MOUNTAIN VIEW - O Projeto Starline, revelado pelo Google em 2021 e que prevê chamadas de vídeos super realistas, pode estar próximo de chegar ao mercado. E, mesmo que o auge das reuniões virtuais tenha ficado na pandemia, o equipamento ainda pode mudar a forma como essas conferências são feitas: com imagens em 3D, quase holográficas, as pessoas aparecem em tamanho real. O Estadão esteve em Mountain View, EUA, na sede da gigante, e testou o equipamento que promete mudar a forma da comunicação.
Anunciado durante a pandemia como a próxima grande inovação da tecnologia de videochamadas, o Projeto Starline é uma cabine para videochamadas capaz de transmitir imagens 3D super realistas de cada participante - a ideia dela é simular a sensação de presença de conversas cara a cara.
Após três anos de muito mistério, período no qual apenas poucas pessoas da companhia tinham acesso ao equipamento, o Projeto Starline deve ganhar data para chegar ao mercado. O Google fechou uma parceria com a fabricante de eletrônicos HP para produzir o equipamento, focado no uso corporativo. De acordo com a empresa, os produtos poderão ser comercializados já no ano que vem.
A utilização do aparelho, porém, deve ficar restrita a reuniões individuais, já que a tecnologia só consegue comportar uma pessoa de cada lado da tela - as câmeras de leitura e posicionamento ainda ficam confusas caso mais de uma pessoa esteja no campo de visão do equipamento.
Como funciona
Uma dezena de câmeras e sensores escondidos pela tela de exibição capturam imagens da pessoa em múltiplos ângulos, para identificar suas formas exatas e criar um modelo 3D em tempo real - é quase como a holografia imaginada por incontáveis filmes de ficção científica.
Segundo a empresa, a tecnologia “alcança essa sensação de presença usando avanços em IA, imagens 3D e outras tecnologias. Nosso visor de campo de luz cria uma sensação de volume e profundidade”.
Do outro lado da tela, o display projeta uma imagem processada a partir do conjunto de capturas e luz, exibindo uma representação 3D diretamente no monitor, sem a ajuda de outros artifícios.
Tantos pontos de dados podem gerar a ideia de que o equipamento precisa de uma conexão de internet ultra avançada, mas o Google diz que isso não é necessário. De acordo com a empresa, o Starline pode funcionar até mesmo com uma rede Wi-Fi de hotel.
Meio termo entre real e holografia
Em uma primeira impressão, o equipamento todo parece simples: dentro de uma sala, uma tela grande, como a de uma TV, tem câmeras na parte superior e nas partes laterais do display que são acopladas em caixas de som. Uma visão mais próxima do display revela um espaço entre a tela e uma espécie de parapeito de janela - um artifício usado para ajudar na impressão de que há uma pessoa de “carne e osso” na sua frente.
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Nada além disso é necessário. Ou seja: não usei fones de ouvido, óculos de realidade virtual ou qualquer outro equipamento. Os testes duraram cerca de cinco minutos e não puderam ser gravados.
Ao iniciar a conversa, a imagem que aparece no monitor impressiona - e é um meio termo entre uma pessoa real e uma holografia. Logo que Mohamed Abdelgany, engenheiro da equipe de desenvolvimento do Starline no Google, apareceu do outro lado da tela, fui impactada pelo tamanho real da imagem e pela textura dos tecidos das roupas.
Em seguida, pedi para que ele se movimentasse na frente da tela, para observar como as câmeras poderiam captar os relevos da imagem em tempo real - altura dos ombros, largura do braço e detalhes da camiseta, por exemplo.
Aqui, a ideia era entender como a imagem poderia se comportar com o movimento - e se seria possível ver as “falhas na matriz” que o Google Meet apresenta quando adicionamos um fundo artificial na chamada (e a imagem automaticamente corta parte do seu cabelo ou confunde seu fone de ouvido com a paisagem colocada no fundo).
Mesmo com a minha tentativa de enganar o sistema, as câmeras e os sensores foram capazes de me mostrar uma imagem em 3D em movimento, sem falhas ou atrasos na formação do vídeo, além de ter um nível alto de detalhes. Em seguida, Abdelgany me ofereceu uma maçã, esticando o braço - a maçã, claro, do meu lado da tela, era só uma representação, mas ainda assim estiquei o braço para tentar alcançar a fruta.
Outra percepção bastante notável é a forma como é possível fazer contato visual com quem está do outro lado da tela. Por conta dos sensores, não é preciso olhar para uma câmera em específico, apenas para a pessoa com quem se está conversando. Um conjunto de ferramentas de processamento com IA faz a junção das capturas e é possível olhar diretamente nos olhos de quem está na tela.
No final, uma despedida com um soquinho na mão, como a gente fazia na pandemia, deixou a impressão de que, de fato, seria possível fazer contato.
Nem tudo, porém, ainda funciona de forma a tornar a experiência 100% real. Apesar do aspecto genuíno da interação, a impressão é a de que fazer uma longa chamada com o Starline pode ser algo cansativo por conta do processo de adaptação da visão para “entender” a imagem. O vídeo 3D tenta enganar o seu cérebro e exige certo esforço de visão.
Além disso, não ficou claro se, com a parceria com a HP, o Starline vai ser desenvolvido para comportar mais pessoas na cabine ou se as conversas continuarão individuais.
Apesar dessas possíveis limitações, fica a sensação de que a imagem é real o suficiente para nos fazer acreditar que, de fato, há uma pessoa no mesmo ambiente (mesmo que ela tenha um aspecto fantasmagórico, quase como acontece no filme “Ghost”). Apesar de ficar óbvio que a chamada ainda é virtual, algumas melhorias de som e cores podem fazer com que a tecnologia ofereça uma experiência que transcende aquilo que conhecemos como videochamada atualmente.
*Repórter viajou à convite do Google