Desde 1965, quando o fundador da Intel, Gordon Moore, publicou sua profecia sobre a evolução dos chips, conhecida como Lei de Moore, a indústria dos computadores segue o mesmo ritmo: a cada um ano e meio, o número de transistores dentro de um único chip dobra, aumentando o desempenho das máquinas e reduzindo o consumo de energia. A máxima, porém, está com os dias contados. Os transistores dos chips mais avançados já chegaram ao tamanho de 10 nanômetros e, se diminuírem muito mais que isso, podem parar de funcionar. Isso pode fazer os computadores pararem no tempo pela primeira vez desde que foram criados.
“Há uma preocupação de que a computação como conhecemos entre em colapso”, diz o líder do grupo de Computação Quântica do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e fundador da startup StrangeWorks, o americano William Hurley, o “whurley”, em entrevista ao Estado. “Um dia, a forma como desenvolvemos chips não vai mais funcionar.”
A academia e a indústria não estão esperando essa crise chegar de braços cruzados. Na última década, pesquisadores de todo o mundo e gigantes de tecnologia, como a IBM e o Google, têm investido milhões de dólares na criação dos chamados computadores quânticos. Quando estiverem prontas, essas máquinas serão capazes de fazer, mais rápido e com menor consumo de energia, alguns tipos de cálculo que mesmo supercomputadores de hoje não dão conta.
“A computação clássica é ineficiente para processar cálculo molecular, como analisar o comportamento de uma proteína ou desenvolver uma nova droga”, explica o pesquisador do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) Renato Portugal. Outro exemplo está na meteorologia: hoje, só é possível prever com exatidão o clima para os próximos dois dias. “Depois disso, há muita imprecisão, devido às limitações computacionais”, diz.
Fundamentos. A computação quântica funciona melhor para analisar e simular fenômenos naturais, porque se baseia nos conceitos da Mecânica Quântica – ramo da Física que estuda o comportamento de moléculas, átomos, elétrons e outras partículas subatômicas. Na computação clássica, toda e qualquer informação é armazenada ou processada na forma de bits – que podem ser representados por 0 ou 1. Mas, na quântica, os chamados qubits podem assumir inúmeros estados entre 0 e 1, num fenômeno chamado superposição.
“Nos computadores quânticos, é como se a corrente pudesse passar por um transistor e não passar, ao mesmo tempo”, diz Ivan Santos, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e doutor em Física pela Universidade de Oxford, na Inglaterra. Esse conceito é algo que vai totalmente contra nossa intuição.” Essa característica faz a velocidade de processamento atingir níveis exponenciais – segundo os pesquisadores ouvidos pelo Estado, não é possível comparar, em termos de medição, o desempenho dos computadores clássicos e quânticos, já que têm naturezas diferentes.
Testes. O desenvolvimento dos computadores quânticos se acelerou desde 2016, quando a IBM anunciou uma máquina com processador de 5 qubits e passou a permitir que pesquisadores de todo o mundo a testem por meio de seu site. Em novembro do ano passado, a companhia liberou o acesso a uma segunda máquina, com processador de 20 qubits – já há um terceiro computador, de 50 bits, em testes internos.
“Mais de 3 milhões de experimentos já foram feitos e 75 artigos científicos publicados desde 2016”, diz o diretor do laboratório de pesquisas da IBM Brasil, Ulisses Mello. “As universidades estão usando nossos computadores quânticos por meio da nuvem e agora passamos a permitir o uso também por startups.”
O Google, que começou fazendo experimentos com máquinas de terceiros, anunciou em março deste ano a criação de um processador de 72 qubits. Como o computador ainda não está disponível para testes, o anúncio é visto com ceticismo pela comunidade acadêmica. “Uma coisa é falar e outra é entregar”, afirma Portugal. Procurado pelo Estado, o Google não concedeu entrevista sobre o projeto.
Mesmo as máquinas que já estão operando têm uma série de limitações. Por ora, elas só permitem o processamento de simulações e algoritmos simples e que sejam rápidos de processar, já que é difícil manter o computador quântico estável – segundo o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luís da Cunha Lamb, membro da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), o sistema permanece funcionando por cerca de 90 milissegundos. "Piscar os olhos leva mais tempo", diz. "É como se você tivesse o carro mais rápido do mundo nas mãos, mas ele só andasse cinco metros de cada vez."
Além disso, para o sistema funcionar, a temperatura tem de ser mantida muito baixa: -272,99ºC (ou 0,01 miliKelvin), temperatura mais baixa que no espaço. “Esses computadores têm de ficar num ambiente onde não haja nenhuma interferência, nenhuma troca de energia”, explica Portugal. “Somente nessa temperatura é que as propriedades quânticas dos materiais se manifestam.”
Por isso, os computadores quânticos, por enquanto, ficam apenas em laboratórios especializados e não há plano de criar uma versão de mesa ou portátil, como um notebook ou smartphone. O plano das companhias que investem na tecnologia é comercializar a capacidade das máquinas como serviço, como é comum atualmente em serviços de computação em nuvem.
A resolução dos desafios técnicos depende, em grande parte, da própria existência da computação quântica. É por meio dela que pesquisadores vão entender melhor como se manifestam os fenômenos quânticos e, em última medida, como controlá-los. “Eles vão propiciar o estudo de novos materiais, que um dia podem permitir a criação de máquinas que façam na temperatura ambiente o que hoje só é feito em baixíssimas temperaturas”, diz Santos.
Procuram-se desenvolvedores. Não são só desafios técnicos que a computação quântica precisa superar para se tornar realidade. Há quem tema um ‘apagão’ de desenvolvedores, quando ela chegar à fase comercial.
É para resolver isso que o empreendedor americano William Hurley, o “whurley”, fundou, em março, a startup StrangeWorks. A empresa, que tem sete funcionários, se dedica a criar ferramentas para facilitar a criação de programas para os desenvolvedores acostumados a programar para computadores clássicos.
“Quero que milhões de pessoas possam ‘brincar’ com essas máquinas”, diz whurley.