Como a Facily foi do status de ‘unicórnio’ à demissão em massa em 4 meses


Startup de venda por aplicativo foi responsável pela demissão de mais de mil pessoas que trabalhavam direta ou indiretamente com a empresa

Por Bruna Arimathea

Atualizado às 19h40 para incluir posicionamento da prestadora de serviços i9.

Em meio ao crescimento das startups brasileiras, o hipermercado digital Facily parecia ser uma das maiores histórias de sucesso no cenário recente de inovação. Em dezembro de 2021, pouco mais de três anos desde a sua fundação, a companhia atingiu o status de “unicórnio” (startup avaliada acima de US$ 1 bilhão). Por trás do título, porém, havia uma empresa com problemas, que foram expostos apenas quatro meses mais tarde, quando mais de mil pessoas foram demitidas, entre funcionários diretos e terceirizados

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A Facily atua como um hipermercado digital, vendendo alimentos e produtos de limpeza por meio de um app. Para diminuir custos, a startup entrega as mercadorias em pontos de retirada, locais estratégicos onde o próprio cliente busca as compras. A cadeia simplificada atraiu fundos de investimento. 

Em novembro e dezembro de 2021, a companhia levantou US$ 385 milhões – a captação fez a Facily fechar o ano atrás apenas de pesos-pesados entre as startups nacionais em valor de mercado, como Nubank, Loft, QuintoAndar e Ebanx. Com o caixa recheado, a startup iniciou um plano de contratação massiva, inflando áreas como tecnologia e atendimento. 

Diego Dzodan fundou a Facily em 2018 após sair do Facebook Foto: Murillo Constantino
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Na época dos aportes, Diego Dzodan, CEO da companhia, dava pistas sobre o crescimento da companhia. "Com os novos investimentos recebidos, a empresa irá focar na eficiência logística para acelerar as entregas dos pedidos realizados na plataforma, além de trabalhar na expansão nacional da empresa", escreveu em nota.

Porém, quatro meses depois, em 18 e 19 de abril, vieram os cortes, quando a Facily informou aos funcionários diretos que estava fazendo um plano de reestruturação. A companhia tinha o objetivo de enxugar cerca de 60% da folha de pagamento. Entre 300 e 400 funcionários diretos foram dispensados, segundo informações extra oficiais. Embora a Facily não abrisse publicamente o tamanho do seu quadro de funcionários, a companhia tinha entre 800 e 900 pessoas antes das demissões.

Entre os terceirizados, os cortes começaram ainda em março. Contratada pela startup, a i9 Xperience Center prestava serviços de atendimento e suporte logístico, e tinha mais de mil pessoas trabalhando diretamente com a startup.

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Na i9 cerca de 900 pessoas ficaram sem trabalho por conta do corte de gastos: 700 delas estão em um grupo de e-mails para pessoas com contrato pessoa jurídica que circulava informações sobre a relação da i9 com a Facily. Os funcionários da terceirizada estimam ainda que cerca de 200 pessoas em regime CLT também se dedicavam ao trabalho junto à startup. 

Por e-mail, Dzodan afirmou à reportagem que os cortes foram realizados por uma “repriorização” de projetos. “Até o final do ano passado o cenário brasileiro era diferente e promissor, mas assim que entramos em 2022 já vimos que o cenário, a contenção e os avanços seriam diferentes e mais cautelosos por todos. Inclusive por conta das altas taxas de juros, a instabilidade política e social que abalou mercados e investidores de todo o mundo”, escreveu ele.

Ele não confirmou quantos funcionários foram cortados nem o tamanho da redução na folha de pagamentos. Segundo ele, todas as áreas foram “reorganizadas de acordo com a repriorização dos projetos”.

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Porém, para ex-funcionários, que falaram ao Estadão na condição de anonimato (a reportagem conversou com 11 ex-empregados), havia sinais de que a companhia não havia se planejado para o novo momento. Entre eles estavam sobrecargas nos sistemas de pagamentos, desencontros de informações e problemas nas cadeias logísticas – isso sem contar nas inúmeras reclamações de clientes.

Além do grande número de pessoas entrando na empresa após os aportes, havia uma sensação, segundo os ex-funcionários, de que a distribuição dos profissionais nas áreas da startup foi aleatória. E vários contratados vieram com salários altos, pois foram captados no disputado mercado de tecnologia. Funcionários demitidos relatam que logo surgiram dúvidas sobre quanto tempo seria possível manter um time tão caro.

Segundo os ex-funcionários, as demissões se distribuíram em diferentes níveis e setores, incluindo posições seniores. Porém, o que chamou mais a atenção foi a dispensa de cerca de 150 funcionários do time de tecnologia, na contramão do mercado atual de startups. 

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Dzodan refutou a ideia de mau planejamento nas contratações: “Contratamos conforme o planejamento organizacional. Os cenários nacionais e globais vão mudando e, automaticamente, projetos vão sendo repriorizados para acompanhar esse movimento.” 

Problemas desde o princípio

A Facily foi fundada em 2018 por Luciano Freitas, Vitor Zaninotto e Diego Dzodan. Atual CEO da companhia, Dzodan foivice-presidente do Facebook na América Latina entre 2015 e 2018 e ficou conhecido por, em 2016, passar uma noite preso preventivamente por se negar a fornecer à Justiça brasileira informações privadas de conversas de usuários no WhatsApp. Quando saiu da empresa de Mark Zuckerberg, o executivo percebeu oportunidades no mercado nacional de inovação. 

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Além de atuar como um hipermercado digital, a Facily é também um “social commerce”, modelo no qual usuários com interesses em comum juntam-se em grupos para ganhar descontos, modelo similar ao de sites como o Groupon. Por fim, ainda buscando reduzir preços, a companhia funciona como um marketplace, onde varejistas e produtores podem vender diretamente ao consumidor, pulando intermediários e fornecedores da cadeia de suprimentos.

A cadeia simplificada atraiu fundos de investimento, mas o crescimento da startup foi acompanhado de problemas. “Nesse processo, a infraestrutura ficou para trás”, disse um dos ex-funcionários que falou ao Estadão. Erros de sistemas, por exemplo, se tornaram comuns e obrigaram a Facily a cancelar milhares de pedidos nos últimos meses. 

Com frequência, conta um ex-funcionário, era possível ver informações incorretas sobre pedidos na plataforma. Em alguns casos, os pedidos apareciam como “enviados” nos sistemas dos lojistas e como “cancelado” no sistema da startup – a inconsistência de informações fazia com que os pedidos não saíssem do lugar.

Sobre os pedidos cancelados e problemas na cadeia de distribuição, Dzodan afirma que a Facily está passando por uma reestruturação para continuar crescendo. Sobre as reclamações de entregas, ele afirma: “Temos investido fortemente para melhorar nossos processos e garantir que todos os nossos clientes sejam atendidos. Implementamos processos de controle, novas ferramentas de atendimento ao consumidor e estrutura logística para garantir agilidade nas entregas.”

Embate com Procon

Com tantos problemas, os clientes passaram a sentir também os efeitos. Com 211 mil reclamações, a empresa foi a líder no ranking do Procon-SP em 2021. Em dezembro do ano passado, a Facily afirmou que o aumento das reclamações foi resultado de seu rápido crescimento.

Os problemas começaram em maio de 2021, quando as reclamações sobre produtos não entregues ou pagamentos não feitos começaram a chegar em massa no Procon-SP. Naquele mês, a Facily foi alvo de 2.068 mil queixas, ante 223 no mês anterior. A partir daí, o número disparou. O ápice foi no mês de outubro, quando 59 mil queixas contra a empresa foram registradas no Procon-SP. 

Em novembro, a Facily firmou um acordo com o órgão para, em 30 dias, diminuir em até 80% as queixas registradas.Ao Estadão, Guilherme Farid, diretor executivo do Procon-SP, afirmou que o acordo assinado não foi cumprido na íntegra e que o órgão vai encaminhar o caso para a fiscalização. A Facily poderá receber uma multa de até R$ 12 milhões. E o problema ainda parece longe do fim. Em 2022, já são 34,3 mil queixas.

Gargalo nos pagamentos

As falhas nos sistemas também geraram desgaste com os lojistas da plataforma – o coração do funcionamento da Facily. A cada venda, a Facily fica com 10% do valor ou com uma taxa mínima, que varia de produto para produto. Os repasses são feitos por meio de um sistema da própria startup.

Segundo fontes ouvidas pela reportagem, alguns estabelecimentos decidiram encerrar a parceria com a Facily por não receber os valores referentes aos serviços.

O site da Facily informa que os pagamentos são feitos sempre dez dias após o fechamento do mês de vendas, mas ex-funcionários contam que há gargalos no sistema de repasses, que só teria três profissionais para realizar as análises.

Sobre os supostos débitos com lojistas e a operação manual do sistema de pagamentos, Dzodan disse desconhecer as informações. 

Terceirizada também sofreu

Os problemas da Facily não afetaram só os funcionários diretos da companhia. Um dos funcionários da i9, que preferiu não se identificar, afirmou ao Estadão que a situação entre a terceirizada e a Facily estava se deteriorando desde o começo do ano. 

A fonte relatou divergências entre postos de distribuição da startup e o sistema da empresa. Não era incomum um motorista da i9 tentar fazer a entrega de produtos em um desses pontos de retirada,e descobrir que o local não estava mais credenciado. 

Sobre o problema, Dzodan diz: “Hoje nós temos 8 mil pontos de entrega espalhados pelo Brasil. Se eventualmente algum deles deixou de existir ou teve localização alterada sem aviso prévio, foi um caso pontual. Mas vamos rever nossos processos para melhorar essa comunicação, com certeza”. Na época dos aportes, a companhia dizia ter 12 mil pontos de retirada, número que foi reduzido em um terço. 

Na i9, funcionários estão se organizando para processar a Facily por supostas inconsistências de pagamentos rescisórios e por trabalhos realizados ainda no período em que eram contratados pela terceirizada. 

Abaixo, leia a nota da i9 ao Estadão:

“No que compete à i9, é importante mencionar que a empresa envidou todos os esforços para o pagamento das verbas trabalhistas de sua competência. Vale destacar que a empresa possui um canal de atendimento à disposição de seus colaboradores e cumpre todas as normas trabalhistas vigentes.A nossa companhia atua fortemente no mercado há 12 anos, sempre representando grandes marcas, tendo como preceito a valorização de seus colaboradores, clientes e ajuda direta à sociedade, com geração de milhares de empregos. Outrossim, cumpre esclarecer que a i9 é prestadora de serviços e também é impactada por eventuais alterações de contrato com seus tomadores.”

Atualizado às 19h40 para incluir posicionamento da prestadora de serviços i9.

Em meio ao crescimento das startups brasileiras, o hipermercado digital Facily parecia ser uma das maiores histórias de sucesso no cenário recente de inovação. Em dezembro de 2021, pouco mais de três anos desde a sua fundação, a companhia atingiu o status de “unicórnio” (startup avaliada acima de US$ 1 bilhão). Por trás do título, porém, havia uma empresa com problemas, que foram expostos apenas quatro meses mais tarde, quando mais de mil pessoas foram demitidas, entre funcionários diretos e terceirizados

A Facily atua como um hipermercado digital, vendendo alimentos e produtos de limpeza por meio de um app. Para diminuir custos, a startup entrega as mercadorias em pontos de retirada, locais estratégicos onde o próprio cliente busca as compras. A cadeia simplificada atraiu fundos de investimento. 

Em novembro e dezembro de 2021, a companhia levantou US$ 385 milhões – a captação fez a Facily fechar o ano atrás apenas de pesos-pesados entre as startups nacionais em valor de mercado, como Nubank, Loft, QuintoAndar e Ebanx. Com o caixa recheado, a startup iniciou um plano de contratação massiva, inflando áreas como tecnologia e atendimento. 

Diego Dzodan fundou a Facily em 2018 após sair do Facebook Foto: Murillo Constantino

Na época dos aportes, Diego Dzodan, CEO da companhia, dava pistas sobre o crescimento da companhia. "Com os novos investimentos recebidos, a empresa irá focar na eficiência logística para acelerar as entregas dos pedidos realizados na plataforma, além de trabalhar na expansão nacional da empresa", escreveu em nota.

Porém, quatro meses depois, em 18 e 19 de abril, vieram os cortes, quando a Facily informou aos funcionários diretos que estava fazendo um plano de reestruturação. A companhia tinha o objetivo de enxugar cerca de 60% da folha de pagamento. Entre 300 e 400 funcionários diretos foram dispensados, segundo informações extra oficiais. Embora a Facily não abrisse publicamente o tamanho do seu quadro de funcionários, a companhia tinha entre 800 e 900 pessoas antes das demissões.

Entre os terceirizados, os cortes começaram ainda em março. Contratada pela startup, a i9 Xperience Center prestava serviços de atendimento e suporte logístico, e tinha mais de mil pessoas trabalhando diretamente com a startup.

