A fortuna de Bill Gates e Melinda French Gates excede o tamanho do PIB do Marrocos, o valor em conjunto da Ford, do Twitter e da Marriott International e é o triplo da dotação de Harvard. Embora poucos saibam como sua riqueza será dividida no divórcio, uma coisa é certa: dividi-la não será uma tarefa fácil.
Gates construiu uma das grandes fortunas da história da humanidade quando fundou a Microsoft em 1975 com Paul Allen. O patrimônio líquido dos Gates é estimado em mais de US$ 124 bilhões e inclui bens tão variados quanto imóveis, ações de empresas públicas e artefatos raros.
Há uma grande participação na luxuosa cadeia de hotéis Four Seasons; centenas de milhares de hectares de terras agrícolas e terras de rancho, incluindo a histórica fazenda de Wyoming em Buffalo Bill; e bilhões de dólares em ações de empresas como AutoNation e Waste Management. Além de uma mansão à beira-mar no sul da Califórnia e um dos cadernos de Leonardo da Vinci.
“A quantidade de dinheiro e a diversidade de bens envolvidos neste divórcio é alucinante”, disse David Aronson, advogado que representou clientes ricos em casos de divórcio. “Dificilmente houve casos que tenham sido semelhantes a este em tamanho.”
Apenas o divórcio de 2019 entre o fundador da Amazon, Jeff Bezos, e sua agora ex-esposa, a romancista e filantropa MacKenzie Scott, foi maior. Bezos tinha uma fortuna estimada em US$ 137 bilhões, embora a maior parte fosse em ações da Amazon, e MacKenzie mantivesse 4% das ações da Amazon, que valiam US$ 36 bilhões na época.
Mas Gates há décadas diversifica suas participações; ele possui apenas 1,3% da Microsoft. Em vez disso, sua carteira de ações inclui participações em dezenas de empresas de capital aberto. Ele é o maior proprietário privado de terras agrícolas no país, de acordo com o The Land Report. Além do Four Seasons, ele tem participações em outros hotéis de luxo e uma empresa que atende proprietários de jatos particulares. O conjunto de imóveis que possui inclui uma das maiores casas do país e diversas instalações equestres. Ele possui participações em um fundo de investimento em energia limpa e uma startup de energia nuclear.
Há também a Fundação Bill e Melinda Gates. Separada do resto da fortuna de Gates, com uma dotação de US$ 50 bilhões, a fundação é uma das maiores organizações de caridade do mundo e desempenha um papel excepcionalmente importante na saúde pública global. A dotação está em um fundo fiduciário e não pode ser dividida como parte do espólio do casal, embora permaneçam dúvidas se ela será a principal beneficiária das contribuições de caridade deles quando o divórcio for concluído.
O casal tem um acordo de separação pronto, de acordo com a solicitação de divórcio de Melinda, mas os detalhes não foram divulgados. A ação pede ao tribunal para dividir imóveis, bens pessoais e dívidas seguindo os termos estabelecidos no acordo. Os advogados de Melinda estão trabalhando em um plano para divisão de bens desde 2019, segundo uma pessoa a par da questão.
Advogados que trabalham com divórcios, mas não estão envolvidos no dos Gates, dizem que alguns dos bens pessoais podem ser difíceis de avaliar e de separar, além de serem altamente complexos. Parte da riqueza já foi dividida: logo após o anúncio, US$ 2,4 bilhões em ações da AutoNation, Canadian National Railway e duas empresas mexicanas pertencentes ao casal foram transferidos para Melinda - tornando-a bilionária por seus próprios méritos.
Uma lista detalhada pode ser mais difícil de ser obtida.
“Os divórcios são, na verdade, uma das ocasiões em que as coisas se racham e a luz brilha”, disse Chuck Collins, pesquisador do Instituto para Estudos Políticos em Washington e autor de “The Wealth Hoarders: How Billionaires Pay Millions to Hide Trillions” (Acumuladores de riquezas: como bilionários pagam milhões para esconder trilhões, em tradução livre). Mas ele acrescentou que acordos pré-nupciais e outros acordos do casal não foram feitos para serem divulgados. “Partes de um acordo pré-nupcial são sobre sigilo em relação a todos os fundos da família e seus bens”, disse ele. "Eles têm tudo planejado antes de você se apaixonar."
