The Sims 4 se consolida como espaço de representação para pessoas LGBT+


Lançado em 2014, game permite que personagens tenham orientações sexuais variadas e possibilita jogadores a ter vida ‘fora do armário’ no ambiente online

Por Guilherme Guerra
Atualização:

Em The Sims, é possível ser um cientista maluco, alienígena viajante no espaço, político corrupto, celebridade ricaça ou um garçom com contas a pagar - a variedade de personagens sempre foi um dos principais atrativos do jogo, cuja principal diversão é simular vidas em ambiente eletrônico. Com as infinitas possibilidades, a franquia lançada em 2000 foi além e se tornou um terreno fértil para diversidade, dando representação a pessoas LGBT+.

Ciente de que está na contramão da indústria de games, um espaço historicamente hostil a minorias, a Electronic Arts (EA), distribuidora do jogo, turbinou as ferramentas de representatividade. Uma das diversões do game é poder criar o seu personagem do zero - e fica claro como diferentes tipos de pessoas podem se sentir abraçadas. Lançado em 2014, The Sims 4 disponibiliza aos jogadores mais tons de pele, tipos de cabelo, roupas sem gênero, vozes graves e agudas, diferentes jeitos de andar, uso de pronomes neutros, gravidez em homens e a possibilidade de mulheres fazerem xixi em pé.

Em julho passado, a EA deu um novo passo e possibilitou aos jogadores definir a orientação sexual dos seus personagens, passo importante para construir relacionamentos na narrativa. Para a produtora, quanto mais opções, melhor.

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“Queremos que nosso sistema capture o maior número possível de histórias”, explica ao Estadão Jessica Croft, designer sênior de jogos e responsável por trabalhar na ferramenta de orientação sexual. “Houve um avanço em termos de representação, e estamos nos esforçando para estar à frente dessas demandas”, diz ela, que se identifica como lésbica e trabalha com a Maxis, estúdio responsável pelo jogo, desde novembro de 2020. “E esse é o espírito dos tempos atuais.”

É um posicionamento bastante bem-vindo para uma nova geração de jogadores. “O movimento do The Sims é significativo para um jogo desse tamanho”, aponta Carolina Caravana, vice-presidente da Associação Brasileira de Games (Abragames) e membro do conselho de diversidade da organização. “A franquia certamente é uma das expoentes por explicitar esse posicionamento pró-diversidade e por vir caminhando para trazer mais representação e abrangência”, acrescenta.

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Preconceito

A bandeira pró-diversidade, claro, resulta também em situações difíceis para a franquia. Em fevereiro passado, a EA cancelou o início das vendas na Rússia do pacote de jogo The Sims 4: Histórias de Casamento. Isso porque o game trazia uma capa com duas mulheres de braços dados sob um arco de flores, o que desrespeita a legislação do país contra “propaganda gay”. Dias mais tarde, após a comunidade de fãs se queixar da decisão, a distribuidora decidiu lançar o game por lá, mas com uma capa sem o casal.

“É claro que sabemos que nem todos são abertos e receptivos. Mas não queremos desenhar esses recursos a partir do medo. Queremos botar para cima a nossa comunidade”, diz Jessica. A desenvolvedora garante que o estúdio trabalha em mais novidades nesse sentido, mas não dá detalhes sobre o que pode vir no futuro.

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The Sims 4: Histórias de Casamento teve a capa com um casal de lésbicas censurada na Rússia Foto: Divulgação/EA G

Construção histórica

De fato, essa é uma batalha de longo prazo. O espaço para diversidade em The Sims é uma construção de mais de duas décadas - o primeiro sinal de apoio à população LGBT+ foi em 1999, um ano antes do lançamento do jogo.

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Naquele ano, durante a Electronic Entertainment Expo (E3), principal evento de games no mundo, uma prévia do jogo exibiu de forma não planejada um beijo lésbico, o que causou enorme barulho. Durante uma demonstração, a inteligência artificial do game permitiu o beijo entre duas personagens, sem o aval da chefia da obra. Mesmo assim, a EA decidiu seguir com a ideia adiante, sem alterar o código do game.