Na i9 cerca de 900 pessoas ficaram sem trabalho por conta do corte de gastos: 700 delas estão em um grupo de e-mails para pessoas com contrato pessoa jurídica que circulava informações sobre a relação da i9 com a Facily. Os funcionários da terceirizada estimam ainda que cerca de 200 pessoas em regime CLT também se dedicavam ao trabalho junto à startup. 

Por e-mail, Dzodan afirmou à reportagem que os cortes foram realizados por uma “repriorização” de projetos. “Até o final do ano passado o cenário brasileiro era diferente e promissor, mas assim que entramos em 2022 já vimos que o cenário, a contenção e os avanços seriam diferentes e mais cautelosos por todos. Inclusive por conta das altas taxas de juros, a instabilidade política e social que abalou mercados e investidores de todo o mundo”, escreveu ele.

Ele não confirmou quantos funcionários foram cortados nem o tamanho da redução na folha de pagamentos. Segundo ele, todas as áreas foram “reorganizadas de acordo com a repriorização dos projetos”.

Porém, para ex-funcionários, que falaram ao Estadão na condição de anonimato (a reportagem conversou com 11 ex-empregados), havia sinais de que a companhia não havia se planejado para o novo momento. Entre eles estavam sobrecargas nos sistemas de pagamentos, desencontros de informações e problemas nas cadeias logísticas – isso sem contar nas inúmeras reclamações de clientes.

Além do grande número de pessoas entrando na empresa após os aportes, havia uma sensação, segundo os ex-funcionários, de que a distribuição dos profissionais nas áreas da startup foi aleatória. E vários contratados vieram com salários altos, pois foram captados no disputado mercado de tecnologia. Funcionários demitidos relatam que logo surgiram dúvidas sobre quanto tempo seria possível manter um time tão caro.

Segundo os ex-funcionários, as demissões se distribuíram em diferentes níveis e setores, incluindo posições seniores. Porém, o que chamou mais a atenção foi a dispensa de cerca de 150 funcionários do time de tecnologia, na contramão do mercado atual de startups. 

Dzodan refutou a ideia de mau planejamento nas contratações: “Contratamos conforme o planejamento organizacional. Os cenários nacionais e globais vão mudando e, automaticamente, projetos vão sendo repriorizados para acompanhar esse movimento.” 

Problemas desde o princípio

A Facily foi fundada em 2018 por Luciano Freitas, Vitor Zaninotto e Diego Dzodan. Atual CEO da companhia, Dzodan foivice-presidente do Facebook na América Latina entre 2015 e 2018 e ficou conhecido por, em 2016, passar uma noite preso preventivamente por se negar a fornecer à Justiça brasileira informações privadas de conversas de usuários no WhatsApp. Quando saiu da empresa de Mark Zuckerberg, o executivo percebeu oportunidades no mercado nacional de inovação. 

Além de atuar como um hipermercado digital, a Facily é também um “social commerce”, modelo no qual usuários com interesses em comum juntam-se em grupos para ganhar descontos, modelo similar ao de sites como o Groupon. Por fim, ainda buscando reduzir preços, a companhia funciona como um marketplace, onde varejistas e produtores podem vender diretamente ao consumidor, pulando intermediários e fornecedores da cadeia de suprimentos.

A cadeia simplificada atraiu fundos de investimento, mas o crescimento da startup foi acompanhado de problemas. “Nesse processo, a infraestrutura ficou para trás”, disse um dos ex-funcionários que falou ao Estadão. Erros de sistemas, por exemplo, se tornaram comuns e obrigaram a Facily a cancelar milhares de pedidos nos últimos meses. 

Com frequência, conta um ex-funcionário, era possível ver informações incorretas sobre pedidos na plataforma. Em alguns casos, os pedidos apareciam como “enviados” nos sistemas dos lojistas e como “cancelado” no sistema da startup – a inconsistência de informações fazia com que os pedidos não saíssem do lugar.

Sobre os pedidos cancelados e problemas na cadeia de distribuição, Dzodan afirma que a Facily está passando por uma reestruturação para continuar crescendo. Sobre as reclamações de entregas, ele afirma: “Temos investido fortemente para melhorar nossos processos e garantir que todos os nossos clientes sejam atendidos. Implementamos processos de controle, novas ferramentas de atendimento ao consumidor e estrutura logística para garantir agilidade nas entregas.”

Embate com Procon

Com tantos problemas, os clientes passaram a sentir também os efeitos. Com 211 mil reclamações, a empresa foi a líder no ranking do Procon-SP em 2021. Em dezembro do ano passado, a Facily afirmou que o aumento das reclamações foi resultado de seu rápido crescimento.

Os problemas começaram em maio de 2021, quando as reclamações sobre produtos não entregues ou pagamentos não feitos começaram a chegar em massa no Procon-SP. Naquele mês, a Facily foi alvo de 2.068 mil queixas, ante 223 no mês anterior. A partir daí, o número disparou. O ápice foi no mês de outubro, quando 59 mil queixas contra a empresa foram registradas no Procon-SP. 

Em novembro, a Facily firmou um acordo com o órgão para, em 30 dias, diminuir em até 80% as queixas registradas.Ao Estadão, Guilherme Farid, diretor executivo do Procon-SP, afirmou que o acordo assinado não foi cumprido na íntegra e que o órgão vai encaminhar o caso para a fiscalização. A Facily poderá receber uma multa de até R$ 12 milhões. E o problema ainda parece longe do fim. Em 2022, já são 34,3 mil queixas.

Gargalo nos pagamentos

As falhas nos sistemas também geraram desgaste com os lojistas da plataforma – o coração do funcionamento da Facily. A cada venda, a Facily fica com 10% do valor ou com uma taxa mínima, que varia de produto para produto. Os repasses são feitos por meio de um sistema da própria startup.

Segundo fontes ouvidas pela reportagem, alguns estabelecimentos decidiram encerrar a parceria com a Facily por não receber os valores referentes aos serviços.

O site da Facily informa que os pagamentos são feitos sempre dez dias após o fechamento do mês de vendas, mas ex-funcionários contam que há gargalos no sistema de repasses, que só teria três profissionais para realizar as análises.

Sobre os supostos débitos com lojistas e a operação manual do sistema de pagamentos, Dzodan disse desconhecer as informações. 

Terceirizada também sofreu

Os problemas da Facily não afetaram só os funcionários diretos da companhia. Um dos funcionários da i9, que preferiu não se identificar, afirmou ao Estadão que a situação entre a terceirizada e a Facily estava se deteriorando desde o começo do ano. 