Ao mesmo tempo, os advogados ressaltam que as questões que causam atrito no divórcio comum estão completamente ausentes para aqueles que são estratosfericamente ricos.
“É quase mais fácil resolver um caso como este, se as partes estiverem de acordo, do que resolver um caso em que as pessoas vivem confortavelmente, mas não têm o suficiente para viver confortavelmente depois de dividir tudo ao meio,” Aronson disse. “Para essas pessoas, o divórcio só mudará o limite de quantos bilhões de dólares elas podem doar para o que quiserem.”
Uma fortuna administrada secretamente
No centro da fortuna dos Gates e da dotação da Fundação Gates está uma empresa pouco conhecida chamada Cascade Investment. Com sede em Kirkland, Washington, e administrada por Michael Larson, um ex-administrador de fundos de títulos da Putnam Investments, a Cascade tem supervisionado tanto a dotação quanto a maior parte da riqueza pessoal de Gates e Melinda há décadas.
Gates começou a reduzir sua participação na Microsoft desde sua abertura de capital em 1986, quando ele possuía 45% da empresa, uma participação de US$ 350 milhões na época. Hoje, ele tem um patrimônio líquido estimado em US$ 124 bilhões, de acordo com a Forbes, ou US$ 146 bilhões, segundo a empresa de pesquisas Wealth-X. Além da dotação da Fundação Gates e da fortuna pessoal dos Gates, a Cascade provavelmente supervisiona os ativos que a colocam no mesmo nível ou além de alguns dos maiores fundos de hedge do mundo em tamanho.
Larson opera a Cascade com um nível obsessivo de sigilo, indo ao extremo para ocultar as transações da empresa de modo que não possam ser facilmente rastreadas até os Gates. Em uma entrevista de 1999 para a revista Fortune, Larson disse que escolheu o nome “Cascade” porque era um nome que soava genérico no noroeste do Pacífico.
A estratégia de gestão de fortunas de Larson é baseada no investimento em valor - uma estratégia de longo prazo para encontrar ações sólidas e subvalorizadas. Essa abordagem é frequentemente associada a Warren Buffett, que é um amigo próximo de Gates. Larson foca na compra e manutenção de empresas físicas, em vez de ações de tecnologia de alto crescimento. (Gates escolhe seus investimentos em tecnologia e os mantém fora da Cascade.)
O futuro da filantropia dos Gates
Gates e Melinda têm desempenhado um papel tão grande na filantropia, que dúvidas em relação ao futuro da Fundação Gates surgiram imediatamente após a notícia do divórcio. A fundação direciona bilhões para 135 países para ajudar a combater a pobreza e as doenças. Em 2019, ela havia doado quase US$ 55 bilhões. (Em 2006, Buffett prometeu US$ 31 bilhões de sua fortuna para a Fundação Gates, aumentando muito a arrecadação de doações.)
Desde que deixou as operações diárias da Microsoft em 2008, Gates dedicou muito de seu tempo à fundação. Ele também dirige a Gates Ventures, uma firma que investe em empresas que trabalham contra as mudanças climáticas e outras questões. Ao longo das décadas, Gates trocou a imagem de um executivo de tecnologia implacável lutando contra o governo dos Estados Unidos no antitruste para ser visto como um benfeitor global. E ele parece estar bastante ciente do forte contraste entre a escala de sua riqueza e seu papel como filantropo. “Fui desproporcionalmente recompensado pelo trabalho que fiz - enquanto muitos outros que trabalham da mesma forma passam dificuldades para sobreviver”, reconheceu ele em uma postagem de blog de final de ano de 2019.
A Fundação Bill e Melinda Gates foi criada em 2000. Atualmente, os dois atuam como copresidentes, o que, segundo a Fundação, não mudará após o divórcio ser finalizado.
Mas, recentemente, Melinda tem divulgado mais o trabalho de sua outra empresa, a Pivotal Ventures, que se concentra na igualdade de gênero e no progresso social. Ainda não está claro a quantidade de recursos que estará à sua disposição quando o divórcio for concluído, mas ela provavelmente ainda terá enorme influência no mundo da filantropia.
“Não há explicação para como você chega a essa situação de privilégio”, Melinda disse ao New York Times no ano passado. “Não há simplesmente nenhuma.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA