Com a operação dependente do transporte de pessoas, a startup mineira Buser, de ônibus intermunicipal, chegou a ter faturamento próximo de zero nos primeiros meses de pandemia. O avanço da vacinação, porém, tem rendido bons frutos para a empresa, que transportou 460 mil passageiros em setembro, um salto de 580% na comparação com o mesmo período do ano passado – só no feriado, 150 mil viajantes usaram o serviço.
Em entrevista ao Estadão, Marcelo Abritta, cofundador e presidente executivo da Buser, fala sobre a virada da startup nos últimos meses e os planos de crescimento, que passam por expansão geográfica e novos produtos que ajudem a viabilizar o modelo de fretamento coletivo, como transportes de cargas e o marketplace de venda de passagens em parceria com viações. Segundo Abritta, mesmo com esses investimentos agressivos, a Buser não está queimando caixa: a empresa tem hoje apenas R$ 1 milhão a menos do que tinha quando levantou a rodada de aporte de R$ 700 milhões em junho, diz o executivo.
Abaixo, os melhores momentos.
A Buser chegou a todos os Estados brasileiros?
Temos hoje o modelo de fretamento e o marketplace em que vendemos passagens de grandes viações. Há Estados em que somos bem maiores em marketplace, em outros no fretamento, mas os dois serviços em conjunto têm abrangência nacional. No Norte ainda temos uma posição tímida porque foi a última região em que chegamos, mas já temos ônibus de fretamento até no Acre. Tenho certeza de que vamos densificar a operação no Norte mais rápido do que fizemos no Sudeste, já que aprendemos muito nos últimos 4 anos.
Por que investir em expansão geográfica logo após o baque da pandemia?
É um momento muito bom para o turismo doméstico: a alta temporada está chegando e as pessoas ficaram quase dois anos presas em casa. Para a Buser, que ainda é pequena se olharmos para o tamanho do mercado de transporte rodoviário brasileiro, esses momentos de alta temporada são um salto na operação, que acelera o crescimento do ano seguinte. Muitas pessoas conhecem a Buser nas férias e passam a usar nosso serviço rotineiramente depois. Por isso fez sentido irmos mais longe, mais rápido, em vez de ficar só por aqui. Assim, pegamos carona na alta temporada que está vindo.
Como a Buser conseguiu reagir ao impacto da pandemia?
Sendo bem sincero, acredito que demos sorte. Quando a pandemia chegou, tínhamos acabado de levantar uma rodada de investimento grande e não tínhamos gastado o dinheiro ainda. Ficamos em uma posição muito confortável e tivemos inclusive a oportunidade de ajudar nossos parceiros, emprestando dinheiro sem juros. Na primeira onda, ficamos parados 100% durante 4 meses, enquanto na segunda onda, no começo deste ano, a operação retraiu 50% frente ao pico de dezembro de 2020. Agora, tudo indica que teremos um crescimento sustentável porque a vacinação está dando certo. Mas, se tivéssemos recebido o aporte seis meses antes da pandemia, talvez teríamos gastado o dinheiro e a situação teria sido mais complicada.
A Buser tem investido em novos produtos como transporte de carga e o marketplace de passagens. O fretamento compartilhado continuará sendo o pilar do negócio da Buser?
Com certeza. Todas essas coisas se retroalimentam para melhorar a viabilidade financeira da Buser e atingir nosso objetivo final, que é atender o viajante. O transporte de cargas é uma forma de permitir viagens que antes não seriam possíveis. Pegamos trechos mais vazios de terça e quarta, por exemplo, e lotamos os ônibus de cargas – por meio de parcerias com varejistas e transportadoras, transportamos encomendas gerais como roupas e pequenos eletrônicos. O marketplace, por sua vez, é uma forma de dar um só lugar para o viajante comparar todas as opções de viagens, seja de fretamento ou de empresa rodoviária. Tem sido comum também fecharmos uma parceria de marketplace e a empresa colocar alguns ônibus para rodar com a gente no fretamento. Por enquanto, porém, as parcerias têm sido com viações menores. Não porque não quisemos as maiores, mas porque as grandes nem quiseram conversar. Algum dia talvez elas evoluam.
