Frear desejos golpistas na internet impõe dilemas dificílimos


Problema do discurso antidemocrático em redes privadas, como o WhatsApp, é filosófico

Por Pedro Doria
Atualização:

Esta eleição, com a constante ameaça à democracia expressa pelo bolsonarismo, impõe dilemas dificílimos. Qual o limite do seu direito de falar bobagem no WhatsApp? A diligência da Polícia Federal, que entrou nas casas e escritórios de empresários bolsonaristas que defenderam um golpe de Estado, é um dilema destes. A PF obedeceu a um mandado de busca e apreensão emitido pelo ministro Alexandre de Moraes e se baseou nas conversas reveladas pelo jornalista Guilherme Amado, do site Metrópoles. Moraes, pelo que se sabe até agora, não tinha qualquer elemento novo além das conversas explicitamente golpistas.

Para estes homens, a escolha da sociedade brasileira é menos importante do que suas preferências. Porém, não há lei contra falta de caráter. Nem contra desejar um golpe. Há lei contra trabalhar por um golpe. É um problema filosófico.

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Uma das ideias revolucionárias de John Locke foi a da propriedade privada. Essa noção de que os soldados não podem invadir sua casa porque o rei desejou. A democracia liberal pela qual devemos lutar depende de um Estado de leis. Só indícios muito fortes de que leis foram quebradas pode justificar, aos soldados do rei, que entrem pela força na casa.

Luciano Hang, dono das lojas Havan, foi um dos empresários incluídos na investigação  Foto: Anderson Riedel/PR

Na sequência destas ideias está o exemplo que John Stuart Mill deu sobre o mercador de milho. Escrever um artigo desejando a morte do sujeito responsável pela alta do preço, pois ele leva gente pobre à fome, se enquadra na livre expressão do articulista. Desejar a morte do mesmo comerciante, perante sua casa e incitando uma turba já revoltada, é outra coisa. A ideia expressa pode ser a mesma. Mas num contexto encontrará leitores. No outro, ouvintes à beira de matar o homem. Os bilionários golpistas estavam falando bobagem no WhatsApp? Ou se preparando para financiar a ruptura da Constituição?

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É o ponto em que lançamos mão dos filósofos do século 20 – Karl Popper e John Rawls, com suas leituras do Paradoxo da Tolerância. Aquele momento em que uma democracia pode forçar a barra de suas regras para impedir que seus inimigos a derrubem.

Última ideia: Mark Tushnet e o Jogo Duro Constitucional. A letra da lei é formalmente seguida mas os princípios que a originaram, não. Bolsonaro é craque em trair o espírito da democracia sem formalmente cruzar a linha das leis. Legalmente, Moraes estava dentro de sua autoridade. Parece ter traído, porém, o espírito da Constituição. É por traição continuada de seu espírito que democracias morrem.

O dilema, pois. Quem ataca democracia espera que democratas lutem com um braço amarrado atrás. Deveriam?

Esta eleição, com a constante ameaça à democracia expressa pelo bolsonarismo, impõe dilemas dificílimos. Qual o limite do seu direito de falar bobagem no WhatsApp? A diligência da Polícia Federal, que entrou nas casas e escritórios de empresários bolsonaristas que defenderam um golpe de Estado, é um dilema destes. A PF obedeceu a um mandado de busca e apreensão emitido pelo ministro Alexandre de Moraes e se baseou nas conversas reveladas pelo jornalista Guilherme Amado, do site Metrópoles. Moraes, pelo que se sabe até agora, não tinha qualquer elemento novo além das conversas explicitamente golpistas.

Para estes homens, a escolha da sociedade brasileira é menos importante do que suas preferências. Porém, não há lei contra falta de caráter. Nem contra desejar um golpe. Há lei contra trabalhar por um golpe. É um problema filosófico.

Uma das ideias revolucionárias de John Locke foi a da propriedade privada. Essa noção de que os soldados não podem invadir sua casa porque o rei desejou. A democracia liberal pela qual devemos lutar depende de um Estado de leis. Só indícios muito fortes de que leis foram quebradas pode justificar, aos soldados do rei, que entrem pela força na casa.

Luciano Hang, dono das lojas Havan, foi um dos empresários incluídos na investigação  Foto: Anderson Riedel/PR

Na sequência destas ideias está o exemplo que John Stuart Mill deu sobre o mercador de milho. Escrever um artigo desejando a morte do sujeito responsável pela alta do preço, pois ele leva gente pobre à fome, se enquadra na livre expressão do articulista. Desejar a morte do mesmo comerciante, perante sua casa e incitando uma turba já revoltada, é outra coisa. A ideia expressa pode ser a mesma. Mas num contexto encontrará leitores. No outro, ouvintes à beira de matar o homem. Os bilionários golpistas estavam falando bobagem no WhatsApp? Ou se preparando para financiar a ruptura da Constituição?

É o ponto em que lançamos mão dos filósofos do século 20 – Karl Popper e John Rawls, com suas leituras do Paradoxo da Tolerância. Aquele momento em que uma democracia pode forçar a barra de suas regras para impedir que seus inimigos a derrubem.

Última ideia: Mark Tushnet e o Jogo Duro Constitucional. A letra da lei é formalmente seguida mas os princípios que a originaram, não. Bolsonaro é craque em trair o espírito da democracia sem formalmente cruzar a linha das leis. Legalmente, Moraes estava dentro de sua autoridade. Parece ter traído, porém, o espírito da Constituição. É por traição continuada de seu espírito que democracias morrem.

O dilema, pois. Quem ataca democracia espera que democratas lutem com um braço amarrado atrás. Deveriam?

Esta eleição, com a constante ameaça à democracia expressa pelo bolsonarismo, impõe dilemas dificílimos. Qual o limite do seu direito de falar bobagem no WhatsApp? A diligência da Polícia Federal, que entrou nas casas e escritórios de empresários bolsonaristas que defenderam um golpe de Estado, é um dilema destes. A PF obedeceu a um mandado de busca e apreensão emitido pelo ministro Alexandre de Moraes e se baseou nas conversas reveladas pelo jornalista Guilherme Amado, do site Metrópoles. Moraes, pelo que se sabe até agora, não tinha qualquer elemento novo além das conversas explicitamente golpistas.

Para estes homens, a escolha da sociedade brasileira é menos importante do que suas preferências. Porém, não há lei contra falta de caráter. Nem contra desejar um golpe. Há lei contra trabalhar por um golpe. É um problema filosófico.

Uma das ideias revolucionárias de John Locke foi a da propriedade privada. Essa noção de que os soldados não podem invadir sua casa porque o rei desejou. A democracia liberal pela qual devemos lutar depende de um Estado de leis. Só indícios muito fortes de que leis foram quebradas pode justificar, aos soldados do rei, que entrem pela força na casa.

Luciano Hang, dono das lojas Havan, foi um dos empresários incluídos na investigação  Foto: Anderson Riedel/PR

Na sequência destas ideias está o exemplo que John Stuart Mill deu sobre o mercador de milho. Escrever um artigo desejando a morte do sujeito responsável pela alta do preço, pois ele leva gente pobre à fome, se enquadra na livre expressão do articulista. Desejar a morte do mesmo comerciante, perante sua casa e incitando uma turba já revoltada, é outra coisa. A ideia expressa pode ser a mesma. Mas num contexto encontrará leitores. No outro, ouvintes à beira de matar o homem. Os bilionários golpistas estavam falando bobagem no WhatsApp? Ou se preparando para financiar a ruptura da Constituição?

É o ponto em que lançamos mão dos filósofos do século 20 – Karl Popper e John Rawls, com suas leituras do Paradoxo da Tolerância. Aquele momento em que uma democracia pode forçar a barra de suas regras para impedir que seus inimigos a derrubem.

Última ideia: Mark Tushnet e o Jogo Duro Constitucional. A letra da lei é formalmente seguida mas os princípios que a originaram, não. Bolsonaro é craque em trair o espírito da democracia sem formalmente cruzar a linha das leis. Legalmente, Moraes estava dentro de sua autoridade. Parece ter traído, porém, o espírito da Constituição. É por traição continuada de seu espírito que democracias morrem.

O dilema, pois. Quem ataca democracia espera que democratas lutem com um braço amarrado atrás. Deveriam?

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