Assim, The Sims abriu as portas para que muitos jogadores vivessem uma realidade “fora do armário”, ainda que no mundo virtual.

The Sims formou uma comunidade não tão centrada na masculinidade heterossexual e cisgênero a que estamos acostumados a ver em outros nichos

Beatriz Blanco, pesquisadora e membro do laboratório Cultpop

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“Era como se fosse um mundo paralelo para mim”, conta o diretor de arte Elvis Couto, 31, criador do portal Cidade dos Sims, dedicado a notícias sobre a franquia desde 2002. “O jogo era um escape”, diz ele, que é gay e cita episódios em que não se sentia confortável para falar da própria orientação sexual com amigos e parentes durante a juventude.

Segundo a pesquisadora Beatriz Blanco, doutoranda em Comunicação e membro do laboratório Cultpop, há também outro motivo para esse público mais diverso: a plataforma.

No início dos anos 2000, a indústria focava a venda de consoles de games (como PlayStation e GameBoy) no público masculino, enquanto jogos para computadores e PCs dedicavam-se a um público mais infantil ou feminino.

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“No caso de The Sims, isso formou uma comunidade não tão centrada na masculinidade heterossexual e cisgênero a que estamos acostumados a ver em outros nichos, como jogos de tiro ou de aventura”, explica Beatriz.

Dessa maneira, os fãs de The Sims acreditam que podem estar imunes ao preconceito no ambiente digital. “Não tem como ser um jogador preconceituoso de The Sims. A própria comunidade se defende”, diz Couto.

Fundador do site Cidade dos Sims, Elvis Couto é jogador de The Sims desde 2022, quando tinha 11 anos Foto: Rafael Matos da Silva

Influência

A influência de The Sims no resto da indústria em termos de representatividade se tornou inevitável. Os últimos anos foram marcados por avanços, com diferentes títulos inserindo personagens de origens e cores variadas. Entre eles estão Mass Effect e Overwatch, que possuem personagens abertamente LGBT+ e uma comunidade ativa de fãs.

Porém, o maior deles talvez seja The Last of Us: Parte II, um dos principais games dos últimos anos. Apresentado em 2020 para PlayStation 4, a história traz Ellie acompanhada da namorada, Dina, durante a caçada da protagonista por vingança. Apesar das reclamações do público majoritariamente masculino, a obra foi sucesso em vendas e acabou vencendo os principais prêmios daquele ano.

O valor da franquia de simulação de vida, no entanto, é histórico. “Sempre ouço de jogadores mais novos que dizem que The Sims foi a única mídia onde se viram representados. E isso é uma história poderosa para mim e faz a luta valer a pena frente a toda a negatividade”, diz a desenvolvedora.

Em The Sims, é possível ser um cientista maluco, alienígena viajante no espaço, político corrupto, celebridade ricaça ou um garçom com contas a pagar - a variedade de personagens sempre foi um dos principais atrativos do jogo, cuja principal diversão é simular vidas em ambiente eletrônico. Com as infinitas possibilidades, a franquia lançada em 2000 foi além e se tornou um terreno fértil para diversidade, dando representação a pessoas LGBT+.

Ciente de que está na contramão da indústria de games, um espaço historicamente hostil a minorias, a Electronic Arts (EA), distribuidora do jogo, turbinou as ferramentas de representatividade. Uma das diversões do game é poder criar o seu personagem do zero - e fica claro como diferentes tipos de pessoas podem se sentir abraçadas. Lançado em 2014, The Sims 4 disponibiliza aos jogadores mais tons de pele, tipos de cabelo, roupas sem gênero, vozes graves e agudas, diferentes jeitos de andar, uso de pronomes neutros, gravidez em homens e a possibilidade de mulheres fazerem xixi em pé.

Em julho passado, a EA deu um novo passo e possibilitou aos jogadores definir a orientação sexual dos seus personagens, passo importante para construir relacionamentos na narrativa. Para a produtora, quanto mais opções, melhor.

