Ainda no início da nova geração, o PlayStation 5 tem um cardápio de games pouco variado, como era de se esperar. O cenário não é favorável, claro: o aparelho foi lançado em outubro de 2020, a Sony sofre com a escassez mundial de chips para fabricar o videogame e, para complicar ainda mais, a pandemia de covid-19 atrasa o lançamento de alguns jogos. Mas, aos poucos, tudo se normaliza e bons títulos vêm pipocando aqui e ali para demonstrar do que é capaz o console da gigante japonesa.
Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão, lançado em 11 de junho deste ano exclusivamente para PS5 por R$ 350, é um bom exemplo. Sequência de Ratchet & Clank (2016), a continuação parece inspirada nas animações vistas no cinema e que são para toda a família – e, aqui, é óbvia a referência ao estúdio Pixar, conhecido pela sensibilidade nos roteiros e o preciso traço técnico da animação. Neste jogo, no entanto, o mérito vai para a Insomniac, responsável pelo excelente Spider-Man: Miles Morales (também exclusivo para PS5).
A história da continuação acompanha a dupla Ratchet (espécie de raposa bípede da espécie em extinção Lombax) e Clank (um robô sábio, mas mal fabricado) pela galáxia em uma vibe muito parecida com a franquia Star Wars ou qualquer outro clássico da ficção-científica: viagens interplanetárias e, neste game, interdimensionais. Os detalhes da história são simples e são apresentados logo no início do jogo, sem enrolação: na busca por outros membros da sua espécie, Ratchet ganha de presente um dimensionador de fendas espaciais para procurar outros Lombax – porém, o vilão Dr. Nefarious, principal arqui-inimigo do protagonista, rouba a ferramenta com a intenção de dominar o mundo, mas acaba exagerando na dose e expondo dezenas de universos diferentes.
O que chama à atenção neste título é a inclusão de novos personagens (e universos, claro), como a dupla Rivet e Kit – também uma Lombax e robô, mas ambas do gênero feminino. Elas são as respectivas contrapartes de Ratchet e Clank, mas em outra dimensão – ou, como se chama nos filmes de sci-fi mais cabeçudos, döppelganger. Assim como os protagonistas, o vilão Dr. Nefarious encontra no Imperador Nefarious (muito mais ameaçador, diga-se) o seu duplo. Dois protagonistas, dois coadjuvantes e dois vilões, portanto.
Viciante
Ao longo da jogatina (em terceira pessoa, sempre), ora guiamos Ratchet ou Rivet, ora Clank ou Kit. As mecânicas dos controles são idênticas entre cada uma das duplas, o que é um pouco entediante porque não traz novidades, apesar de serem personagens diferentes (Rivet, por exemplo, não tem o braço direito e usa uma solução mecânica).
Mas diversão não falta em cada planeta percorrido. Cada fase possui ao menos um quebra-cabeça, um chefão e hordas e mais hordas de inimigos para serem aniquilados – tudo de forma bastante infantil (não há sangue, palavrões ou quaisquer elementos que possam incomodar pais receosos), mas longe de ser boba. Caminhando para o final do jogo, porém, tudo vai ficando um pouco repetitivo com a estrutura similar dos desafios.
É também um pouco cansativo que o jogo, à exceção desses novos personagens, não apresente grandes mudanças em relação ao antecessor, de 2016. A interface está mais clara, a jogabilidade está muito mais ágil (lembra a franquia Homem-Aranha nas batalhas, com piruetas, rencas de adversários e dezenas de controles) e colecionáveis que expandem a história. Mas só, pois os desenvolvedores parecem ter mantido a aposta nas coisas boas do primeiro jogo. Desta vez, funciona a repetição da fórmula, apesar de tudo.
Qualidade de PlayStation 5
O grande trunfo de Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão é usufruir da máquina que é o PlayStation 5. Se fosse lançado daqui a um ano, talvez o jogo não recebesse tanta admiração porque, até agora, é um dos primeiros da nova geração do console da Sony, fazendo dele uma experiência admirável para testar a capacidade do PS5.
Primeiramente, devido ao armazenamento em SSD do console, não há telas de carregamento e tudo é instantâneo, o que ajuda a dar o ritmo frenético ao jogo. Em seguida, os gráficos podem ser rodados a até 60 quadros por segundo em resolução 4K, deixando a animação visualmente espetacular – por vezes, é difícil notar quando termina uma cena e quando começa o jogo, dada a qualidade da imagem.
Ainda, os gatilhos adaptáveis do DualSense são especialmente úteis. A depender das armas (e são muitas, com centenas de melhorias possíveis em cada uma), o gatilho de R2 “trava”, informando que não há balas suficientes. Ou o controle emite sons secundários úteis na jogatina, como ao informar a vida restante, sem fazer o jogador procurar essa informação na tela.
É uma pena, no entanto, que o jogo ainda use mecânicas repetitivas, quando se sabe que o console aguenta usos mais eficientes de inteligência artificial. Por exemplo, os inimigos não exigem exatamente grandes estratégias para serem abatidos, mas sim certa insistência e resistência. Basta ter paciência, saber se esquivar e notar padrões de ataque para derrotar um chefão, por exemplo.
Ainda assim, trata-se de um daqueles títulos responsáveis por “desligar” a cabeça do jogador conforme a progressão da história, que é cheia de conflitos e idas e vindas, como exige um bom roteiro de herói. Ratchet & Clank: Em Outra Dimensão fez a lição de casa nesse aspecto.
É fácil se esquecer do tempo e das tarefas do “mundo real” enquanto se está no game. Ponto para a Insomniac, que fez uma obra persuasiva o suficiente para ter fôlego nas 16 horas na campanha principal.