ENVIADO ESPECIAL A BARCELONA — Em meio ao sucesso do ChatGPT, fabricantes de celulares e computadores apressam-se para turbinar seus aparelhos eletrônicos e torná-los prontos para serem capazes de rodar os poderosos modelos de inteligência artificial (IA) nos dispositivos, levando mais velocidade e menor consumo de bateria. Nessa corrida, ninguém quer ficar para trás — e a Nvidia, símbolo dessa corrida, está à espreita de tomar tudo.
Esse foi um dos grandes temas da Mobile World Congress (MWC) 2024, tradicional feira de telecomunicações e telefonia móvel que acontece em Barcelona, na Espanha. Se na última década o evento apostava alto em recursos como saltos nas lentes das câmeras e novos formatos de telas em celulares, a conferência deste ano entrou com força na onda da IA.
O foco é aplicar na prática o que o mercado de tecnologia chama de On-device Ai, ou inteligência artificial no dispositivo. Trata-se de tornar os processadores dos dispositivos capazes de rodar modelos de IA com mais eficiência energética, privacidade e sem exigir a conexão à internet para funcionar. Isso porque o processamento das informações não passa pela nuvem, mas sim é feito totalmente no aparelho. É como o se o ChatGPT, desenvolvido pela startup OpenAI, “nascesse” integrado ao celular ou ao computador.
O conceito de AI on device é turbinado pelo foco nas NPUs (unidades de processamento neurais). Esse tipo de tecnologia é capaz de tornar o processamento de informações de IA mais eficiente e existem há anos no mercado de dispositivos eletrônicos, junto com as CPUs (de processamento central) e GPU (de processamento gráfico). Mas a euforia com a inteligência artificial aumentou a demanda por esse tipo de solução nos aparelhos.
Além disso, o domínio da Nvidia sobre o mercado de chips para a IA (que chega a mais de 70%) pode assustar outras fabricantes. A companhia, antes mais conhecida pelas GPUs para games, tornou-se essencial para a indústria da inteligência artificial, já que os processadores fabricados pela empresa são usados para treinar os modelos amplos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês) e outros tipos de inteligência artificial.
Leia mais
Revolução nos PCs
A fabricante americana Intel, conhecida por dominar o mercado de chips para computadores, aposta alto nessa nova onda. Nos últimos meses, a companhia vem se dedicando ao que chama de “a era da IA no PC”.
O resultado é uma série de processadores Intel Core Ultra e plataformas recém-lançados para inserir a inteligência artificial em desktops e laptops, por exemplo. Para surfar ainda melhor, a empresa afina o trabalho de décadas que tem com a Microsoft, pioneira na integração com a IA graças à parceria feita com a OpenAI.
David Feng, executivo da Intel
O resultado é impressionante. Os computadores exibidos pela Intel na MWC 2024 não só estão naturalmente mais rápidos, mas rodam com muito mais facilidades os recursos de geração de imagens, transcrição de vídeos e conversa com chatbot, entre outros. É um avanço e tanto em relação ao desempenho de computadores de dois anos atrás.
“Essa é a maior revolução na indústria de PCs em 40 anos”, afirma David Feng, vice-presidente de computação para clientes na Intel. “E não é todo ano que podemos nos dar ao luxo de dizer isso.”
Leia mais
IA no seu celular vem aí
As fabricantes de chips para celulares estão atentas também, é claro.
Na segunda-feira 25, a Qualcomm anunciou uma plataforma para ajudar desenvolvedores a criar produtos e serviços de inteligência artificial diretamente sobre os chips da fabricante americana. Isso é turbinado pelo processador Snapdragon 8 Series Gen 3 (dedicado para celulares Android) e pelo chip Snapdragon X Elite (para PCs).
O resultado disso pôde ser visto no stand da Qualcomm durante a MWC 2024. Um notebook com o Snapdragon X Elite conseguia rodar um chatbot inteligente sem acessar a internet, de forma mais rápida do que o ChatGPT, por exemplo. Além disso, celulares da marca chinesa Xiaomi equipados com o Snapdragon 8 Gen 3 conseguiam gerar edições de imagens rapidamente.
A rival MediaTek, de Taiwan, apresentava novidades similares. Em celulares da chinesa Oppo, por exemplo, os processadores Dimensity 9300 da marca conseguiam “apagar” objetos e pessoas inteiras de imagens. Já os smartphones da marca chinesa Vivo, equipados com o mesmo chip, podiam animar retratos de pessoas e animais — tudo graças a integração com IA. Futuros lançamentos deve receber um sumário de textos (em parceria com o modelo de linguagem Llama 2, da Meta) e de geração de imagens e vídeos (em parceria com o Stable Diffusion XL Turbo).
Dona do iPhone e fabricante dos próprios chips, a Apple ainda não se manifestou sobre a chegada da “AI on device”. Mas a expectativa é que a companhia anuncie diversas novidades neste campo em 2024, tornando o smartphone da marca mais capaz de performar as atividades de IA.
Nabila Popal, analista da IDC
Cresce o mercado de celulares com IA
Esse é um mercado em ascensão, mas cuja categoria nasceu nasceu na segunda metade de 2023, após o boom dos modelos amplos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês), dos quais ChatGPT, DALL-E 2, Midjourney e Stable Diffusion fazem parte.
A firma de pesquisa Counterpoint Research, especializa na indústria de telefonia móvel, é bastante otimista sobre esse nicho. Mais de 522 milhões de smartphones com IA devem ser vendidos até 2027, salto em relação aos 47 milhões de 2023. Empresas com Samsung, Qualcomm e MediaTek devem ser as líderes, diz a consultoria.
Para este ano, a IDC afirma que cerca de 170 milhões de celulares com IA no dispositivo devem ser vendidos em 2024, mais que o triplo em relação aos 51 milhões de unidades do volume de 2023. O número representa 15% do total do mercado de smartphones.
A firma espera que o mercado de PCs com IA também decole, mas em ritmo inferior: 167 milhões de unidades vão ser vendidas até o fim de 2027, projeta.
“Enquanto a IA como tecnologia vai impactar todos os lados do mercado de dispositivos, smartphones devem ser os aparelhos que vão levar a revolução da IA para cada casa”, diz a analista Nabila Popal, da IDC.
*Repórter viajou a convite da Intel