“Queremos que nosso sistema capture o maior número possível de histórias”, explica ao Estadão Jessica Croft, designer sênior de jogos e responsável por trabalhar na ferramenta de orientação sexual. “Houve um avanço em termos de representação, e estamos nos esforçando para estar à frente dessas demandas”, diz ela, que se identifica como lésbica e trabalha com a Maxis, estúdio responsável pelo jogo, desde novembro de 2020. “E esse é o espírito dos tempos atuais.”

É um posicionamento bastante bem-vindo para uma nova geração de jogadores. “O movimento do The Sims é significativo para um jogo desse tamanho”, aponta Carolina Caravana, vice-presidente da Associação Brasileira de Games (Abragames) e membro do conselho de diversidade da organização. “A franquia certamente é uma das expoentes por explicitar esse posicionamento pró-diversidade e por vir caminhando para trazer mais representação e abrangência”, acrescenta.

Preconceito

A bandeira pró-diversidade, claro, resulta também em situações difíceis para a franquia. Em fevereiro passado, a EA cancelou o início das vendas na Rússia do pacote de jogo The Sims 4: Histórias de Casamento. Isso porque o game trazia uma capa com duas mulheres de braços dados sob um arco de flores, o que desrespeita a legislação do país contra “propaganda gay”. Dias mais tarde, após a comunidade de fãs se queixar da decisão, a distribuidora decidiu lançar o game por lá, mas com uma capa sem o casal.

“É claro que sabemos que nem todos são abertos e receptivos. Mas não queremos desenhar esses recursos a partir do medo. Queremos botar para cima a nossa comunidade”, diz Jessica. A desenvolvedora garante que o estúdio trabalha em mais novidades nesse sentido, mas não dá detalhes sobre o que pode vir no futuro.

The Sims 4: Histórias de Casamento teve a capa com um casal de lésbicas censurada na Rússia Foto: Divulgação/EA G

Construção histórica

De fato, essa é uma batalha de longo prazo. O espaço para diversidade em The Sims é uma construção de mais de duas décadas - o primeiro sinal de apoio à população LGBT+ foi em 1999, um ano antes do lançamento do jogo.

Naquele ano, durante a Electronic Entertainment Expo (E3), principal evento de games no mundo, uma prévia do jogo exibiu de forma não planejada um beijo lésbico, o que causou enorme barulho. Durante uma demonstração, a inteligência artificial do game permitiu o beijo entre duas personagens, sem o aval da chefia da obra. Mesmo assim, a EA decidiu seguir com a ideia adiante, sem alterar o código do game.

Assim, The Sims abriu as portas para que muitos jogadores vivessem uma realidade “fora do armário”, ainda que no mundo virtual.

The Sims formou uma comunidade não tão centrada na masculinidade heterossexual e cisgênero a que estamos acostumados a ver em outros nichos

Beatriz Blanco, pesquisadora e membro do laboratório Cultpop

“Era como se fosse um mundo paralelo para mim”, conta o diretor de arte Elvis Couto, 31, criador do portal Cidade dos Sims, dedicado a notícias sobre a franquia desde 2002. “O jogo era um escape”, diz ele, que é gay e cita episódios em que não se sentia confortável para falar da própria orientação sexual com amigos e parentes durante a juventude.

Segundo a pesquisadora Beatriz Blanco, doutoranda em Comunicação e membro do laboratório Cultpop, há também outro motivo para esse público mais diverso: a plataforma.

No início dos anos 2000, a indústria focava a venda de consoles de games (como PlayStation e GameBoy) no público masculino, enquanto jogos para computadores e PCs dedicavam-se a um público mais infantil ou feminino.

“No caso de The Sims, isso formou uma comunidade não tão centrada na masculinidade heterossexual e cisgênero a que estamos acostumados a ver em outros nichos, como jogos de tiro ou de aventura”, explica Beatriz.

Dessa maneira, os fãs de The Sims acreditam que podem estar imunes ao preconceito no ambiente digital. “Não tem como ser um jogador preconceituoso de The Sims. A própria comunidade se defende”, diz Couto.

