Um jogo que parece uma sucessão de planilhas de Excel: nomes de jogadores, características e salários, confrontos entre times de quatro divisões, a escalação de um clube para escolher o batedor de um pênalti. À primeira vista, Elifoot parece ser um jogo nada emocionante – de vez em quando, o silêncio é quebrado apenas por apito, indicando um gol. No entanto, para quem cresceu entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 2000, o game que coloca o jogador no papel de ser um técnico de futebol marcou época e chega agora à marca de seu 30º aniversário.
“O Elifoot nasceu de um jogo que eu fiz apenas para me divertir”, conta o designer de games André Elias, responsável pelo jogo desde sua primeira edição. Lançado em 1987, o primeiro Elifoot era feito para o ZX Spectrum, “um tipo de computador pessoal muito popular na Europa naquela época”, como conta Elias. “Eu tinha 17 anos e tinha acabado de me formar no colégio, antes de entrar na universidade. Havia alguns jogos de futebol na época, mas eles eram todos complicados e só podiam ser jogados por uma única pessoa por vez”.
A primeira versão do Elifoot era bastante elementar: tinha nomes de jogadores e equipes fictícios e não era colorido. No entanto, o jogo se tornou bastante popular entre os amigos de André, que o encorajaram a criar uma segunda versão: Elifoot II, lançada em 1989, já com times reais. Durante os anos 1990, diversas versões do jogo foram feitas por Elias, que dividia seu tempo entre o game e a carreira como piloto de avião. “O jogo começou a correr mundo via disquetes, e depois, pelo e-mail”, conta o português, que hoje tem 47 anos e mora em Lisboa.
Lembre como era o Elifoot, clássico dos games dos anos 1990
Caneleiro. Foi mais ou menos nessa época que surgiu o Elifoot 98, talvez a edição mais popular do jogo até hoje. A versão trazia diversas inovações para o game. Entre elas, os salários dos jogadores, sua personalidade (dos comportados “fair play” e “cordeirinho” ao agressivo “caneleiro”), a quantidade de times e um simpático editor de equipes, que permitia a qualquer pessoa criar seus esquadrões favoritos.
“Por conta disso, é até difícil para mim falar sobre os atletas favoritos do Elifoot. Cada pessoa jogou uma versão diferente do Elifoot”, diz Elias, que torce para o Benfica e tem no goleiro belga Michel Preud’homme seu jogador favorito. Como bom português, ele obviamente prefere Cristiano Ronaldo a Lionel Messi. Para ele, o sucesso do Elifoot se deve a duas características simples: o fato de poder se jogado com amigos e fluidez do game. “É um jogo no qual dá para se passar várias temporadas em uma tarde, sem se cansar”, diz o português.
Elifoot 98 também foi o primeiro game da série a ter duas versões: uma gratuita, com funcionalidades limitadas, e outra paga. No entanto, conta Elias, muitas vezes o jogo foi distribuído, em um arquivo compactado, com um programa capaz de gerar os códigos-chave para liberar a versão completa do game. “Foi algo que serviu para ajudar a divulgar o jogo”, diz o português, estendendo o comentário a outro programa comumente inserido no mesmo pacote do Elifoot: o Cheat O’Matic, capaz de deixar os jogadores com dinheiro infinito e atletas poderosos dentro do Elifoot. “Há jogadores que gostam de trapaças e outros que não. É difícil dar uma opinião sobre o assunto”, diz Elias.
Ainda piloto de avião até hoje, Elias diz que o jogo continua a ser interessante de se fazer – no ano passado, a série ganhou uma nova versão, Elifoot 2016, com versões para PC, Android e iOS. Mais uma vez, o game continua a ter uma versão gratuita e outra paga. “É um jogo que dá trabalho fazer. Há muitos usuários de Android que não pagam, mas, hoje, [o que recebo] compensa todo o tempo e dedicação que coloco no Elifoot”, conta o desenvolvedor.
Durante a entrevista ao Estado, Elias falou sobre o carinho dos brasileiros – um comentário comum, diz ele, é a quantidade de pessoas que jogou Elifoot durante as aulas de informática do colégio. Questionado sobre o exemplo do técnico português André Villas Boas, que aprendeu a ser técnico jogando games como o concorrente Championship Manager, Elias foi taxativo. “Não acredito que alguém possa aprender a se fazer algo bem com um jogo, só porque imita a realidade. É só para diversão.”