A fonte relatou divergências entre postos de distribuição da startup e o sistema da empresa. Não era incomum um motorista da i9 tentar fazer a entrega de produtos em um desses pontos de retirada,e descobrir que o local não estava mais credenciado. 

Sobre o problema, Dzodan diz: “Hoje nós temos 8 mil pontos de entrega espalhados pelo Brasil. Se eventualmente algum deles deixou de existir ou teve localização alterada sem aviso prévio, foi um caso pontual. Mas vamos rever nossos processos para melhorar essa comunicação, com certeza”. Na época dos aportes, a companhia dizia ter 12 mil pontos de retirada, número que foi reduzido em um terço. 

Na i9, funcionários estão se organizando para processar a Facily por supostas inconsistências de pagamentos rescisórios e por trabalhos realizados ainda no período em que eram contratados pela terceirizada. 

Abaixo, leia a nota da i9 ao Estadão:

“No que compete à i9, é importante mencionar que a empresa envidou todos os esforços para o pagamento das verbas trabalhistas de sua competência. Vale destacar que a empresa possui um canal de atendimento à disposição de seus colaboradores e cumpre todas as normas trabalhistas vigentes.A nossa companhia atua fortemente no mercado há 12 anos, sempre representando grandes marcas, tendo como preceito a valorização de seus colaboradores, clientes e ajuda direta à sociedade, com geração de milhares de empregos. Outrossim, cumpre esclarecer que a i9 é prestadora de serviços e também é impactada por eventuais alterações de contrato com seus tomadores.”

Atualizado às 19h40 para incluir posicionamento da prestadora de serviços i9.

Em meio ao crescimento das startups brasileiras, o hipermercado digital Facily parecia ser uma das maiores histórias de sucesso no cenário recente de inovação. Em dezembro de 2021, pouco mais de três anos desde a sua fundação, a companhia atingiu o status de “unicórnio” (startup avaliada acima de US$ 1 bilhão). Por trás do título, porém, havia uma empresa com problemas, que foram expostos apenas quatro meses mais tarde, quando mais de mil pessoas foram demitidas, entre funcionários diretos e terceirizados

A Facily atua como um hipermercado digital, vendendo alimentos e produtos de limpeza por meio de um app. Para diminuir custos, a startup entrega as mercadorias em pontos de retirada, locais estratégicos onde o próprio cliente busca as compras. A cadeia simplificada atraiu fundos de investimento. 

Em novembro e dezembro de 2021, a companhia levantou US$ 385 milhões – a captação fez a Facily fechar o ano atrás apenas de pesos-pesados entre as startups nacionais em valor de mercado, como Nubank, Loft, QuintoAndar e Ebanx. Com o caixa recheado, a startup iniciou um plano de contratação massiva, inflando áreas como tecnologia e atendimento. 

Diego Dzodan fundou a Facily em 2018 após sair do Facebook Foto: Murillo Constantino

Na época dos aportes, Diego Dzodan, CEO da companhia, dava pistas sobre o crescimento da companhia. "Com os novos investimentos recebidos, a empresa irá focar na eficiência logística para acelerar as entregas dos pedidos realizados na plataforma, além de trabalhar na expansão nacional da empresa", escreveu em nota.

Porém, quatro meses depois, em 18 e 19 de abril, vieram os cortes, quando a Facily informou aos funcionários diretos que estava fazendo um plano de reestruturação. A companhia tinha o objetivo de enxugar cerca de 60% da folha de pagamento. Entre 300 e 400 funcionários diretos foram dispensados, segundo informações extra oficiais. Embora a Facily não abrisse publicamente o tamanho do seu quadro de funcionários, a companhia tinha entre 800 e 900 pessoas antes das demissões.

Entre os terceirizados, os cortes começaram ainda em março. Contratada pela startup, a i9 Xperience Center prestava serviços de atendimento e suporte logístico, e tinha mais de mil pessoas trabalhando diretamente com a startup.

Na i9 cerca de 900 pessoas ficaram sem trabalho por conta do corte de gastos: 700 delas estão em um grupo de e-mails para pessoas com contrato pessoa jurídica que circulava informações sobre a relação da i9 com a Facily. Os funcionários da terceirizada estimam ainda que cerca de 200 pessoas em regime CLT também se dedicavam ao trabalho junto à startup. 

Por e-mail, Dzodan afirmou à reportagem que os cortes foram realizados por uma “repriorização” de projetos. “Até o final do ano passado o cenário brasileiro era diferente e promissor, mas assim que entramos em 2022 já vimos que o cenário, a contenção e os avanços seriam diferentes e mais cautelosos por todos. Inclusive por conta das altas taxas de juros, a instabilidade política e social que abalou mercados e investidores de todo o mundo”, escreveu ele.

Ele não confirmou quantos funcionários foram cortados nem o tamanho da redução na folha de pagamentos. Segundo ele, todas as áreas foram “reorganizadas de acordo com a repriorização dos projetos”.

Porém, para ex-funcionários, que falaram ao Estadão na condição de anonimato (a reportagem conversou com 11 ex-empregados), havia sinais de que a companhia não havia se planejado para o novo momento. Entre eles estavam sobrecargas nos sistemas de pagamentos, desencontros de informações e problemas nas cadeias logísticas – isso sem contar nas inúmeras reclamações de clientes.

Além do grande número de pessoas entrando na empresa após os aportes, havia uma sensação, segundo os ex-funcionários, de que a distribuição dos profissionais nas áreas da startup foi aleatória. E vários contratados vieram com salários altos, pois foram captados no disputado mercado de tecnologia. Funcionários demitidos relatam que logo surgiram dúvidas sobre quanto tempo seria possível manter um time tão caro.

Segundo os ex-funcionários, as demissões se distribuíram em diferentes níveis e setores, incluindo posições seniores. Porém, o que chamou mais a atenção foi a dispensa de cerca de 150 funcionários do time de tecnologia, na contramão do mercado atual de startups. 

Dzodan refutou a ideia de mau planejamento nas contratações: “Contratamos conforme o planejamento organizacional. Os cenários nacionais e globais vão mudando e, automaticamente, projetos vão sendo repriorizados para acompanhar esse movimento.” 

Problemas desde o princípio

A Facily foi fundada em 2018 por Luciano Freitas, Vitor Zaninotto e Diego Dzodan. Atual CEO da companhia, Dzodan foivice-presidente do Facebook na América Latina entre 2015 e 2018 e ficou conhecido por, em 2016, passar uma noite preso preventivamente por se negar a fornecer à Justiça brasileira informações privadas de conversas de usuários no WhatsApp. Quando saiu da empresa de Mark Zuckerberg, o executivo percebeu oportunidades no mercado nacional de inovação. 

