O mercado de tecnologia acompanha nesta sexta-feira, 2, a chegada de um novo produto às prateleiras dos Estados Unidos: os óculos Vision Pro, da Apple. Revelados pela empresa em junho do ano passado, o dispositivo é vendido a US$ 3,5 mil (equivalente a R$ 17,5 mil no câmbio atual), com a promessa de abrir uma nova onda de inovação.
O Vision Pro foi desenvolvido desde 2016 na Apple, que incumbiu o executivo Mike Rockwell com a tarefa de liderar um time de milhares de engenheiros na criação de uma nova categoria de eletrônicos. Cerca de oito anos depois, os óculos chegam com o objetivo ambicioso de misturar conteúdos digitais com o ambiente físico, permitindo novas formas de interação com filmes, fotografias, videochamadas e até navegação na web. A Apple batizou esse tipo de tecnologia de computação espacial — que é uma pequena mistura de realidade virtual, realidade aumentada e metaverso.
O Vision Pro vai permitir que usuários interajam com os conteúdos digitais tridimensionais por comandos de voz, por rastreamento ocular e por acompanhamento dos gestos das mãos. Essa é uma mudança grande em relação aos computadores e celulares, que exigem movimentos do mouse e dedos com a interface bidimensional de uma tela.
“O Vision Pro é uma tela infinita que transforma a maneira como você usa os aplicativos que adora”, diz a Apple na divulgação do produto, em seu site. “A interface tridimensional libera os aplicativos dos limites de uma tela para que possam aparecer lado a lado em qualquer escala, proporcionando o melhor espaço de trabalho e criando uma tela infinita para multitarefa e colaboração.”
Para que serve o Vision Pro, da Apple?
A Apple afirma que os novos óculos Vision Pro servem para uma série de atividades, especialmente nas áreas do entretenimento e comunicações. É uma mistura de realidade virtual (com imersão total) com aumentada (com interação com o mundo real).
Entre os exemplos citados pela companhia, é possível assistir a filmes e séries de televisão com os óculos — e a graça aqui é que a projeção da tela pode ser expandida em qualquer tamanho, ao contrário dos limites físicos de smartphones e computadores.
Kevin Roose, repórter do 'New York Times'
Jogos também são uma possibilidade, e a Apple cita que o jogo Fruit Ninja, um dos clássicos do iPhone, estará disponível “de forma espacial” para usuários no dispositivo.
Videochamadas e navegação na web também estão entre as utilidades do Vision Pro, mas com o aspecto de interface tridimensional característico dos óculos. Será possível posicionar lado a lado cada janela, e o usuário poderá mover a cabeça para alternar entre um aplicativo e outro, por exemplo.
A imprensa especializada tem apontado uma novidade específica do Vision Pro: memórias “tridimensionais”. Graças às câmeras e escâneres dos óculos, é possível clicar aquilo que a Apple chama de “fotografias e vídeos espaciais”, que têm sido elogiados pela realidade das cenas exibidas. Nessa área, pais e mães devem se deleitar, segundo o jornalista Kevin Roose, do New York Times: “As imagens espaciais me tocaram no fundo, e imagino que outros pais obcecados por câmeras quase conseguirão justificar o alto preço do Vision Pro apenas pelo potencial desses filmes caseiros”, diz. “Fiquei com um nó na garganta ao pensar em assistir novamente aos primeiros passos do meu filho dessa forma daqui a alguns anos.”
Outro uso possível está na prática de meditação, possibilitando imersão total no exercício de relaxamento e foco. Nessa pegada, a Apple criou o que chama de Ambientes, uma seleção de paisagens naturais que o usuário pode colocar como “fundo” do ambiente virtual.
Apesar de todos esses usos, algumas companhias anunciaram que não devem criar apps próprios para o Vision Pro a tempo da estreia do produto. Entre elas, estão a Netflix, o Spotify e o YouTube — três principais nomes do entretenimento.
Ainda assim, a Apple afirma que mais de 600 aplicativos estão disponíveis para os óculos. Abaixo, veja a lista de alguns dos principais apps que estão disponíveis na estreia do Vision Pro:
- Apple TV+ (entretenimento);
- Disney+ (entretenimento);
- Max (entretenimento);
- Super Fruit Ninja (games);
- What the Golf? (games);
- Sonic Dream Team (games);
- NBA 2K24 Arcade Edition (games);
- Fantastical (produtividade);
- Freeform (produtividade);
- JigSpace (produtividade);
- Microsoft 365 (produtividade);
- Slack (produtividade);
- Zoom (produtividade);
Desafios
Para dar conta dessas tarefas, a Apple inseriu tecnologias de ponta já disponíveis em outros dispositivos da marca americana, bem como algumas novidades.