Fundador do site Cidade dos Sims, Elvis Couto é jogador de The Sims desde 2022, quando tinha 11 anos Foto: Rafael Matos da Silva

Influência

A influência de The Sims no resto da indústria em termos de representatividade se tornou inevitável. Os últimos anos foram marcados por avanços, com diferentes títulos inserindo personagens de origens e cores variadas. Entre eles estão Mass Effect e Overwatch, que possuem personagens abertamente LGBT+ e uma comunidade ativa de fãs.

Porém, o maior deles talvez seja The Last of Us: Parte II, um dos principais games dos últimos anos. Apresentado em 2020 para PlayStation 4, a história traz Ellie acompanhada da namorada, Dina, durante a caçada da protagonista por vingança. Apesar das reclamações do público majoritariamente masculino, a obra foi sucesso em vendas e acabou vencendo os principais prêmios daquele ano.

O valor da franquia de simulação de vida, no entanto, é histórico. “Sempre ouço de jogadores mais novos que dizem que The Sims foi a única mídia onde se viram representados. E isso é uma história poderosa para mim e faz a luta valer a pena frente a toda a negatividade”, diz a desenvolvedora.

Em The Sims, é possível ser um cientista maluco, alienígena viajante no espaço, político corrupto, celebridade ricaça ou um garçom com contas a pagar - a variedade de personagens sempre foi um dos principais atrativos do jogo, cuja principal diversão é simular vidas em ambiente eletrônico. Com as infinitas possibilidades, a franquia lançada em 2000 foi além e se tornou um terreno fértil para diversidade, dando representação a pessoas LGBT+.

Ciente de que está na contramão da indústria de games, um espaço historicamente hostil a minorias, a Electronic Arts (EA), distribuidora do jogo, turbinou as ferramentas de representatividade. Uma das diversões do game é poder criar o seu personagem do zero - e fica claro como diferentes tipos de pessoas podem se sentir abraçadas. Lançado em 2014, The Sims 4 disponibiliza aos jogadores mais tons de pele, tipos de cabelo, roupas sem gênero, vozes graves e agudas, diferentes jeitos de andar, uso de pronomes neutros, gravidez em homens e a possibilidade de mulheres fazerem xixi em pé.

Em julho passado, a EA deu um novo passo e possibilitou aos jogadores definir a orientação sexual dos seus personagens, passo importante para construir relacionamentos na narrativa. Para a produtora, quanto mais opções, melhor.

“Queremos que nosso sistema capture o maior número possível de histórias”, explica ao Estadão Jessica Croft, designer sênior de jogos e responsável por trabalhar na ferramenta de orientação sexual. “Houve um avanço em termos de representação, e estamos nos esforçando para estar à frente dessas demandas”, diz ela, que se identifica como lésbica e trabalha com a Maxis, estúdio responsável pelo jogo, desde novembro de 2020. “E esse é o espírito dos tempos atuais.”

É um posicionamento bastante bem-vindo para uma nova geração de jogadores. “O movimento do The Sims é significativo para um jogo desse tamanho”, aponta Carolina Caravana, vice-presidente da Associação Brasileira de Games (Abragames) e membro do conselho de diversidade da organização. “A franquia certamente é uma das expoentes por explicitar esse posicionamento pró-diversidade e por vir caminhando para trazer mais representação e abrangência”, acrescenta.

Preconceito

A bandeira pró-diversidade, claro, resulta também em situações difíceis para a franquia. Em fevereiro passado, a EA cancelou o início das vendas na Rússia do pacote de jogo The Sims 4: Histórias de Casamento. Isso porque o game trazia uma capa com duas mulheres de braços dados sob um arco de flores, o que desrespeita a legislação do país contra “propaganda gay”. Dias mais tarde, após a comunidade de fãs se queixar da decisão, a distribuidora decidiu lançar o game por lá, mas com uma capa sem o casal.

“É claro que sabemos que nem todos são abertos e receptivos. Mas não queremos desenhar esses recursos a partir do medo. Queremos botar para cima a nossa comunidade”, diz Jessica. A desenvolvedora garante que o estúdio trabalha em mais novidades nesse sentido, mas não dá detalhes sobre o que pode vir no futuro.

