A arquiteta paulistana Marcia Monteiro, fundadora da startup Upik, lançou o serviço Arquiteto de Bolso no ano passado. Ele funciona dentro do aplicativo de mensagens instantâneas Facebook Messenger: depois de um robô virtual cadastrar o interessado, um arquiteto dá orientações sobre como reformar sua residência – a uma fração do preço geralmente cobrado no mercado. Em apenas cinco meses, a startup conseguiu fechar contratos com grandes varejistas de construção, como Leroy Merlin e C&C. A atenção do mercado ajudou Marcia a levantar R$ 350 mil para financiar a startup.
Marcia é exemplo de um grupo de mulheres brasileiras que está tomando a dianteira de startups no País. Apesar de os homens ainda representarem 74% da força de trabalho dessas empresas, de acordo com pesquisa da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) em parceria com a consultoria Accenture, elas não têm se intimidado.
O lançamento do Arquiteto de Bolso encerrou um longo caminho para a Upik, que nasceu offline. Quando Marcia abandonou o escritório de arquitetura onde trabalhava, em 2015, para fundar a empresa, ela colocou um trailer na rua para atender quem estava reformando a casa. Havia demanda, mas, em um ano, só atendeu 130 pessoas.
Para ampliar o negócio, só abraçando a internet. Assim, Marcia participou de um programa de aceleração de startups e, com orientação, transformou o serviço. “Percebi que deveríamos apostar em tecnologia, então abandonei o escritório móvel”, conta Marcia. Desde então, o número de clientes atendidos pela Upik subiu para 480.
Isso só foi possível graças a muito suor e foco. Ao contrário de muitos empreendedores que podem trabalhar até às 22 horas todos os dias, Márcia não pode se dedicar tanto tempo, já que tem responsabilidades com a família. “Empreender é muito pesado, até para homens”, diz ela. “Mas as mulheres ainda têm que conciliar a vida em casa, têm de levar os filhos para a escola.”
Para o cofundador da aceleradora Ace, Mike Ajnsztajn, que apoiou a startup na “virada”, a Upik está crescendo graças à capacidade de gestão de Marcia. Segundo ele, ela está na lista de “mulheres que fazem o trabalho equivalente ao de 20 homens”.
Participação
Marcia não é exceção. Ao longo dos últimos anos, têm crescido o número de mulheres que tiraram suas startups do papel. De acordo com a Ace, em 2017, o número de empresas fundadas por mulheres que foram aceleradas por lá passou para 29% do total – há cinco anos, a participação feminina nos programas era de 25%.
Segundo Ajnsztajn, esse foi um dos efeitos positivos da crise econômica: mais pessoas decidiram empreender, inclusive mulheres. “Também acho que é um reflexo do empoderamento feminino”, afirma ele. “As mulheres estão lutando por melhores salários e querem superar os desafios da desigualdade.”
Para quem está no front, a sensação é parecida. “Em 2009, quando fui contratada pela primeira vez em uma startup, era vista como uma alienígena pelas minhas amigas”, conta a mineira Roberta Vasconcellos, de 30 anos, cofundadora e presidente executiva da startup Beer or Coffee. Na época, só havia mais uma mulher na empresa.
Na própria Beer or Coffee, que fundou em 2016 com o irmão Pedro Vasconcellos, o time já destoa da média brasileira. Dos treze funcionários da startup, sete são mulheres. O aplicativo, que oferece um passe livre em 400 espaços de trabalho compartilhado (coworkings) pelo País, já conta com 80 mil assinantes.
Para a empreendedora, ainda há vários paradigmas a serem quebrados pelas mulheres no ambiente de inovação, mas pesquisas recentes, como a do Boston Consulting Group, mostram que startups lideradas por mulheres são competitivas e até mesmo trazem resultados melhores em longo prazo.
“Acho que a mulher tem uma capacidade extraordinária de inovar e de gerenciar negócios, pois somos naturalmente multitarefa”, afirma Márcia Malaquias, diretora de operações e cofundadora da startup Alluagro, que usa geolocalização para fazer a ponte entre donos de máquinas agrícolas e produtores rurais.
Mesmo trabalhando em um ambiente tradicionalmente masculino, ela diz não sentir dificuldades por ser mulher. “Ao entrar no mercado, vi que não era tão complicado”, conta. “Ganhei a confiança dos prestadores de serviço.”
Tecnologia
Embora elas estejam se destacando na liderança, ainda existem áreas das startups em que ainda é difícil ver mulheres, como as fortemente ligadas ao desenvolvimento de tecnologia. Trata-se de um reflexo do baixo número de profissionais do sexo feminino que se formam nessa área. De acordo com a ONU Mulheres, apenas 18% dos graduados em Ciências da Computação no mundo são mulheres. “Culturalmente, a informática sempre foi vista como uma profissão para homens”, diz Ajnsztajn, da Ace. Segundo ele, a maior parte das empreendedoras que conhece não são formadas em Computação.
Nicolle Stad, presidente da Inti, que oferece uma plataforma de venda de assinaturas e ingressos, conta que dos nove funcionários da startup, somente três são mulheres, incluindo a presidente. “Todos os programadores são homens. Não cheguei a receber nenhum currículo de mulher para os cargos de tecnologia”, afirma.
Ela, por exemplo, é formada em Administração e deixou uma carreira no varejo para fundar a Inti, que focou na área de cultura e lazer. “Nossa plataforma se parece com o site do cliente, assim é mais fácil para ele manter o engajamento e coletar dados sobre seu público”, explica a empreendedora.
Hoje, a startup gerencia o programa de parceria do Masp, do Museu de Arte do Rio, do Inhotim e cuida até do passaporte para o torcedor do Palmeiras do Allianz Parque. “No primeiro ano, processamos R$ 10 milhões em transações e, no segundo, R$ 24 milhões”, diz ela, orgulhosa. “Nossa meta é bater R$ 70 milhões em 2018.”