Além de atuar como um hipermercado digital, a Facily é também um “social commerce”, modelo no qual usuários com interesses em comum juntam-se em grupos para ganhar descontos, modelo similar ao de sites como o Groupon. Por fim, ainda buscando reduzir preços, a companhia funciona como um marketplace, onde varejistas e produtores podem vender diretamente ao consumidor, pulando intermediários e fornecedores da cadeia de suprimentos.

A cadeia simplificada atraiu fundos de investimento, mas o crescimento da startup foi acompanhado de problemas. “Nesse processo, a infraestrutura ficou para trás”, disse um dos ex-funcionários que falou ao Estadão. Erros de sistemas, por exemplo, se tornaram comuns e obrigaram a Facily a cancelar milhares de pedidos nos últimos meses. 

Com frequência, conta um ex-funcionário, era possível ver informações incorretas sobre pedidos na plataforma. Em alguns casos, os pedidos apareciam como “enviados” nos sistemas dos lojistas e como “cancelado” no sistema da startup – a inconsistência de informações fazia com que os pedidos não saíssem do lugar.

Sobre os pedidos cancelados e problemas na cadeia de distribuição, Dzodan afirma que a Facily está passando por uma reestruturação para continuar crescendo. Sobre as reclamações de entregas, ele afirma: “Temos investido fortemente para melhorar nossos processos e garantir que todos os nossos clientes sejam atendidos. Implementamos processos de controle, novas ferramentas de atendimento ao consumidor e estrutura logística para garantir agilidade nas entregas.”

Embate com Procon

Com tantos problemas, os clientes passaram a sentir também os efeitos. Com 211 mil reclamações, a empresa foi a líder no ranking do Procon-SP em 2021. Em dezembro do ano passado, a Facily afirmou que o aumento das reclamações foi resultado de seu rápido crescimento.

Os problemas começaram em maio de 2021, quando as reclamações sobre produtos não entregues ou pagamentos não feitos começaram a chegar em massa no Procon-SP. Naquele mês, a Facily foi alvo de 2.068 mil queixas, ante 223 no mês anterior. A partir daí, o número disparou. O ápice foi no mês de outubro, quando 59 mil queixas contra a empresa foram registradas no Procon-SP. 

Em novembro, a Facily firmou um acordo com o órgão para, em 30 dias, diminuir em até 80% as queixas registradas.Ao Estadão, Guilherme Farid, diretor executivo do Procon-SP, afirmou que o acordo assinado não foi cumprido na íntegra e que o órgão vai encaminhar o caso para a fiscalização. A Facily poderá receber uma multa de até R$ 12 milhões. E o problema ainda parece longe do fim. Em 2022, já são 34,3 mil queixas.

Gargalo nos pagamentos

As falhas nos sistemas também geraram desgaste com os lojistas da plataforma – o coração do funcionamento da Facily. A cada venda, a Facily fica com 10% do valor ou com uma taxa mínima, que varia de produto para produto. Os repasses são feitos por meio de um sistema da própria startup.

Segundo fontes ouvidas pela reportagem, alguns estabelecimentos decidiram encerrar a parceria com a Facily por não receber os valores referentes aos serviços.

O site da Facily informa que os pagamentos são feitos sempre dez dias após o fechamento do mês de vendas, mas ex-funcionários contam que há gargalos no sistema de repasses, que só teria três profissionais para realizar as análises.

Sobre os supostos débitos com lojistas e a operação manual do sistema de pagamentos, Dzodan disse desconhecer as informações. 

Terceirizada também sofreu

Os problemas da Facily não afetaram só os funcionários diretos da companhia. Um dos funcionários da i9, que preferiu não se identificar, afirmou ao Estadão que a situação entre a terceirizada e a Facily estava se deteriorando desde o começo do ano. 

A fonte relatou divergências entre postos de distribuição da startup e o sistema da empresa. Não era incomum um motorista da i9 tentar fazer a entrega de produtos em um desses pontos de retirada,e descobrir que o local não estava mais credenciado. 

Sobre o problema, Dzodan diz: “Hoje nós temos 8 mil pontos de entrega espalhados pelo Brasil. Se eventualmente algum deles deixou de existir ou teve localização alterada sem aviso prévio, foi um caso pontual. Mas vamos rever nossos processos para melhorar essa comunicação, com certeza”. Na época dos aportes, a companhia dizia ter 12 mil pontos de retirada, número que foi reduzido em um terço. 

Na i9, funcionários estão se organizando para processar a Facily por supostas inconsistências de pagamentos rescisórios e por trabalhos realizados ainda no período em que eram contratados pela terceirizada. 

Abaixo, leia a nota da i9 ao Estadão:

“No que compete à i9, é importante mencionar que a empresa envidou todos os esforços para o pagamento das verbas trabalhistas de sua competência. Vale destacar que a empresa possui um canal de atendimento à disposição de seus colaboradores e cumpre todas as normas trabalhistas vigentes.A nossa companhia atua fortemente no mercado há 12 anos, sempre representando grandes marcas, tendo como preceito a valorização de seus colaboradores, clientes e ajuda direta à sociedade, com geração de milhares de empregos. Outrossim, cumpre esclarecer que a i9 é prestadora de serviços e também é impactada por eventuais alterações de contrato com seus tomadores.”

Atualizado às 19h40 para incluir posicionamento da prestadora de serviços i9.

Em meio ao crescimento das startups brasileiras, o hipermercado digital Facily parecia ser uma das maiores histórias de sucesso no cenário recente de inovação. Em dezembro de 2021, pouco mais de três anos desde a sua fundação, a companhia atingiu o status de “unicórnio” (startup avaliada acima de US$ 1 bilhão). Por trás do título, porém, havia uma empresa com problemas, que foram expostos apenas quatro meses mais tarde, quando mais de mil pessoas foram demitidas, entre funcionários diretos e terceirizados

A Facily atua como um hipermercado digital, vendendo alimentos e produtos de limpeza por meio de um app. Para diminuir custos, a startup entrega as mercadorias em pontos de retirada, locais estratégicos onde o próprio cliente busca as compras. A cadeia simplificada atraiu fundos de investimento. 

Em novembro e dezembro de 2021, a companhia levantou US$ 385 milhões – a captação fez a Facily fechar o ano atrás apenas de pesos-pesados entre as startups nacionais em valor de mercado, como Nubank, Loft, QuintoAndar e Ebanx. Com o caixa recheado, a startup iniciou um plano de contratação massiva, inflando áreas como tecnologia e atendimento. 