The Sims 4: Histórias de Casamento teve a capa com um casal de lésbicas censurada na Rússia Foto: Divulgação/EA G

Construção histórica

De fato, essa é uma batalha de longo prazo. O espaço para diversidade em The Sims é uma construção de mais de duas décadas - o primeiro sinal de apoio à população LGBT+ foi em 1999, um ano antes do lançamento do jogo.

Naquele ano, durante a Electronic Entertainment Expo (E3), principal evento de games no mundo, uma prévia do jogo exibiu de forma não planejada um beijo lésbico, o que causou enorme barulho. Durante uma demonstração, a inteligência artificial do game permitiu o beijo entre duas personagens, sem o aval da chefia da obra. Mesmo assim, a EA decidiu seguir com a ideia adiante, sem alterar o código do game.

Assim, The Sims abriu as portas para que muitos jogadores vivessem uma realidade “fora do armário”, ainda que no mundo virtual.

The Sims formou uma comunidade não tão centrada na masculinidade heterossexual e cisgênero a que estamos acostumados a ver em outros nichos

Beatriz Blanco, pesquisadora e membro do laboratório Cultpop

“Era como se fosse um mundo paralelo para mim”, conta o diretor de arte Elvis Couto, 31, criador do portal Cidade dos Sims, dedicado a notícias sobre a franquia desde 2002. “O jogo era um escape”, diz ele, que é gay e cita episódios em que não se sentia confortável para falar da própria orientação sexual com amigos e parentes durante a juventude.

Segundo a pesquisadora Beatriz Blanco, doutoranda em Comunicação e membro do laboratório Cultpop, há também outro motivo para esse público mais diverso: a plataforma.

No início dos anos 2000, a indústria focava a venda de consoles de games (como PlayStation e GameBoy) no público masculino, enquanto jogos para computadores e PCs dedicavam-se a um público mais infantil ou feminino.

“No caso de The Sims, isso formou uma comunidade não tão centrada na masculinidade heterossexual e cisgênero a que estamos acostumados a ver em outros nichos, como jogos de tiro ou de aventura”, explica Beatriz.

Dessa maneira, os fãs de The Sims acreditam que podem estar imunes ao preconceito no ambiente digital. “Não tem como ser um jogador preconceituoso de The Sims. A própria comunidade se defende”, diz Couto.

Fundador do site Cidade dos Sims, Elvis Couto é jogador de The Sims desde 2022, quando tinha 11 anos Foto: Rafael Matos da Silva

Influência

A influência de The Sims no resto da indústria em termos de representatividade se tornou inevitável. Os últimos anos foram marcados por avanços, com diferentes títulos inserindo personagens de origens e cores variadas. Entre eles estão Mass Effect e Overwatch, que possuem personagens abertamente LGBT+ e uma comunidade ativa de fãs.

Porém, o maior deles talvez seja The Last of Us: Parte II, um dos principais games dos últimos anos. Apresentado em 2020 para PlayStation 4, a história traz Ellie acompanhada da namorada, Dina, durante a caçada da protagonista por vingança. Apesar das reclamações do público majoritariamente masculino, a obra foi sucesso em vendas e acabou vencendo os principais prêmios daquele ano.

O valor da franquia de simulação de vida, no entanto, é histórico. “Sempre ouço de jogadores mais novos que dizem que The Sims foi a única mídia onde se viram representados. E isso é uma história poderosa para mim e faz a luta valer a pena frente a toda a negatividade”, diz a desenvolvedora.

Em The Sims, é possível ser um cientista maluco, alienígena viajante no espaço, político corrupto, celebridade ricaça ou um garçom com contas a pagar - a variedade de personagens sempre foi um dos principais atrativos do jogo, cuja principal diversão é simular vidas em ambiente eletrônico. Com as infinitas possibilidades, a franquia lançada em 2000 foi além e se tornou um terreno fértil para diversidade, dando representação a pessoas LGBT+.