A tela microLED do dispositivo contém 23 milhões de pixels, taxa de atualização a até 100 Hz e resolução de aproximadamente 4K por olho. Há também 12 câmeras embutidas nos óculos, com intuito de registrar o mundo externo, rastrear os olhos do usuário e clicar fotos espaciais. Sensores como microfones, acelerômetros também estão inclusos. A bateria dura 2 horas fora da tomada, diz a Apple.
Por fim, o aparelho traz dois chips: o M2 (também presente em modelos mais novos da linha de computadores Mac) e o R1, o primeiro processador da Apple dedicado a transmitir as informações de todos os sensores para os óculos em tempo real — cerca de 12 milissegundos, oito vezes mais rápido que um piscar de olhos, diz a empresa. A autenticação biométrica é por íris, outra inovação criada pela Apple.
Por conta disso tudo, o Vision Pro é um produto muito caro — mesmo para o histórico da Apple, conhecida por cobrar valores acima da média do mercado de tecnologia. Nos Estados Unidos, o dispositivo começa a ser vendido por US$ 3,5 mil (algo como R$ 17 mil com o câmbio do País) e, na configuração com maior memória e processamento, pode chegar a US$ 4,5 mil (aproximadamente R$ 25 mil).
A título de comparação, o rival mais próximo do Vision Pro é o Quest 3, da Meta (empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp e que tem investido bilhões de dólares em realidades virtual e aumentada). Os óculos da rival são vendidos a US$ 500 e não trazem tecnologia não tão avançada quanto o produto da Apple.
“Tanto pelo preço quanto pelo posicionamento como sendo ‘Pro’, esse é um dispositivo de nicho, e não de massificação”, aponta Bruno Pedroza, diretor de engenharia da produtora Broders, especializada em realidades virtual e aumentada, e também membro da Associação Brasileira de X-Reality (XRBR). “Ainda estamos a uns bons anos de massificar a computação espacial. Talvez na próxima década.”
Ainda assim, Pedroza aponta que o Vision Pro traz avanços na área de computação espacial, com um sistema operacional próprio criado pela Apple e uma loja de aplicativos — o visionOS. E ele elogia a proposta de interação tripla (por voz, gestos de mão e acompanhamento ocular), que é “um dos pontos mais interessantes” do aparelho, diz. “Existe muito potencial. Mas esse não deve ser um dispositivo que vai transformar a indústria a ponto de massificação, mas sim em termos de avanços tecnológicos”, aponta ele.
Bruno Pedroza, diretor de engenharia da produtora Broders
O professor Eduardo Pellanda, da PUC-RS, concorda: o Vision Pro não é o novo iPhone, cujo conceito de celular inteligente rapidamente ganhou popularidade no mundo a partir de 2008. Na verdade, a estratégia está mais parecida com a do Apple Watch, o relógio inteligente revelado em 2014 como um acessório de moda, mas que, anos depois, conquistou o público como um dispositivo de saúde. A Apple só não sabe ainda em qual nicho os novos óculos vão se acomodar.
“A Apple está entendendo como esse mercado de computação espacial vai se comportar e que tipos de usos vão adotar os consumidores”, explica Pellanda. Segundo ele, além dos problemas de produção na cadeia de suprimentos, esse talvez seja o motivo pelo qual a empresa começa o lançamento somente pelos Estados Unidos, sem incluir outros países. “A expansão deve ser devagar”, diz o professor.
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Pré-venda do Vision Pro surpreende analistas
Ainda com esses desafios de preço e proposta de valor nichada, a pré-venda do Vision Pro tem superado as expectativas do mercado financeiro.
No primeiro final de semana de pré-venda, o analista Kuo Ming-Chi, conhecido por antecipar informações da cadeia de suprimentos da Apple, afirma que a companhia vendeu 180 mil unidades, com meta de 500 mil até o fim deste ano. Segundo ele, isso “não deve ser difícil”, mas entender a demanda é essencial para o dispositivo, já que “é ainda um produto muito nichado”, escreveu a investidores.
Mais otimista, o analista Daniel Ives, da consultoria WedBush, afirma que reavaliou sua previsão de vendas para o Vision Pro, de 460 mil unidades vendidas neste ano para mais de 600 mil. Em 2025, o número pode chegar a um milhão de aparelhos vendidos.
“Isso é apenas o começo para esse novo formato, com nossas checagens mostrando que a próxima versão do Vision Pro 2 terá preços muito mais baixos, na faixa de menos de US$ 2 mil. E podem ser lançados dois ou três modelos”, escreveu Ives em relatório a investidores.