Há novas frentes de negócio no radar da Buser?
Ainda vamos fazer garagens compartilhadas. Hoje, as empresas de ônibus parceiras têm suas próprias garagens, mas são espaços simples. Se juntarmos várias dessas companhias, conseguimos viabilizar uma supergaragem e gerar economia. E isso destrava outras melhorias. Seria possível usar essa mesma garagem para comprar insumos: você compra pneu e combustível e recebe tudo em um lugar só, reduzindo custos. Temos um parceiro nosso que já faz isso em Santa Catarina. Estamos aprendendo lá e queremos trazer esse modelo para o Sudeste em breve.
A Buser está ao mesmo tempo expandindo geograficamente e criando novos produtos. Não há risco de perder o foco?
A Buser tem hoje 300 funcionários. Dentro disso, cerca de 240 pessoas trabalham voltadas ao fretamento, enquanto o restante do pessoal trabalha nas iniciativas paralelas. Esse crescimento acelerado está focado principalmente em fretamento, mas nos próximos anos as novas frentes tendem a alavancar. E isso é comum no mercado. O Nubank começou só com cartão de crédito e depois foi para a NuConta. A Creditas começou no crédito com garantia, e depois ampliou para outros tipos de financiamentos. É o caminho natural de projetos desse tipo: você tem de criar várias curvas, uma em cima da outra, e ter disciplina de enxergar o que está dando mais certo para direcionar recursos.
Frequentemente saem decisões da Justiça sobre o funcionamento da Buser, liberando ou proibindo. Esse contexto incerto de regulação não trava o crescimento da empresa?
Na verdade, funciona ao contrário. Quanto mais rápido crescermos, mais claro fica o nosso benefício para o mercado brasileiro e maior a nossa chance de vencermos na Justiça. Em termos legais, na maioria dos lugares a situação está pacificada. Tanto que estamos operando e crescendo, senão nem estaríamos conseguindo. Por outro lado, sabemos que os grandes grupos fazem uma pressão enorme para proteger o mercado. Como somos menores, estamos mais expostos. O nosso pior Estado hoje quanto à regulação é o Paraná, que seria um Estado estratégico por conta da proximidade com São Paulo. Mas respeitamos a Justiça e vamos trabalhar para que isso se reverta. Tudo tem seu tempo.
A Buser chegou a ter faturamento próximo de zero no início da pandemia. Como está o caixa agora?
Ainda não lucramos por opção, porque fazemos um esforço para crescer rápido. Se eu quisesse continuar do mesmo tamanho para sempre, eu lucraria, porque as várias frentes em que atuamos viabilizam a nossa operação. O prejuízo mensal que temos hoje é quase irrelevante para a quantidade de capital que levantamos. Não estamos queimando caixa. Para você ter uma noção da irrelevância do nosso consumo de capital, hoje tenho R$ 1 milhão a menos do que eu tinha quando levantamos R$ 700 milhões em junho.
A alemã FlixBus, rival da Buser, anunciou em julho sua chegada ao Brasil com um projeto agressivo. Como a Buser pretende se diferenciar?
Quero que o sistema seja melhor e que as pessoas tenham alternativas – e elas terão de escolher entre Buser, FlixBus e outros serviços. Não tenho medo dessa disputa e olho para ela como uma amplificação do impacto que trouxemos no mercado. Tenho certeza de que, sem a Buser, não existiria FlixBus no Brasil, porque seria um setor altamente fechado. Nós vamos disputar com eles a preferência do consumidor e estamos dispostos a fazer promoções agressivas também. No fim das contas, a chegada da FlixBus ajuda a fortalecer o argumento para vencer regulações: ter mais empresas é melhor para o mercado.
A Buser planeja expandir internacionalmente? A América Latina parece um mercado possível.
Seria possível, mas não tenho essa ambição hoje. Prefiro me dedicar ao transporte urbano no Brasil. Se eu fosse para o México, teria de começar do zero – e é a mesma situação de grandes grupos controlando o sistema. Se eu entrar no transporte urbano no Brasil, já tenho a experiência de saber quem são os operadores de cada cidade. O mercado de transporte urbano no Brasil é maior que o de transporte rodoviário de toda a América Latina.