Aportes milionários, contratações e expansão acelerada: nos últimos anos, as startups brasileiras se acostumaram a um ambiente de bonança. Porém, uma luz amarela se acendeu nas últimas semanas. Três “unicórnios” (startups avaliadas acima de US$ 1 bilhão) realizaram demissões em massa — antes deles, a LivUp também diminuiu pessoal. Mais do que um ajuste pontual de negócios, os cortes indicam ventos desfavoráveis no horizonte dessas empresas nacionais de tecnologia.
Embora nossas startups tenham sido impulsionadas na pandemia, o cenário internacional atual tem novos elementos. A alta global nos juros básicos e a guerra na Ucrânia assustam os mercados internacionais, que buscam ativos seguros e têm menos apetite por risco. Em outras palavras, os fundos de investimento, que enchem o tanque das nossas startups, deixam de ser tão atrativos. Assim, há menos capital para que elas possam manter o crescimento dos anos anteriores.
É aí que entram as demissões. “Essas companhias não vão conseguir levantar novas quantias enormes de dinheiro em futuras rodadas, porque a janela de captação está mais difícil. E aí as startups precisam fazer ajustes para passar pela tempestade com dinheiro no caixa”, explica Amure Pinho, cofundador da plataforma Investidores.vc. “Estamos em um momento de desaceleração.”
Analistas e investidores apontam que todo o segmento de startups, que vai dos pequenos empreendedores aos bilionários fundos de investimento do mundo, ganhará um perfil menos empolgado e mais cauteloso. De um lado, será mais difícil levantar capital; do outro, os cheques devem ser avaliados na minúcia antes de serem assinados.
“Muitos dos aportes nos últimos anos apostavam em uma possibilidade de o negócio ser grande no futuro. Agora, os investidores preocupam-se mais com a estratégia da empresa”, diz Pedro Waengertner, da ACE. “Os fundamentos do mundo dos negócios tornam-se mais importantes do que eram há um tempo.”
Para Pinho, o efeito é um só: “O mercado de startups vai ficar mais racional”.
Unicórnios devem ser os mais afetados
Claro, o Brasil não está isolado. Os Estados Unidos registraram cerca de 2 mil demitidos somente no mês de março, segundo o site The Information. Na Índia, foram 2,7 mil dispensas ao longo de 2022, segundo o site Business Insider. Por aqui, as demissões somam ao menos 720 pessoas, segundo levantamento do Estadão — o número, porém, pode ser muito maior: na Facily, estima-se que mil terceirizados também tenham sido afetados.
Em todo o mundo, os maiores candidatos a cortes bruscos são unicórnios. Essas empresas costumam pisar no acelerador e tornam-se mais vorazes por dinheiro para queimar caixa e acelerar o crescimento. Não à toa, nos últimos anos, levantaram rodadas de centenas de milhões de dólares. No caso brasileiro, a situação se agrava, pois as megarrodadas são financiadas quase exclusivamente por fundos internacionais, mais sensíveis a fatores externos ao nosso mercado.
“Hoje, entendemos que vale mais crescer de forma sustentável do que o crescimento explosivo desordenado. Fazemos pressão para ser mais eficiente, e não para crescer mais rápido”, explica Fred Guesser, sócio do fundo de investimento Caravela Capital, que prevê que a crise deve durar, ao menos, até o início de 2023.
Ou seja, é hora de apertar os cintos. “Agora estamos vendo uma correção, em que as empresas passam a adotar uma postura de mais controle sobre caixa e precisam apresentar resultados positivos mais rapidamente”, diz Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups.
Rebaixamento
Com isso, já estão também no horizonte os “downrounds”: rodadas com cheques menores e, principalmente, avaliações de mercado alteradas para baixo. Na prática, algumas startups podem perder o “chifre de unicórnio”, voltando a ser “cavalos comuns” na pista de corrida. Atualmente, o Brasil conta com 23 startups do tipo.
Além disso, o nascimento de novos unicórnios também deve cair. No ano passado, nove companhias atingiram o status no País — neste ano, apenas a fintech Neon chegou lá, após um aporte de US$ 300 milhões.
“Todas as startups estão parando para rever como crescer mais e ganhar musculatura neste momento”, explica Waengertner, da ACE.
Nem tão ruim para os pequenos
Enquanto os unicórnios parecem ameaçados, a expectativa para as startups menores parece mais positivo. Renato Valente, sócio do Iporanga Ventures, acredita que a crise de 2022 não deve ser um solavanco total no segmento: “Ainda existem fundos globais capitalizados no Brasil, e a América Latina é um cenário muito quente para o ecossistema.”
Além disso, as companhias menores, ainda em suas primeiras rodadas, têm apoio maior dos fundos nacionais, voltados para apostas de longo prazo. Isso significa que as apostas feitas por essas firmas olham menos para fatores do momento.
As pequenas também conseguem outras vantagens: ao operar naturalmente com menos recursos, elas sabem otimizar melhor os aportes recebidos, com mais foco e resiliência — algo que agrada investidores mais receosos.
Outro elemento que passa a jogar a favor é a disponibilidade de mão de obra. “Quando startups grandes demitem muita gente, abrem uma oportunidade para as menores pegarem esse talento que foi desligado”, diz Guesser. “Mas isso precisa ser feito de forma racional, e não com centenas de contratações por semana.”