Ciente de que está na contramão da indústria de games, um espaço historicamente hostil a minorias, a Electronic Arts (EA), distribuidora do jogo, turbinou as ferramentas de representatividade. Uma das diversões do game é poder criar o seu personagem do zero - e fica claro como diferentes tipos de pessoas podem se sentir abraçadas. Lançado em 2014, The Sims 4 disponibiliza aos jogadores mais tons de pele, tipos de cabelo, roupas sem gênero, vozes graves e agudas, diferentes jeitos de andar, uso de pronomes neutros, gravidez em homens e a possibilidade de mulheres fazerem xixi em pé.

Em julho passado, a EA deu um novo passo e possibilitou aos jogadores definir a orientação sexual dos seus personagens, passo importante para construir relacionamentos na narrativa. Para a produtora, quanto mais opções, melhor.

“Queremos que nosso sistema capture o maior número possível de histórias”, explica ao Estadão Jessica Croft, designer sênior de jogos e responsável por trabalhar na ferramenta de orientação sexual. “Houve um avanço em termos de representação, e estamos nos esforçando para estar à frente dessas demandas”, diz ela, que se identifica como lésbica e trabalha com a Maxis, estúdio responsável pelo jogo, desde novembro de 2020. “E esse é o espírito dos tempos atuais.”

É um posicionamento bastante bem-vindo para uma nova geração de jogadores. “O movimento do The Sims é significativo para um jogo desse tamanho”, aponta Carolina Caravana, vice-presidente da Associação Brasileira de Games (Abragames) e membro do conselho de diversidade da organização. “A franquia certamente é uma das expoentes por explicitar esse posicionamento pró-diversidade e por vir caminhando para trazer mais representação e abrangência”, acrescenta.

Preconceito

A bandeira pró-diversidade, claro, resulta também em situações difíceis para a franquia. Em fevereiro passado, a EA cancelou o início das vendas na Rússia do pacote de jogo The Sims 4: Histórias de Casamento. Isso porque o game trazia uma capa com duas mulheres de braços dados sob um arco de flores, o que desrespeita a legislação do país contra “propaganda gay”. Dias mais tarde, após a comunidade de fãs se queixar da decisão, a distribuidora decidiu lançar o game por lá, mas com uma capa sem o casal.

“É claro que sabemos que nem todos são abertos e receptivos. Mas não queremos desenhar esses recursos a partir do medo. Queremos botar para cima a nossa comunidade”, diz Jessica. A desenvolvedora garante que o estúdio trabalha em mais novidades nesse sentido, mas não dá detalhes sobre o que pode vir no futuro.

The Sims 4: Histórias de Casamento teve a capa com um casal de lésbicas censurada na Rússia Foto: Divulgação/EA G

Construção histórica

De fato, essa é uma batalha de longo prazo. O espaço para diversidade em The Sims é uma construção de mais de duas décadas - o primeiro sinal de apoio à população LGBT+ foi em 1999, um ano antes do lançamento do jogo.

Naquele ano, durante a Electronic Entertainment Expo (E3), principal evento de games no mundo, uma prévia do jogo exibiu de forma não planejada um beijo lésbico, o que causou enorme barulho. Durante uma demonstração, a inteligência artificial do game permitiu o beijo entre duas personagens, sem o aval da chefia da obra. Mesmo assim, a EA decidiu seguir com a ideia adiante, sem alterar o código do game.

Assim, The Sims abriu as portas para que muitos jogadores vivessem uma realidade “fora do armário”, ainda que no mundo virtual.

The Sims formou uma comunidade não tão centrada na masculinidade heterossexual e cisgênero a que estamos acostumados a ver em outros nichos

Beatriz Blanco, pesquisadora e membro do laboratório Cultpop

“Era como se fosse um mundo paralelo para mim”, conta o diretor de arte Elvis Couto, 31, criador do portal Cidade dos Sims, dedicado a notícias sobre a franquia desde 2002. “O jogo era um escape”, diz ele, que é gay e cita episódios em que não se sentia confortável para falar da própria orientação sexual com amigos e parentes durante a juventude.

Segundo a pesquisadora Beatriz Blanco, doutoranda em Comunicação e membro do laboratório Cultpop, há também outro motivo para esse público mais diverso: a plataforma.

No início dos anos 2000, a indústria focava a venda de consoles de games (como PlayStation e GameBoy) no público masculino, enquanto jogos para computadores e PCs dedicavam-se a um público mais infantil ou feminino.