Diego Dzodan fundou a Facily em 2018 após sair do Facebook Foto: Murillo Constantino

Na época dos aportes, Diego Dzodan, CEO da companhia, dava pistas sobre o crescimento da companhia. "Com os novos investimentos recebidos, a empresa irá focar na eficiência logística para acelerar as entregas dos pedidos realizados na plataforma, além de trabalhar na expansão nacional da empresa", escreveu em nota.

Porém, quatro meses depois, em 18 e 19 de abril, vieram os cortes, quando a Facily informou aos funcionários diretos que estava fazendo um plano de reestruturação. A companhia tinha o objetivo de enxugar cerca de 60% da folha de pagamento. Entre 300 e 400 funcionários diretos foram dispensados, segundo informações extra oficiais. Embora a Facily não abrisse publicamente o tamanho do seu quadro de funcionários, a companhia tinha entre 800 e 900 pessoas antes das demissões.

Entre os terceirizados, os cortes começaram ainda em março. Contratada pela startup, a i9 Xperience Center prestava serviços de atendimento e suporte logístico, e tinha mais de mil pessoas trabalhando diretamente com a startup.

Na i9 cerca de 900 pessoas ficaram sem trabalho por conta do corte de gastos: 700 delas estão em um grupo de e-mails para pessoas com contrato pessoa jurídica que circulava informações sobre a relação da i9 com a Facily. Os funcionários da terceirizada estimam ainda que cerca de 200 pessoas em regime CLT também se dedicavam ao trabalho junto à startup. 

Por e-mail, Dzodan afirmou à reportagem que os cortes foram realizados por uma “repriorização” de projetos. “Até o final do ano passado o cenário brasileiro era diferente e promissor, mas assim que entramos em 2022 já vimos que o cenário, a contenção e os avanços seriam diferentes e mais cautelosos por todos. Inclusive por conta das altas taxas de juros, a instabilidade política e social que abalou mercados e investidores de todo o mundo”, escreveu ele.

Ele não confirmou quantos funcionários foram cortados nem o tamanho da redução na folha de pagamentos. Segundo ele, todas as áreas foram “reorganizadas de acordo com a repriorização dos projetos”.

Porém, para ex-funcionários, que falaram ao Estadão na condição de anonimato (a reportagem conversou com 11 ex-empregados), havia sinais de que a companhia não havia se planejado para o novo momento. Entre eles estavam sobrecargas nos sistemas de pagamentos, desencontros de informações e problemas nas cadeias logísticas – isso sem contar nas inúmeras reclamações de clientes.

Além do grande número de pessoas entrando na empresa após os aportes, havia uma sensação, segundo os ex-funcionários, de que a distribuição dos profissionais nas áreas da startup foi aleatória. E vários contratados vieram com salários altos, pois foram captados no disputado mercado de tecnologia. Funcionários demitidos relatam que logo surgiram dúvidas sobre quanto tempo seria possível manter um time tão caro.

Segundo os ex-funcionários, as demissões se distribuíram em diferentes níveis e setores, incluindo posições seniores. Porém, o que chamou mais a atenção foi a dispensa de cerca de 150 funcionários do time de tecnologia, na contramão do mercado atual de startups. 

Dzodan refutou a ideia de mau planejamento nas contratações: “Contratamos conforme o planejamento organizacional. Os cenários nacionais e globais vão mudando e, automaticamente, projetos vão sendo repriorizados para acompanhar esse movimento.” 

Problemas desde o princípio

A Facily foi fundada em 2018 por Luciano Freitas, Vitor Zaninotto e Diego Dzodan. Atual CEO da companhia, Dzodan foivice-presidente do Facebook na América Latina entre 2015 e 2018 e ficou conhecido por, em 2016, passar uma noite preso preventivamente por se negar a fornecer à Justiça brasileira informações privadas de conversas de usuários no WhatsApp. Quando saiu da empresa de Mark Zuckerberg, o executivo percebeu oportunidades no mercado nacional de inovação. 

Além de atuar como um hipermercado digital, a Facily é também um “social commerce”, modelo no qual usuários com interesses em comum juntam-se em grupos para ganhar descontos, modelo similar ao de sites como o Groupon. Por fim, ainda buscando reduzir preços, a companhia funciona como um marketplace, onde varejistas e produtores podem vender diretamente ao consumidor, pulando intermediários e fornecedores da cadeia de suprimentos.

A cadeia simplificada atraiu fundos de investimento, mas o crescimento da startup foi acompanhado de problemas. “Nesse processo, a infraestrutura ficou para trás”, disse um dos ex-funcionários que falou ao Estadão. Erros de sistemas, por exemplo, se tornaram comuns e obrigaram a Facily a cancelar milhares de pedidos nos últimos meses. 

Com frequência, conta um ex-funcionário, era possível ver informações incorretas sobre pedidos na plataforma. Em alguns casos, os pedidos apareciam como “enviados” nos sistemas dos lojistas e como “cancelado” no sistema da startup – a inconsistência de informações fazia com que os pedidos não saíssem do lugar.

Sobre os pedidos cancelados e problemas na cadeia de distribuição, Dzodan afirma que a Facily está passando por uma reestruturação para continuar crescendo. Sobre as reclamações de entregas, ele afirma: “Temos investido fortemente para melhorar nossos processos e garantir que todos os nossos clientes sejam atendidos. Implementamos processos de controle, novas ferramentas de atendimento ao consumidor e estrutura logística para garantir agilidade nas entregas.”

Embate com Procon

Com tantos problemas, os clientes passaram a sentir também os efeitos. Com 211 mil reclamações, a empresa foi a líder no ranking do Procon-SP em 2021. Em dezembro do ano passado, a Facily afirmou que o aumento das reclamações foi resultado de seu rápido crescimento.

Os problemas começaram em maio de 2021, quando as reclamações sobre produtos não entregues ou pagamentos não feitos começaram a chegar em massa no Procon-SP. Naquele mês, a Facily foi alvo de 2.068 mil queixas, ante 223 no mês anterior. A partir daí, o número disparou. O ápice foi no mês de outubro, quando 59 mil queixas contra a empresa foram registradas no Procon-SP. 

Em novembro, a Facily firmou um acordo com o órgão para, em 30 dias, diminuir em até 80% as queixas registradas.Ao Estadão, Guilherme Farid, diretor executivo do Procon-SP, afirmou que o acordo assinado não foi cumprido na íntegra e que o órgão vai encaminhar o caso para a fiscalização. A Facily poderá receber uma multa de até R$ 12 milhões. E o problema ainda parece longe do fim. Em 2022, já são 34,3 mil queixas.

