Ex-repúblicas soviéticas, Países Bálticos são hoje celeiro de startups


Após 50 anos de socialismo e economia baseada no agronegócio, bloco de nações formado por Estônia, Lituânia e Letônia aposta na tecnologia – e em especial, nas fintechs – para ganhar relevância global e reter talentos no próprio território

Por Renato Jakitas, de Vilnius (Lituânia) e Tallinn (Estônia)
Governo lituano subsidiou criação de espaços para startups na capital Vilnius; em novembro de 2019, país celebrou seu primeiro unicórnio Foto: Renato Jakitas/ Estadão

Com pouco mais de 5 milhões de pessoas, os Países Bálticos foram por décadas a fio conhecidos por suas fazendas de trigo, marcas de cervejas com nomes impronunciáveis e um frio de congelar os ossos. Hoje, na Lituânia, Letônia e Estônia – as três repúblicas que integram o minúsculo bloco regional – ainda se passa a maior parte do ano com o ponteiro abaixo de zero, preferencialmente com um copo de cerveja na mão. Mas da produção de trigo, que na Europa só perde em volume e valor para França e Romênia, quase não se ouve mais falar. A palavra de ordem por lá são as empresas de tecnologia, sonho de consumo dos jovens e foco das políticas públicas nos últimos dez anos.

“Nossos jovens só querem trabalhar num unicórnio (empresa avaliada em pelo menos US$ 1 bilhão) ou fundar a próxima startup de sucesso”, afirma Toomas Hendrik Ilves, que foi presidente da Estônia entre 2006 e 2016, um dos responsáveis pela guinada tecnológica da região. Com 1,3 milhão de habitantes, o país de Ilves tem o tamanho do Rio Grande do Norte e a população de Guarulhos, na Grande São Paulo. 

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Um pouco mais adiantada que os companheiros de região, a Estônia já possui 650 startups em atividade – uma para cada 2 mil pessoas. Quatro empresas já foram alçadas ao status de unicórnio. A mais conhecida delas é a TransferWise, avaliada em US$ 3,5 bilhões e com investidores como o fundo americano Andreessen Horowitz, que já investiu no Facebook e na brasileira Loft. Criada por um ex-funcionário do Skype, a empresa é um banco digital que opera um imbricado sistema de transferências internacionais – aqui no Brasil, já movimentou mais de R$ 6 bilhões entre fronteiras. 

Projeto liberal

Repúblicas soviéticas entre 1940 e 1990, os três países bálticos começaram sua reconstrução democrática bem na época em que o mundo estava se digitalizando. Após amargarem uma forte crise econômica em 2009, com queda de cerca de 15% em seu Produto Interno Bruto (PIB), o trio de nações resolveu abandonar seu modelo econômico baseado no agronegócio para apostar massivamente no setor de serviços – com destaque para a área de tecnologia. O principal desafio era deixar de ser uma região exportadora de talentos para passar a reter sua mão de obra e, se possível, atrair novas do exterior.

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O dinheiro público foi para a educação, que passou a ser gratuita até a universidade. Hoje, o gasto médio por aluno na região alcança R$ 30 mil por ano (US$ 7 mil ao ano), ante os R$ 10 mil aportados no Brasil em 2019, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Outro pilar foi um projeto radical de desburocratização do Estado. Aos poucos, os governos locais foram reduzindo impostos e a burocracia para abertura de empresas. 

“Hoje é possível abrir uma empresa em menos de uma semana por aqui”, diz Mantas Katinas, diretor-geral do Invest Lithuania, braço de fomento do empreendedorismo do governo local. “Precisamos ter um sistema ágil e moderno para atrair empresas de tecnologia, que definem seus movimentos de uma hora para outra”, destaca o empresário lituâno Sergejus Tichomirovas. 

“Com € 2 mil e em um mês, transferi minha empresa de Londres para Riga (capital da Letônia)”, conta Dmistry Rozvadovsky, da Coinloan, startup que trabalha com sistema de pagamentos. Na Estônia, o prazo de abertura de uma empresa é ainda menor: pode chegar a 15 minutos (ler mais abaixo). 

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Foco

Hoje, os esforços da região estão na atração de um nicho de empresas: as fintechs. Na capital lituana, o poder público subsidiou a criação do Blockchain Centre Vilnius, um prédio para abrigar empresas focadas em desenvolver soluções pelo blockchain – o protocolo por trás de criptomoedas como o bitcoin. 

Há dois anos, os governos dos três países flexibilizaram sua regulação, permitindo aos empreendedores que testem novas ideias dentro dos bancos centrais locais, transformando o sistema financeiro dos países em uma espécie de área de testes (sandbox, no jargão do setor) para novas empresas de meio de pagamento de todo o mundo. “Imediatamente, atraímos muitas empresas. Hoje, temos 170 fintechs e já somos o segundo destino da Europa para empresas desse nicho, atrás apenas da Inglaterra”, conta a empreendedora lituana Monika Rimkunaité, dona de um aplicativo de compras na região. 

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“Aqui é barato e rápido. Mas o mais importante é poder testar novas tecnologias dentro do banco central deles, é nisso que estamos interessados”, conta Daniel Quin, da unicórnio chinesa WeCash, que usa a região como espaço para testes no mercado europeu.  Os esforços já dão resultado: em novembro passado, a Lituânia conseguiu seu primeiro unicórnio no mercado global: a Vinted, uma plataforma de compra e venda de roupas usadas, recebeu um aporte de € 128 milhões e foi avaliada em € 1 milhão. Se depender do governo local, mais virão por aí – e a comemoração será com cerveja. De trigo, claro.

Governo lituano subsidiou criação de espaços para startups na capital Vilnius; em novembro de 2019, país celebrou seu primeiro unicórnio Foto: Renato Jakitas/ Estadão

Com pouco mais de 5 milhões de pessoas, os Países Bálticos foram por décadas a fio conhecidos por suas fazendas de trigo, marcas de cervejas com nomes impronunciáveis e um frio de congelar os ossos. Hoje, na Lituânia, Letônia e Estônia – as três repúblicas que integram o minúsculo bloco regional – ainda se passa a maior parte do ano com o ponteiro abaixo de zero, preferencialmente com um copo de cerveja na mão. Mas da produção de trigo, que na Europa só perde em volume e valor para França e Romênia, quase não se ouve mais falar. A palavra de ordem por lá são as empresas de tecnologia, sonho de consumo dos jovens e foco das políticas públicas nos últimos dez anos.

“Nossos jovens só querem trabalhar num unicórnio (empresa avaliada em pelo menos US$ 1 bilhão) ou fundar a próxima startup de sucesso”, afirma Toomas Hendrik Ilves, que foi presidente da Estônia entre 2006 e 2016, um dos responsáveis pela guinada tecnológica da região. Com 1,3 milhão de habitantes, o país de Ilves tem o tamanho do Rio Grande do Norte e a população de Guarulhos, na Grande São Paulo. 

Um pouco mais adiantada que os companheiros de região, a Estônia já possui 650 startups em atividade – uma para cada 2 mil pessoas. Quatro empresas já foram alçadas ao status de unicórnio. A mais conhecida delas é a TransferWise, avaliada em US$ 3,5 bilhões e com investidores como o fundo americano Andreessen Horowitz, que já investiu no Facebook e na brasileira Loft. Criada por um ex-funcionário do Skype, a empresa é um banco digital que opera um imbricado sistema de transferências internacionais – aqui no Brasil, já movimentou mais de R$ 6 bilhões entre fronteiras. 

Projeto liberal

Repúblicas soviéticas entre 1940 e 1990, os três países bálticos começaram sua reconstrução democrática bem na época em que o mundo estava se digitalizando. Após amargarem uma forte crise econômica em 2009, com queda de cerca de 15% em seu Produto Interno Bruto (PIB), o trio de nações resolveu abandonar seu modelo econômico baseado no agronegócio para apostar massivamente no setor de serviços – com destaque para a área de tecnologia. O principal desafio era deixar de ser uma região exportadora de talentos para passar a reter sua mão de obra e, se possível, atrair novas do exterior.

O dinheiro público foi para a educação, que passou a ser gratuita até a universidade. Hoje, o gasto médio por aluno na região alcança R$ 30 mil por ano (US$ 7 mil ao ano), ante os R$ 10 mil aportados no Brasil em 2019, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Outro pilar foi um projeto radical de desburocratização do Estado. Aos poucos, os governos locais foram reduzindo impostos e a burocracia para abertura de empresas. 

“Hoje é possível abrir uma empresa em menos de uma semana por aqui”, diz Mantas Katinas, diretor-geral do Invest Lithuania, braço de fomento do empreendedorismo do governo local. “Precisamos ter um sistema ágil e moderno para atrair empresas de tecnologia, que definem seus movimentos de uma hora para outra”, destaca o empresário lituâno Sergejus Tichomirovas. 

“Com € 2 mil e em um mês, transferi minha empresa de Londres para Riga (capital da Letônia)”, conta Dmistry Rozvadovsky, da Coinloan, startup que trabalha com sistema de pagamentos. Na Estônia, o prazo de abertura de uma empresa é ainda menor: pode chegar a 15 minutos (ler mais abaixo). 

Foco

Hoje, os esforços da região estão na atração de um nicho de empresas: as fintechs. Na capital lituana, o poder público subsidiou a criação do Blockchain Centre Vilnius, um prédio para abrigar empresas focadas em desenvolver soluções pelo blockchain – o protocolo por trás de criptomoedas como o bitcoin. 

Há dois anos, os governos dos três países flexibilizaram sua regulação, permitindo aos empreendedores que testem novas ideias dentro dos bancos centrais locais, transformando o sistema financeiro dos países em uma espécie de área de testes (sandbox, no jargão do setor) para novas empresas de meio de pagamento de todo o mundo. “Imediatamente, atraímos muitas empresas. Hoje, temos 170 fintechs e já somos o segundo destino da Europa para empresas desse nicho, atrás apenas da Inglaterra”, conta a empreendedora lituana Monika Rimkunaité, dona de um aplicativo de compras na região. 

“Aqui é barato e rápido. Mas o mais importante é poder testar novas tecnologias dentro do banco central deles, é nisso que estamos interessados”, conta Daniel Quin, da unicórnio chinesa WeCash, que usa a região como espaço para testes no mercado europeu.  Os esforços já dão resultado: em novembro passado, a Lituânia conseguiu seu primeiro unicórnio no mercado global: a Vinted, uma plataforma de compra e venda de roupas usadas, recebeu um aporte de € 128 milhões e foi avaliada em € 1 milhão. Se depender do governo local, mais virão por aí – e a comemoração será com cerveja. De trigo, claro.

Governo lituano subsidiou criação de espaços para startups na capital Vilnius; em novembro de 2019, país celebrou seu primeiro unicórnio Foto: Renato Jakitas/ Estadão

Com pouco mais de 5 milhões de pessoas, os Países Bálticos foram por décadas a fio conhecidos por suas fazendas de trigo, marcas de cervejas com nomes impronunciáveis e um frio de congelar os ossos. Hoje, na Lituânia, Letônia e Estônia – as três repúblicas que integram o minúsculo bloco regional – ainda se passa a maior parte do ano com o ponteiro abaixo de zero, preferencialmente com um copo de cerveja na mão. Mas da produção de trigo, que na Europa só perde em volume e valor para França e Romênia, quase não se ouve mais falar. A palavra de ordem por lá são as empresas de tecnologia, sonho de consumo dos jovens e foco das políticas públicas nos últimos dez anos.

“Nossos jovens só querem trabalhar num unicórnio (empresa avaliada em pelo menos US$ 1 bilhão) ou fundar a próxima startup de sucesso”, afirma Toomas Hendrik Ilves, que foi presidente da Estônia entre 2006 e 2016, um dos responsáveis pela guinada tecnológica da região. Com 1,3 milhão de habitantes, o país de Ilves tem o tamanho do Rio Grande do Norte e a população de Guarulhos, na Grande São Paulo. 

Um pouco mais adiantada que os companheiros de região, a Estônia já possui 650 startups em atividade – uma para cada 2 mil pessoas. Quatro empresas já foram alçadas ao status de unicórnio. A mais conhecida delas é a TransferWise, avaliada em US$ 3,5 bilhões e com investidores como o fundo americano Andreessen Horowitz, que já investiu no Facebook e na brasileira Loft. Criada por um ex-funcionário do Skype, a empresa é um banco digital que opera um imbricado sistema de transferências internacionais – aqui no Brasil, já movimentou mais de R$ 6 bilhões entre fronteiras. 

Projeto liberal

Repúblicas soviéticas entre 1940 e 1990, os três países bálticos começaram sua reconstrução democrática bem na época em que o mundo estava se digitalizando. Após amargarem uma forte crise econômica em 2009, com queda de cerca de 15% em seu Produto Interno Bruto (PIB), o trio de nações resolveu abandonar seu modelo econômico baseado no agronegócio para apostar massivamente no setor de serviços – com destaque para a área de tecnologia. O principal desafio era deixar de ser uma região exportadora de talentos para passar a reter sua mão de obra e, se possível, atrair novas do exterior.

O dinheiro público foi para a educação, que passou a ser gratuita até a universidade. Hoje, o gasto médio por aluno na região alcança R$ 30 mil por ano (US$ 7 mil ao ano), ante os R$ 10 mil aportados no Brasil em 2019, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Outro pilar foi um projeto radical de desburocratização do Estado. Aos poucos, os governos locais foram reduzindo impostos e a burocracia para abertura de empresas. 

“Hoje é possível abrir uma empresa em menos de uma semana por aqui”, diz Mantas Katinas, diretor-geral do Invest Lithuania, braço de fomento do empreendedorismo do governo local. “Precisamos ter um sistema ágil e moderno para atrair empresas de tecnologia, que definem seus movimentos de uma hora para outra”, destaca o empresário lituâno Sergejus Tichomirovas. 

“Com € 2 mil e em um mês, transferi minha empresa de Londres para Riga (capital da Letônia)”, conta Dmistry Rozvadovsky, da Coinloan, startup que trabalha com sistema de pagamentos. Na Estônia, o prazo de abertura de uma empresa é ainda menor: pode chegar a 15 minutos (ler mais abaixo). 

Foco

Hoje, os esforços da região estão na atração de um nicho de empresas: as fintechs. Na capital lituana, o poder público subsidiou a criação do Blockchain Centre Vilnius, um prédio para abrigar empresas focadas em desenvolver soluções pelo blockchain – o protocolo por trás de criptomoedas como o bitcoin. 

Há dois anos, os governos dos três países flexibilizaram sua regulação, permitindo aos empreendedores que testem novas ideias dentro dos bancos centrais locais, transformando o sistema financeiro dos países em uma espécie de área de testes (sandbox, no jargão do setor) para novas empresas de meio de pagamento de todo o mundo. “Imediatamente, atraímos muitas empresas. Hoje, temos 170 fintechs e já somos o segundo destino da Europa para empresas desse nicho, atrás apenas da Inglaterra”, conta a empreendedora lituana Monika Rimkunaité, dona de um aplicativo de compras na região. 

“Aqui é barato e rápido. Mas o mais importante é poder testar novas tecnologias dentro do banco central deles, é nisso que estamos interessados”, conta Daniel Quin, da unicórnio chinesa WeCash, que usa a região como espaço para testes no mercado europeu.  Os esforços já dão resultado: em novembro passado, a Lituânia conseguiu seu primeiro unicórnio no mercado global: a Vinted, uma plataforma de compra e venda de roupas usadas, recebeu um aporte de € 128 milhões e foi avaliada em € 1 milhão. Se depender do governo local, mais virão por aí – e a comemoração será com cerveja. De trigo, claro.

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