“No caso de The Sims, isso formou uma comunidade não tão centrada na masculinidade heterossexual e cisgênero a que estamos acostumados a ver em outros nichos, como jogos de tiro ou de aventura”, explica Beatriz.

Dessa maneira, os fãs de The Sims acreditam que podem estar imunes ao preconceito no ambiente digital. “Não tem como ser um jogador preconceituoso de The Sims. A própria comunidade se defende”, diz Couto.

Fundador do site Cidade dos Sims, Elvis Couto é jogador de The Sims desde 2022, quando tinha 11 anos Foto: Rafael Matos da Silva

Influência

A influência de The Sims no resto da indústria em termos de representatividade se tornou inevitável. Os últimos anos foram marcados por avanços, com diferentes títulos inserindo personagens de origens e cores variadas. Entre eles estão Mass Effect e Overwatch, que possuem personagens abertamente LGBT+ e uma comunidade ativa de fãs.

Porém, o maior deles talvez seja The Last of Us: Parte II, um dos principais games dos últimos anos. Apresentado em 2020 para PlayStation 4, a história traz Ellie acompanhada da namorada, Dina, durante a caçada da protagonista por vingança. Apesar das reclamações do público majoritariamente masculino, a obra foi sucesso em vendas e acabou vencendo os principais prêmios daquele ano.

O valor da franquia de simulação de vida, no entanto, é histórico. “Sempre ouço de jogadores mais novos que dizem que The Sims foi a única mídia onde se viram representados. E isso é uma história poderosa para mim e faz a luta valer a pena frente a toda a negatividade”, diz a desenvolvedora.

Em The Sims, é possível ser um cientista maluco, alienígena viajante no espaço, político corrupto, celebridade ricaça ou um garçom com contas a pagar - a variedade de personagens sempre foi um dos principais atrativos do jogo, cuja principal diversão é simular vidas em ambiente eletrônico. Com as infinitas possibilidades, a franquia lançada em 2000 foi além e se tornou um terreno fértil para diversidade, dando representação a pessoas LGBT+.

Ciente de que está na contramão da indústria de games, um espaço historicamente hostil a minorias, a Electronic Arts (EA), distribuidora do jogo, turbinou as ferramentas de representatividade. Uma das diversões do game é poder criar o seu personagem do zero - e fica claro como diferentes tipos de pessoas podem se sentir abraçadas. Lançado em 2014, The Sims 4 disponibiliza aos jogadores mais tons de pele, tipos de cabelo, roupas sem gênero, vozes graves e agudas, diferentes jeitos de andar, uso de pronomes neutros, gravidez em homens e a possibilidade de mulheres fazerem xixi em pé.

Em julho passado, a EA deu um novo passo e possibilitou aos jogadores definir a orientação sexual dos seus personagens, passo importante para construir relacionamentos na narrativa. Para a produtora, quanto mais opções, melhor.

“Queremos que nosso sistema capture o maior número possível de histórias”, explica ao Estadão Jessica Croft, designer sênior de jogos e responsável por trabalhar na ferramenta de orientação sexual. “Houve um avanço em termos de representação, e estamos nos esforçando para estar à frente dessas demandas”, diz ela, que se identifica como lésbica e trabalha com a Maxis, estúdio responsável pelo jogo, desde novembro de 2020. “E esse é o espírito dos tempos atuais.”

É um posicionamento bastante bem-vindo para uma nova geração de jogadores. “O movimento do The Sims é significativo para um jogo desse tamanho”, aponta Carolina Caravana, vice-presidente da Associação Brasileira de Games (Abragames) e membro do conselho de diversidade da organização. “A franquia certamente é uma das expoentes por explicitar esse posicionamento pró-diversidade e por vir caminhando para trazer mais representação e abrangência”, acrescenta.

