Chafkin, autor da biografia de Thiel publicada em 2021 “The Contrarian” (O do contra, em tradução livre).
A família de Thiel saiu da Alemanha e foi para os Estados Unidos quando ele era criança, estabelecendo-se na Califórnia. Ele foi um campeão de xadrez na infância e estudou filosofia e direito em Stanford. Enquanto estava lá, lançou uma revista conservadora: a Stanford Review, que criticava o que ele e os colegas que escreviam a publicação ridicularizavam como a força invasora do politicamente correto nos campi universitários. Mais tarde, Thiel coescreveu “The Diversity Myth” (O mito da diversidade, em tradução livre), com o investidor em tecnologia David Sacks, que abordou os mesmos tópicos.
Depois da faculdade, ele arrecadou US$ 1 milhão com amigos e familiares para lançar a Thiel Capital Management e investir na Bolha da Internet, antes de cofundar uma empresa de pagamentos com Max Levchin que se tornaria o PayPal, posteriormente adquirido pelo eBay.
Thiel usou seus lucros da venda para investir em outras empresas de tecnologia e se tornou conhecido por ser um dos primeiros grandes investidores do Facebook.
Outros antigos funcionários e investidores do PayPal se tornariam líderes importantes no Vale do Silício e, juntos, eles se autodenominavam a “máfia do PayPal”, chegando ao ponto de posarem como mafiosos em uma foto para a revista Fortune em 2007. Como integrante do grupo, a influência de Thiel no mundo da tecnologia aumentava a cada novo acordo que ele participava.
Em meados dos anos 2000, Thiel lançou a empresa de capital de risco Founders Fund, que apoiou empresas como a SpaceX, fundada pelo veterano do PayPal Elon Musk, LinkedIn e Lyft.
Que medidas ele apoia e quais são seus aparentes objetivos políticos?
Thiel descreve-se como libertário e fez doações sobretudo para candidatos republicanos e comitês de ação política de direita ou contra impostos ao longo dos anos.
Em um artigo de 2009 sobre sua evolução política pessoal, Thiel disse estar desiludido com a política e sua capacidade de atingir objetivos libertários, escrevendo: “Não acredito mais que liberdade e democracia sejam compatíveis”. Ele continuou argumentando que estender os direitos de voto para as mulheres e aumentar o número de beneficiários da previdência social tornou mais difícil eleger políticos libertários, embora mais tarde tenha explicado que não apoiava a retirada do direito de voto das mulheres.
Mais recentemente, Thiel defendeu visões nacionalistas, argumentando que grandes empresas de tecnologia dos EUA, como o Google, não deveriam trabalhar com a China porque o país é um dos concorrentes geopolíticos dos americanos. O biógrafo Chafkin sugeriu que a filosofia mais consistente de Thiel é o “contrarianismo”, posicionar-se como contrário ao pensamento convencional ou dominante.
Thiel apoiou Trump pela primeira vez no período que antecedeu sua eleição em 2016, doando pelo menos US$ 1,25 milhão para sua campanha, de acordo com o New York Times. A doação veio apenas algumas semanas depois do surgimento de um vídeo em que Trump aparecia fazendo comentários obscenos em relação a mulheres. Thiel também fez um discurso na Convenção Nacional Republicana e participou da equipe de transição de Trump, na qual atuou como intermediário entre o ex-presidente e o Vale do Silício, ajudando a colocar alguns de seus acólitos em posições de poder dentro do governo.
Quais são seus investimentos dele e como seu posicionamento pode lhe render mais dinheiro?
A principal atividade de Thiel ainda é como um rico investidor de capital de risco. Ele ajudou a criar várias empresas, entre elas a Founders Fund, Mithril Capital Management e Valar Ventures, que juntas administram aproximadamente US$ 20 bilhões em investimentos, de acordo com a empresa de pesquisa PitchBook. Ele também investiu em dezenas de empresas de forma direta com seu próprio dinheiro ao longo dos anos, inclusive na plataforma de compra de arte Art.sy, a desenvolvedora de jogos para celular Zynga e a empresa de seguros de saúde Oscar, fundada por Josh Kushner, irmão do genro de Trump, Jared Kushner.
Alguns de seus investimentos mais importantes se beneficiam diretamente de contratos com o governo americano. A Palantir, que Thiel ajudou a fundar em 2003, conta com agências governamentais como o Departamento de Defesa dos EUA entre seus maiores clientes. Mais da metade da receita da empresa vem de clientes do governo, de acordo com seu relatório de rendimentos mais recente. A Anduril, que constrói torres de vigilância automatizadas e drones para monitorar as fronteiras, foi contemplada com um contrato de cinco anos no governo Trump em 2020.
Thiel, cujo patrimônio líquido, de acordo com a Bloomberg News, é de cerca de US$ 8 bilhões, também tem um forte interesse em definir a política tributária.
No ano passado, a ProPublica documentou como Thiel protegeu bilhões de seu próprio dinheiro da tributação, administrando seus investimentos por meio de uma poupança individual para aposentadoria (Roth IRA). No ano passado, os democratas no Congresso propuseram um projeto de lei que forçaria Thiel e outras pessoas ricas usando contas Roth a pagar enormes taxas de impostos se sacassem de alguma maneira seu dinheiro. Thiel também fez doações diretas para organizações de defesa contra impostos, como a Club for Growth.
E o que tudo isso significa para o Facebook?
Thiel tem tido influência sobre o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, ao longo dos anos, levando-o a adotar uma postura mais laissez-faire para moderar conteúdo e anúncios nos aplicativos da empresa, de acordo com uma reportagem do Wall Street Journal de 2019. Funcionários progressistas ficavam aborrecidos com a presença dele no conselho da empresa, que também era destacada pelos críticos do Facebook em seus argumentos a respeito de como a empresa possibilitou a ascensão de políticos populistas de direita nos EUA e em outros lugares.
Agora que ele deixou o cargo, é possível que as críticas talvez se tornem menos intensas, sobretudo internamente, embora seja improvável que elas desapareçam por completo. Em termos de direcionar a trajetória do Facebook, o papel de Thiel já era em sua maior parte de consultoria. Ao contrário do que acontece na maioria dos conselhos de direção de empresas, Zuckerberg tem a última palavra no Facebook, pois manteve a maioria das ações com direito a voto ao longo dos anos.
Os investimentos de Thiel em outras empresas também estavam começando a entrar em possível conflito com seus deveres como integrante do conselho do Facebook. Ele financiou a Rumble, uma plataforma de vídeo que diz ter uma postura mais passiva quanto à moderação de conteúdo do que a de gigantes das mídias sociais como Facebook e YouTube.
O New York Times publicou em janeiro que a Boldend, outra das empresas apoiadas pelo Founders Fund, havia afirmado ter desenvolvido a capacidade de hackear o WhatsApp, um dos produtos do Facebook. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA