Em um ano marcado pela redução de investimentos em startups, com fundos de capital de risco (Venture Capital) mais criteriosos na seleção de portfólio, grandes corporações aproveitam para ampliar o trabalho que fazem junto com as startups. Desde 2020, companhias tradicionais pisaram no acelerador para criar programas de investimento em empresas nascentes, chamados de Corporate Venture Capital (CVC).
Por serem investimentos ligados a grandes nomes, que precisam manter a posição de liderança de mercado ou evitar que novos atores surjam e roubem clientes, a quantidade de acordos de capital corporativo destinado a startups caiu menos do que os acordos entre fundos de VC e startups.
Segundo dados globais das consultorias Pitchbook e Galaxy Venture Capital, o número de acordos tanto entre startups e CVC quanto entre startups e capital e risco cresceu 42% cada um de 2020 para 2021. Porém, com as mudanças macroeconômicas, como inflação e alta de juros, levaram os segmentos a apresentar retração em 2022. Enquanto os acordos com fundos de venture capital caíram 25%, os acordos com CVC tiveram queda de apenas 2%.
Diversos nomes conhecidos do Brasil já têm programas de CVC - entre eles estão Albert Einstein, Itaú, Banco do Brasil, Santander, Marcopolo e Sinqia.
Pedro Bramont, diretor de negócios digitais do BB, conta que as startups que estão na mira são negócios ligados a finanças, cidades inteligentes, agronegócio e tecnologia para empresas. O investimento mais recente do BB Ventures, fundo gerido pela MSW Capital, foi de R$ 4 milhões na startup Payfy, que tem uma plataforma de soluções para empresas gerirem gastos corporativos.
Entre mais de 400 que foram avaliadas, o banco escolheu cinco companhias para receber aportes. Também estão no portfólio do BB Ventures as startups Paga Leve (finanças pessoais), Aprova Digital (automatização de processos para prefeituras), Yours Bank (conta familiar) e Bitfy (blockchain).
A empresa de tecnologia financeira Sinqia também mantém um programa de inovação com um fundo de CVC chamado Torq. A iniciativa é voltada a melhorar processos de instituições financeiras e, desde 2018, já investiu direta ou indiretamente em 150 startups. Só nos últimos dois anos, foram R$ 50 milhões investidos.
Leo Monte, diretor do Torq, conta que os investimentos foram, predominantemente, em startups em estágio inicial, mas o foco em startups em estágio avançado será maior neste ano. Monte diz ainda que o projeto deve evoluir para uma inovação aberta para o segmento financeiro do País.
Mas não só o segmento financeiro tem atraído investidores corporativos. O setor de saúde também está na mira. O Hospital Israelita Albert Einstein tem seu próprio programa de CVC para realizar aportes nas chamadas healthtechs e modernizar o atendimento médico.
Rodrigo Demarch, diretor executivo de inovação do Einstein, conta que a área de inovação do hospital já tem mais de dez anos e o fundo de investimento em startups foi estruturado em 2021 e já faz a gestão de cerca de 30 startups.
“A maioria das startups investidas são de saúde digital, cerca de 70%. Mas também temos investimentos em startups em dispositivos médicos e de biotecnologia. No plano de inovação do Einstein, vemos que biotecnologia é super importante para a instituição e para o País. Vimos o impacto da falta de insumos durante a pandemia de covid-19. Quando pensamos em medicina personalizada, a alta tecnologia, biotecnologia é essencial”, afirma.
No setor de telecomunicações, o investimento em inovação é condicional para a evolução dos negócios, diante da alta velocidade de surgimento de novas tecnologias. Por isso, a operadora Vivo, do Grupo Telefonica, trabalha junto a startups a cerca de dez anos, inicialmente com a aceleradora Wayra.
Desde 2018, a empresa passou a investir em startups, com foco em negócios em estágio inicial. A empresa tem hoje 26 startups no portfólio, mas, desde 2012, o número total chega a 85. O fundo Vivo Ventures em si, um FIP de R$ 320 milhões, só nasceu em 2022. Neste ano, esse programa de CVC da Vivo estima que fará mais 11 investimentos em startups.
“Não somos puramente investidores financeiros, somos corporativos. É preciso ter compatibilidade com o negócio. Ao fazer investimentos, avaliamos se a startup está adequada ao que a empresa quer fazer a médio ou curto prazo”, afirma Gabriela Morais Toribio, diretora-geral da Wayra Brasil e do Vivo Ventures. “As startups ganham e nós ganhamos porque elas podem nos ajudar a desenvolver o negócio e nós ajudamos a gerar receita para elas”, diz.
Os especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que as startups na mira de investidores corporativos em 2023 são aquelas que têm negócios de inteligência artificial (IA), blockchain, saúde, fintechs e logística. Há, ainda, percepção de que o mercado brasileiro de startups pode passar por um período de consolidação, do qual as grandes empresas podem se beneficiar.
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Importância do CVC
No País, um estudo da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) mostrou que 13 empresas que integram o índice Ibovespa fundaram programas de CVC em 2022, com orçamento de R$ 3 bilhões. Em 2021, foram oito.
“A empresa consciente da importância da inovação é como um forno de siderurgia: não pode deixar o fogo apagar. Muitas corporações com histórico de inovação têm mais clareza sobre a importância de investir para o futuro. Mas o CVC não pode limitar a startup apenas a uma empresa. Ela precisa ganhar impulso para voar sozinha”, diz Marcos Olmos, sócio e diretor de Venture Capital na Vox Capital. A Vox é a gestora que cuida dos programas de CVC do Hospital Israelita Albert Einstein e do Banco do Brasil.
Carlos Gamboa, sócio da Fisher Venture Builder
A pesquisa da ABVCAP mostra também que o boom de abertura de programas de CVC no Brasil começou em 2020, teve queda de quase 50% em 2021 e fez movimento de retomada do crescimento em 2022. Assim, a maioria, 72,8%, dos programas estão em fase inicial, 15,2% estão em fase de expansão e apenas 12% estão em estágio avançado. A alocação de capital para programas de CVC, na maioria dos casos (23,5%), é entre R$ 200 milhões e R$ 500 milhões. O estudo aponta ainda que os CEOs estão à frente dos programas em quatro a cada 10 empresas.
Carlos Gamboa, sócio da Fisher Venture Builder, diz que o desenvolvimento do mercado de CVC no Brasil e no mundo depende de uma mudança cultural que já está em curso. “Antes, as empresas não entendiam bem o papel do programa de CVC. As companhias tinham que escolher entre investir em uma fábrica ou em uma startup. A fábrica tem tamanho X enquanto a startup pode ter N vezes o valor do investimento. As empresas que têm programas de CVC entenderam que precisavam jogar o jogo do venture capital, seguindo a mesma cartilha. Isso trouxe maior número de investimentos nos últimos cinco anos”, afirma.
As corporações brasileiras têm predileção acima da média global por startups em estágio semente (ainda bastante pequenas), segundo a ABVCAP. Para semente, o número de empresas que dizem investir em startups nesse estágio chega a 72%, ante 53% da média global. Em rodadas de investimentos séries A e B o apetite no Brasil é um pouco menor do que o mundial, 88,2% ante 96%. O maior descolamento do País em relação ao mundo é em estágios mais avançados no desenvolvimento da startup, como o série C (11,8% ante 51%), e o série D (2,9% ante 24%).
Para Rodrigo Carneiro, cofundador da SMU Investimentos e da Carrera Capital, o mercado de Corporate Venture Capital ganhou impulso no País recentemente, após um grande crescimento nos investimentos de fundos nos últimos anos. A predileção por startups em estágio inicial, segundo Carneiro, reflete a preocupação das corporações com o futuro. “Os dados mostram que as empresas se preocupam mais na disrupção e em novos negócios e por isso elas investem mais em estágios iniciais de desenvolvimento de startups. Há uma percepção de que o CVC chega tarde na festa. Mas a melhor posição hoje é ter dinheiro para investir, e não estar investido”, afirma.
Já Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), diz que as corporações cada vez mais despertam para a importância de fomentar o empreendedorismo e ter uma participação em negócios de grande potencial. “As empresas viram a genialidade do funcionamento de uma startup bem financiada. Em vez de uma área de M&A muito ativa para fazer investimentos pontuais, ela cria um programa de investimento em startups que podem crescer muito rápido”, diz.
Na visão de André Bolonhini, sócio de varejo e digital na consultoria Bain & Company, o aumento de investimentos em startups nos últimos anos fez com que elas se tornassem ameaças para as empresas, que escolheram se unir a elas.
“A digitalização das cadeias fez surgir mais tecnologias que ameaçam os grandes negócios. A covid-19 acelerou isso em todos os setores de mercado. Passamos por um momento local e global de bastante capital de risco para investir em tecnologia, que fez aflorar muitas tecnologias que podem virar soluções reais. Isso fez as corporações buscarem as startups”, diz.