A recente entrevista da cofundadora do Nubank, Cristina Junqueira, para o programa Roda Viva rendeu muita repercussão no ecossistema de tecnologia. Sua resposta sobre ações pró-diversidade da empresa, dizendo que não poderia “nivelar por baixo” ao contratar pessoas de grupos minorizados, encheu as redes sociais. De um lado, uns apontavam para o racismo estrutural embutido na afirmação, reforçaria estigmas e preconceitos velados ao pressupor que as pessoas desse grupo seriam menos capazes que as demais. De outro, houve quem relativizasse a frase, dizendo que foi tirada do contexto ou até quem não visse ali motivo para tanta queixa.
O episódio trouxe para o debate uma discussão tão complexa quanto necessária, em especial para o ecossistema de tecnologia, formado majoritariamente por homens brancos. Segundo a Associação Brasileira de Startups, 51,6% das startups brasileiras não possuem sequem uma única pessoa negra no time. É um enorme contraste com a realidade do país, com mais de metade da população composta por negros e pardos, de acordo com o IBGE.
Como homem branco que sou, reconheço que estou aprendendo sobre a questão, mas entendo ser fundamental começar a conversa reconhecendo os próprios privilégios. Entendo que o cerne da problemática precisa começa por aqui.
Por sempre terem vivido na condição de privilegiados, boa parte dos brancos sequer se dá conta disso e muitos até negam o racismo, que dizem não enxergar. Quanto mais branco é o ambiente em que convivemos, mais difícil fica entender o problema, porque ele sequer aparece. Gostamos de pensar que alcançamos nosso lugar no mundo a partir do nosso próprio esforço, mas nos esquecemos que partimos de lugares muito diferentes. Reconhecer o próprio privilégio é desconfortável porque ele é o contrário à ideia de mérito. É uma vantagem dada, sem que se faça nada por isso.
O racismo estrutural tem esse nome justamente porque é parte da estrutura social, não se manifesta na atitude explícita de uma pessoa, mas no invisível funcionamento do sistema como um todo. Um bom exemplo está em um famoso estudo em que os economistas Bertrand e Mullainathan demonstraram que currículos cujo nome do candidato soava como de uma pessoa branca geravam 50% mais ligações para entrevistas que currículos idênticos, mas cujos nomes que soavam negros. Não se tratava de recrutadores sendo deliberadamente racistas, mas se utilizando de vieses inconscientes, que estão presentes o tempo todo no ambiente de trabalho.
Entendo que apesar de difícil, abrir espaço para esse diálogo é um passo importante no caminho de um ecossistema mais saudável e diverso e parabenizo o Nubank pela resposta, dada em carta assinada pelas co-fundadores, em que reconhecem o problema e se comprometem a fazer mais ações concretas na busca por maior diversidade ético racial na empresa. Essa não deve ser uma pauta exclusiva de grandes empresas como o Nubank e nem apenas de pessoas negras – ou de mulheres, LGBTs e outros grupos minorizados – mas de todos nós. Não apenas porque é a coisa certa a se fazer, mas porque também gera maior capacidade de inovação nas empresas e como consequência, melhores resultados financeiros, como já foi demonstrado por diversas pesquisas. Espero que esse caso gere um exemplo a ser seguido por mais empresas de tecnologia, contribuindo para a construção de um ecossistema de tecnologia e uma sociedade melhor.
ESPECIALISTA EM EMPREENDEDORISMO E TECNOLOGIA, JÁ APOIOU MAIS DE 10 MIL STARTUPS NO BRASIL E É SÓCIO DA 10K.DIGITAL