Preconceito

A bandeira pró-diversidade, claro, resulta também em situações difíceis para a franquia. Em fevereiro passado, a EA cancelou o início das vendas na Rússia do pacote de jogo The Sims 4: Histórias de Casamento. Isso porque o game trazia uma capa com duas mulheres de braços dados sob um arco de flores, o que desrespeita a legislação do país contra “propaganda gay”. Dias mais tarde, após a comunidade de fãs se queixar da decisão, a distribuidora decidiu lançar o game por lá, mas com uma capa sem o casal.

“É claro que sabemos que nem todos são abertos e receptivos. Mas não queremos desenhar esses recursos a partir do medo. Queremos botar para cima a nossa comunidade”, diz Jessica. A desenvolvedora garante que o estúdio trabalha em mais novidades nesse sentido, mas não dá detalhes sobre o que pode vir no futuro.

The Sims 4: Histórias de Casamento teve a capa com um casal de lésbicas censurada na Rússia Foto: Divulgação/EA G

Construção histórica

De fato, essa é uma batalha de longo prazo. O espaço para diversidade em The Sims é uma construção de mais de duas décadas - o primeiro sinal de apoio à população LGBT+ foi em 1999, um ano antes do lançamento do jogo.

Naquele ano, durante a Electronic Entertainment Expo (E3), principal evento de games no mundo, uma prévia do jogo exibiu de forma não planejada um beijo lésbico, o que causou enorme barulho. Durante uma demonstração, a inteligência artificial do game permitiu o beijo entre duas personagens, sem o aval da chefia da obra. Mesmo assim, a EA decidiu seguir com a ideia adiante, sem alterar o código do game.

Assim, The Sims abriu as portas para que muitos jogadores vivessem uma realidade “fora do armário”, ainda que no mundo virtual.

The Sims formou uma comunidade não tão centrada na masculinidade heterossexual e cisgênero a que estamos acostumados a ver em outros nichos

Beatriz Blanco, pesquisadora e membro do laboratório Cultpop

“Era como se fosse um mundo paralelo para mim”, conta o diretor de arte Elvis Couto, 31, criador do portal Cidade dos Sims, dedicado a notícias sobre a franquia desde 2002. “O jogo era um escape”, diz ele, que é gay e cita episódios em que não se sentia confortável para falar da própria orientação sexual com amigos e parentes durante a juventude.

Segundo a pesquisadora Beatriz Blanco, doutoranda em Comunicação e membro do laboratório Cultpop, há também outro motivo para esse público mais diverso: a plataforma.

No início dos anos 2000, a indústria focava a venda de consoles de games (como PlayStation e GameBoy) no público masculino, enquanto jogos para computadores e PCs dedicavam-se a um público mais infantil ou feminino.

“No caso de The Sims, isso formou uma comunidade não tão centrada na masculinidade heterossexual e cisgênero a que estamos acostumados a ver em outros nichos, como jogos de tiro ou de aventura”, explica Beatriz.

Dessa maneira, os fãs de The Sims acreditam que podem estar imunes ao preconceito no ambiente digital. “Não tem como ser um jogador preconceituoso de The Sims. A própria comunidade se defende”, diz Couto.

Fundador do site Cidade dos Sims, Elvis Couto é jogador de The Sims desde 2022, quando tinha 11 anos Foto: Rafael Matos da Silva

Influência

A influência de The Sims no resto da indústria em termos de representatividade se tornou inevitável. Os últimos anos foram marcados por avanços, com diferentes títulos inserindo personagens de origens e cores variadas. Entre eles estão Mass Effect e Overwatch, que possuem personagens abertamente LGBT+ e uma comunidade ativa de fãs.

Porém, o maior deles talvez seja The Last of Us: Parte II, um dos principais games dos últimos anos. Apresentado em 2020 para PlayStation 4, a história traz Ellie acompanhada da namorada, Dina, durante a caçada da protagonista por vingança. Apesar das reclamações do público majoritariamente masculino, a obra foi sucesso em vendas e acabou vencendo os principais prêmios daquele ano.

O valor da franquia de simulação de vida, no entanto, é histórico. “Sempre ouço de jogadores mais novos que dizem que The Sims foi a única mídia onde se viram representados. E isso é uma história poderosa para mim e faz a luta valer a pena frente a toda a negatividade”, diz a desenvolvedora.

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