Gargalo nos pagamentos

As falhas nos sistemas também geraram desgaste com os lojistas da plataforma – o coração do funcionamento da Facily. A cada venda, a Facily fica com 10% do valor ou com uma taxa mínima, que varia de produto para produto. Os repasses são feitos por meio de um sistema da própria startup.

Segundo fontes ouvidas pela reportagem, alguns estabelecimentos decidiram encerrar a parceria com a Facily por não receber os valores referentes aos serviços.

O site da Facily informa que os pagamentos são feitos sempre dez dias após o fechamento do mês de vendas, mas ex-funcionários contam que há gargalos no sistema de repasses, que só teria três profissionais para realizar as análises.

Sobre os supostos débitos com lojistas e a operação manual do sistema de pagamentos, Dzodan disse desconhecer as informações. 

Terceirizada também sofreu

Os problemas da Facily não afetaram só os funcionários diretos da companhia. Um dos funcionários da i9, que preferiu não se identificar, afirmou ao Estadão que a situação entre a terceirizada e a Facily estava se deteriorando desde o começo do ano. 

A fonte relatou divergências entre postos de distribuição da startup e o sistema da empresa. Não era incomum um motorista da i9 tentar fazer a entrega de produtos em um desses pontos de retirada,e descobrir que o local não estava mais credenciado. 

Sobre o problema, Dzodan diz: “Hoje nós temos 8 mil pontos de entrega espalhados pelo Brasil. Se eventualmente algum deles deixou de existir ou teve localização alterada sem aviso prévio, foi um caso pontual. Mas vamos rever nossos processos para melhorar essa comunicação, com certeza”. Na época dos aportes, a companhia dizia ter 12 mil pontos de retirada, número que foi reduzido em um terço. 

Na i9, funcionários estão se organizando para processar a Facily por supostas inconsistências de pagamentos rescisórios e por trabalhos realizados ainda no período em que eram contratados pela terceirizada. 

Abaixo, leia a nota da i9 ao Estadão:

“No que compete à i9, é importante mencionar que a empresa envidou todos os esforços para o pagamento das verbas trabalhistas de sua competência. Vale destacar que a empresa possui um canal de atendimento à disposição de seus colaboradores e cumpre todas as normas trabalhistas vigentes.A nossa companhia atua fortemente no mercado há 12 anos, sempre representando grandes marcas, tendo como preceito a valorização de seus colaboradores, clientes e ajuda direta à sociedade, com geração de milhares de empregos. Outrossim, cumpre esclarecer que a i9 é prestadora de serviços e também é impactada por eventuais alterações de contrato com seus tomadores.”

Atualizado às 19h40 para incluir posicionamento da prestadora de serviços i9.

Em meio ao crescimento das startups brasileiras, o hipermercado digital Facily parecia ser uma das maiores histórias de sucesso no cenário recente de inovação. Em dezembro de 2021, pouco mais de três anos desde a sua fundação, a companhia atingiu o status de “unicórnio” (startup avaliada acima de US$ 1 bilhão). Por trás do título, porém, havia uma empresa com problemas, que foram expostos apenas quatro meses mais tarde, quando mais de mil pessoas foram demitidas, entre funcionários diretos e terceirizados

A Facily atua como um hipermercado digital, vendendo alimentos e produtos de limpeza por meio de um app. Para diminuir custos, a startup entrega as mercadorias em pontos de retirada, locais estratégicos onde o próprio cliente busca as compras. A cadeia simplificada atraiu fundos de investimento. 

Em novembro e dezembro de 2021, a companhia levantou US$ 385 milhões – a captação fez a Facily fechar o ano atrás apenas de pesos-pesados entre as startups nacionais em valor de mercado, como Nubank, Loft, QuintoAndar e Ebanx. Com o caixa recheado, a startup iniciou um plano de contratação massiva, inflando áreas como tecnologia e atendimento. 

Diego Dzodan fundou a Facily em 2018 após sair do Facebook Foto: Murillo Constantino

Na época dos aportes, Diego Dzodan, CEO da companhia, dava pistas sobre o crescimento da companhia. "Com os novos investimentos recebidos, a empresa irá focar na eficiência logística para acelerar as entregas dos pedidos realizados na plataforma, além de trabalhar na expansão nacional da empresa", escreveu em nota.

Porém, quatro meses depois, em 18 e 19 de abril, vieram os cortes, quando a Facily informou aos funcionários diretos que estava fazendo um plano de reestruturação. A companhia tinha o objetivo de enxugar cerca de 60% da folha de pagamento. Entre 300 e 400 funcionários diretos foram dispensados, segundo informações extra oficiais. Embora a Facily não abrisse publicamente o tamanho do seu quadro de funcionários, a companhia tinha entre 800 e 900 pessoas antes das demissões.

Entre os terceirizados, os cortes começaram ainda em março. Contratada pela startup, a i9 Xperience Center prestava serviços de atendimento e suporte logístico, e tinha mais de mil pessoas trabalhando diretamente com a startup.

Na i9 cerca de 900 pessoas ficaram sem trabalho por conta do corte de gastos: 700 delas estão em um grupo de e-mails para pessoas com contrato pessoa jurídica que circulava informações sobre a relação da i9 com a Facily. Os funcionários da terceirizada estimam ainda que cerca de 200 pessoas em regime CLT também se dedicavam ao trabalho junto à startup. 

Por e-mail, Dzodan afirmou à reportagem que os cortes foram realizados por uma “repriorização” de projetos. “Até o final do ano passado o cenário brasileiro era diferente e promissor, mas assim que entramos em 2022 já vimos que o cenário, a contenção e os avanços seriam diferentes e mais cautelosos por todos. Inclusive por conta das altas taxas de juros, a instabilidade política e social que abalou mercados e investidores de todo o mundo”, escreveu ele.

Ele não confirmou quantos funcionários foram cortados nem o tamanho da redução na folha de pagamentos. Segundo ele, todas as áreas foram “reorganizadas de acordo com a repriorização dos projetos”.

Porém, para ex-funcionários, que falaram ao Estadão na condição de anonimato (a reportagem conversou com 11 ex-empregados), havia sinais de que a companhia não havia se planejado para o novo momento. Entre eles estavam sobrecargas nos sistemas de pagamentos, desencontros de informações e problemas nas cadeias logísticas – isso sem contar nas inúmeras reclamações de clientes.

