A Kavak, startup mexicana de compra e venda de veículos usados, anuncia nesta quarta, 6, a expansão para mais três países da América Latina: Chile, Peru e Colômbia. A empresa planeja investimento de US$ 120 milhões para 2022 e 2023 nos novos mercados, com cada país recebendo cerca de US$ 40 milhões e estoque de 500 veículos.
Há um ano, a expansão seria motivo de fanfarra, mas a Kavak deixou um rastro de perguntas no Brasil, mercado no qual a companhia prometeu investir R$ 2,5 bilhões nos próximos dez anos. Em junho, a maior startup da América Latina (avaliada em US$ 8,7 bilhões) realizou duas rodadas de demissões em São Paulo e Rio de Janeiro, seus dois maiores mercados no País.
Segundo apurou o Estadão, foram pelo menos 300 desligamentos, número que a empresa não confirma. Entre os desligados, houve reclamações sobre a condução do processo e até questionamentos sobre as escolhas em marketing — a Kavak, por exemplo, virou patrocinadora da Confederação Brasileira de Futebol.
Quem comandou essa reestruturação foi Roger Laughlin, cofundador e CEO da empresa no País. Ao Estadão, o venezuelano falou com exclusividade sobre o momento da companhia, o mercado brasileiro e os planos para o futuro. Pela primeira vez, ele também falou sobre os cortes na startup. Confira os melhores momentos.
O que significa a entrada nos três novos mercados após os cortes no Brasil?
Temos uma ambição global de ser o maior player de carros usados no mundo e estamos muito focados em mercados emergentes. Os problemas que resolvemos em todos esses lugares são muito parecidos, como fraudes, investimento de tempo, baixa penetração de financiamento, falta de informações, de segurança e de confiança. O nosso momento financeiro está ‘ok’ e por isso decidimos continuar com a expansão.
O investimento nesses novos mercados teve que ser reduzido por conta do atual momento econômico global?
No contexto global atual, estamos procurando mais eficiência e produtividade e queremos acelerar nosso plano de tecnologia e produto. Queremos fazer mais com menos. Fizemos uma captação recente e a nossa saúde financeira é boa, mas a gente precisou se adaptar. Agora, decidimos priorizar nossas eficiências e pilares econômicos e maximizar nossos investimentos do ponto de vista de pessoas, infraestrutura e inventário.
Em 2021, o mercado de carros usados encolheu e os primeiros meses de 2022 também indicam retração. A Kavak se decepcionou com o mercado brasileiro?
Temos visto isso em todos os mercados. É natural da situação macro, que tem inflação. Tem também o efeito da pandemia, no qual os carros usados permaneceram valorizados por mais de um ano. Dito isso, o mercado (brasileiro) continua gigante, com potencial muito grande. A desaceleração é pequena em relação ao tamanho, mas temos tentado nos adaptar, reduzindo preços e reforçando elementos da nossa proposta de valor, como a garantia de dois anos, o produto de garantia e manutenção e o financiamento. A situação econômica não é a ideal, mas o momento é bom para comprar um carro. A tabela Fipe vem tendo depreciação e o mercado de carros novos não acordou. Além disso, o carro usado é muito resiliente a crises. Colocar dinheiro nisso pode ser uma forma de proteger o capital.
Quando o sr. imagina um movimento de retomada do mercado de usados?
O primeiro trimestre foi difícil para o setor automotivo e abril foi pior ainda. Maio e junho já começaram a dar sinais de recuperação. Estamos otimistas para o segundo semestre, apesar de algumas variáveis fora do controle. Os índices de aprovação de crédito automotivo já começaram a aumentar. Achamos que 2023 será bastante positivo para o setor de carros usados.
A Kavak parou de comprar carros, pois os estoques estão parados?
A decisão de comprar menos era para garantir que estamos de acordo com o momento do mercado. Queremos ter o melhor mix de veículos para garantir a rotação. Quanto mais a gente consegue vender, mais a gente consegue comprar. E o que temos agora é suficiente. A gente estava comprando tendo em mente que abriríamos novos mercados no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. E a previsão de vendas era diferente.
As demissões estavam ligadas à operação de compra de veículos?
Fizemos um redimensionamento em todas as áreas. A gente tinha contratado pensando em uma escala que não vai acontecer. Foi uma adaptação do tamanho da Kavak para conseguir navegar da forma mais saudável possível.
Noticiamos duas rodadas de demissões. Há mais cortes previstos?
Os ajustes que precisávamos fazer já foram feitos de uma vez só. Naturalmente, nós temos uma nota de corte alta, que resulta em cortes por performance. Isso garante que temos as melhores pessoas e vai continuar acontecendo.
Qual foi o tamanho do ajuste?
Não posso abrir esse número.
A Kavak fez investimentos altos em marketing e depois fez demissões, o que causou insatisfação interna entre os funcionários. Como a empresa está lidando com quem ficou?
É preciso ser muito empático e cuidadoso com as pessoas que saíram. Depois, o foco precisa ser 200% nos que ficam. O que temos feito é sermos muito abertos com os times. Tenho investido muito do meu tempo explicando o que fizemos. Temos adotado uma estratégia de democratizar o nosso plano para os próximos meses. Temos tentado promover um valor que é o “senso de dono”: quais as implicações de ser o dono de um negócio para o bem e para o mal. É algo que ajuda a entender o porquê temos que tomar decisões difíceis que, no curto prazo, não são populares. No final, acho que o time entendeu que foram decisões necessárias pensando na saúde do negócio, em proteger os que ficaram e também no consumidor. Continuaremos a maximizar os investimentos que fizemos.
Houve reclamações entre os ex-funcionários que indicam falta de empatia no processo de desligamento. Vocês avaliaram como isso foi feito?
Eu não consigo responder de forma clara, pois é difícil entrar no mérito da percepção das pessoas. Viver essa situação é muito difícil e respeito todas essas pessoas. A impressão que uma pessoa tem é difícil de controlar. Como todas as coisas que fazemos na Kavak, temos autocrítica e fizemos uma análise. