Nesta terça-feira, 4, foram anunciados os vencedores do Prêmio Nobel de Física de 2022, que teve a mecânica quântica como estrela nas pesquisas da área. Os cientistas Alain Aspect, da França, o americano John F. Clauser e o austríaco Anton Zeilinger foram responsáveis por descobertas que podem ajudar na construção dos supercomputadores do futuro, que utilizam princípios da física quântica para o seu funcionamento — a área é conhecida como computação quântica.
O estudo laureado com o Nobel tem relação direta com um conceito chamado entrelaçamento quântico (ou emaranhamento quântico), que permite encurtar a forma que a circulação de dados entre computadores quânticos pode ocorrer. Ao utilizar o entrelaçamento, os chips quânticos alcançam uma conexão estável de forma que, durante esses momentos, sempre estarão ligados uns aos outros, não importando a que distância estejam separados.
“O que se descobriu é que o emaranhamento não é apenas uma propriedade da física quântica, mas é um recurso físico que se pode usar para, de fato, fazer coisas”, afirma Fernando Brandão, professor professor da Divisão de Teoria Física, Física, Matemática e Astronomia do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). “É um experimento muito importante do ponto de vista da física fundamental e dos fundamentos da física”.
Leia também
Isso significa que a informação contida em uma partícula pode ser levada de forma instantânea a outra, como se elas fossem a mesma partícula. Essa transmissão de informações no entrelaçamento é chamada de teletransporte quântico.
“Essas correlações não podem ser descritas matematicamente da mesma forma que descrevemos as correlações que aparecem em sistemas clássicos e, por isso, elas geram novos fenômenos que parecem contra-intuitivos para nós que estamos acostumados a interagir diretamente apenas com sistemas clássicos. Por outro lado, permitem o desenvolvimento de novas tecnologias. Por esse motivo o emaranhamento é visto como um recurso valioso em informação e computação quânticas”, explica Bárbara Amaral, pesquisadora de informação quântica do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, ao Estadão.
Na computação clássica os bits (menores unidades de informação) funcionam de forma binária e são representados por 0 ou 1. Já na computação clássica, os bits quânticos (ou qubits) podem assumir inúmeros estados entre 0 e 1, num fenômeno chamado superposição.
Esse comportamento aumenta exponencialmente a quantidade de informação que pode ser processada ao mesmo tempo. Enquanto um par de bits tradicionais expressa um tipo de informação de cada vez, dois bits quânticos podem expressar (ou seja, ter) quatro estados ao mesmo tempo. Estima-se que 300 qubits expressem um número de estados maior do que o número de átomos do universo.
Bárbara Amaral, pesquisadora de informação quântica do Instituto de Física da Universidade de São Paulo
“Testar essas desigualdades experimentalmente é difícil. Para derivá-las é preciso assumir várias condições que são difíceis de garantir em um cenário real”, explica Barbara. “O trabalho de Clauser foi importante por encontrar uma desigualdade bem simples, a mais simples possível, e em seguida seu trabalho e o de Aspect foram pioneiros em tentar demonstrar a violação dessa desigualdade experimentalmente”, diz ela sobre o trabalho dos premiados desta terça.
O grande problema enfrentado na área é que os qubits são muito instáveis, o que resulta em pequenos momentos de “alinhamento” desses pontos. Como o entrelaçamento só ocorre quando existe a superposição, as janelas de transmissão de informações também são curtas. Esse é o desafio dos cientistas que trabalham na tecnologia.
Em testes realizados em 2017, a Universidade de Bristol conseguiu fazer esse teletransporte entre partículas pela primeira vez em laboratório. Na Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, uma equipe de físicos também já testou com sucesso o “teletransporte quântico” para enviar dados de máquinas quânticas a três lugares físicos.
Máquinas do futuro para problemas do futuro
Estima-se que sejam necessários entre 100 mil e 1 milhão de qubits para ter uma máquina com aplicações práticas. Porém, o caminho para desenvolver chips com milhares de qubits é complexo: a máquina mais famosa do tipo, o chip Sycamore do Google, tinha apenas 53 qubits.
A importância de descobertas nesse campo é desenvolver máquinas capazes de processar informações que hoje são impossíveis de serem feitas pelos nossos computadores. Isso pode beneficiar a indústria e a pesquisa de medicamentos, doenças, monitoramento de clima e meio ambiente, segurança cibernética e sistemas financeiros.
Em 2019, uma pesquisa do Google com chips quânticos resolveu em 2 minutos um problema matemático que levaria 10 mil anos para ser solucionado em uma máquina clássica. Ainda há, porém, um longo caminho para que essas máquinas tenham aplicação na vida real. Os estudos premiados com o Nobel nesta terça permitem, portanto, que esses supercomputadores se comuniquem — é um caminho para uma espécie de “internet do futuro”.
“Pelas dificuldades experimentais, nem todas as condições exigidas para que as desigualdades sejam derivadas são satisfeitas no experimento. Esses problemas são conhecidos como ‘loopholes’. Para uma prova definitiva da violação quântica da desigualdade, era necessário um experimento sem ‘loopholes’. Isso aconteceu em 2015, com os experimentos do grupo de Zellinger e também de um grupo na Holanda”, explica Barbara.
Os cientistas dividirão o prêmio, que totaliza 10 milhões de coroas suecas (ou cerca de R$ 4,8 milhões). O anúncio do prêmio de Física segue o de Medicina, divulgado nesta segunda-feira, 3, que foi para o sueco Svante Pääbo por seus estudos sobre a evolução humana. Nos próximos dias, serão anunciados os prêmios de Química, Literatura, Paz e Economia.