Além do grande número de pessoas entrando na empresa após os aportes, havia uma sensação, segundo os ex-funcionários, de que a distribuição dos profissionais nas áreas da startup foi aleatória. E vários contratados vieram com salários altos, pois foram captados no disputado mercado de tecnologia. Funcionários demitidos relatam que logo surgiram dúvidas sobre quanto tempo seria possível manter um time tão caro.

Segundo os ex-funcionários, as demissões se distribuíram em diferentes níveis e setores, incluindo posições seniores. Porém, o que chamou mais a atenção foi a dispensa de cerca de 150 funcionários do time de tecnologia, na contramão do mercado atual de startups. 

Dzodan refutou a ideia de mau planejamento nas contratações: “Contratamos conforme o planejamento organizacional. Os cenários nacionais e globais vão mudando e, automaticamente, projetos vão sendo repriorizados para acompanhar esse movimento.” 

Problemas desde o princípio

A Facily foi fundada em 2018 por Luciano Freitas, Vitor Zaninotto e Diego Dzodan. Atual CEO da companhia, Dzodan foivice-presidente do Facebook na América Latina entre 2015 e 2018 e ficou conhecido por, em 2016, passar uma noite preso preventivamente por se negar a fornecer à Justiça brasileira informações privadas de conversas de usuários no WhatsApp. Quando saiu da empresa de Mark Zuckerberg, o executivo percebeu oportunidades no mercado nacional de inovação. 

Além de atuar como um hipermercado digital, a Facily é também um “social commerce”, modelo no qual usuários com interesses em comum juntam-se em grupos para ganhar descontos, modelo similar ao de sites como o Groupon. Por fim, ainda buscando reduzir preços, a companhia funciona como um marketplace, onde varejistas e produtores podem vender diretamente ao consumidor, pulando intermediários e fornecedores da cadeia de suprimentos.

A cadeia simplificada atraiu fundos de investimento, mas o crescimento da startup foi acompanhado de problemas. “Nesse processo, a infraestrutura ficou para trás”, disse um dos ex-funcionários que falou ao Estadão. Erros de sistemas, por exemplo, se tornaram comuns e obrigaram a Facily a cancelar milhares de pedidos nos últimos meses. 

Com frequência, conta um ex-funcionário, era possível ver informações incorretas sobre pedidos na plataforma. Em alguns casos, os pedidos apareciam como “enviados” nos sistemas dos lojistas e como “cancelado” no sistema da startup – a inconsistência de informações fazia com que os pedidos não saíssem do lugar.

Sobre os pedidos cancelados e problemas na cadeia de distribuição, Dzodan afirma que a Facily está passando por uma reestruturação para continuar crescendo. Sobre as reclamações de entregas, ele afirma: “Temos investido fortemente para melhorar nossos processos e garantir que todos os nossos clientes sejam atendidos. Implementamos processos de controle, novas ferramentas de atendimento ao consumidor e estrutura logística para garantir agilidade nas entregas.”

Embate com Procon

Com tantos problemas, os clientes passaram a sentir também os efeitos. Com 211 mil reclamações, a empresa foi a líder no ranking do Procon-SP em 2021. Em dezembro do ano passado, a Facily afirmou que o aumento das reclamações foi resultado de seu rápido crescimento.

Os problemas começaram em maio de 2021, quando as reclamações sobre produtos não entregues ou pagamentos não feitos começaram a chegar em massa no Procon-SP. Naquele mês, a Facily foi alvo de 2.068 mil queixas, ante 223 no mês anterior. A partir daí, o número disparou. O ápice foi no mês de outubro, quando 59 mil queixas contra a empresa foram registradas no Procon-SP. 

Em novembro, a Facily firmou um acordo com o órgão para, em 30 dias, diminuir em até 80% as queixas registradas.Ao Estadão, Guilherme Farid, diretor executivo do Procon-SP, afirmou que o acordo assinado não foi cumprido na íntegra e que o órgão vai encaminhar o caso para a fiscalização. A Facily poderá receber uma multa de até R$ 12 milhões. E o problema ainda parece longe do fim. Em 2022, já são 34,3 mil queixas.

Gargalo nos pagamentos

As falhas nos sistemas também geraram desgaste com os lojistas da plataforma – o coração do funcionamento da Facily. A cada venda, a Facily fica com 10% do valor ou com uma taxa mínima, que varia de produto para produto. Os repasses são feitos por meio de um sistema da própria startup.

Segundo fontes ouvidas pela reportagem, alguns estabelecimentos decidiram encerrar a parceria com a Facily por não receber os valores referentes aos serviços.

O site da Facily informa que os pagamentos são feitos sempre dez dias após o fechamento do mês de vendas, mas ex-funcionários contam que há gargalos no sistema de repasses, que só teria três profissionais para realizar as análises.

Sobre os supostos débitos com lojistas e a operação manual do sistema de pagamentos, Dzodan disse desconhecer as informações. 

Terceirizada também sofreu

Os problemas da Facily não afetaram só os funcionários diretos da companhia. Um dos funcionários da i9, que preferiu não se identificar, afirmou ao Estadão que a situação entre a terceirizada e a Facily estava se deteriorando desde o começo do ano. 

A fonte relatou divergências entre postos de distribuição da startup e o sistema da empresa. Não era incomum um motorista da i9 tentar fazer a entrega de produtos em um desses pontos de retirada,e descobrir que o local não estava mais credenciado. 

Sobre o problema, Dzodan diz: “Hoje nós temos 8 mil pontos de entrega espalhados pelo Brasil. Se eventualmente algum deles deixou de existir ou teve localização alterada sem aviso prévio, foi um caso pontual. Mas vamos rever nossos processos para melhorar essa comunicação, com certeza”. Na época dos aportes, a companhia dizia ter 12 mil pontos de retirada, número que foi reduzido em um terço. 

Na i9, funcionários estão se organizando para processar a Facily por supostas inconsistências de pagamentos rescisórios e por trabalhos realizados ainda no período em que eram contratados pela terceirizada. 

Abaixo, leia a nota da i9 ao Estadão:

“No que compete à i9, é importante mencionar que a empresa envidou todos os esforços para o pagamento das verbas trabalhistas de sua competência. Vale destacar que a empresa possui um canal de atendimento à disposição de seus colaboradores e cumpre todas as normas trabalhistas vigentes.A nossa companhia atua fortemente no mercado há 12 anos, sempre representando grandes marcas, tendo como preceito a valorização de seus colaboradores, clientes e ajuda direta à sociedade, com geração de milhares de empregos. Outrossim, cumpre esclarecer que a i9 é prestadora de serviços e também é impactada por eventuais alterações de contrato com seus tomadores.”

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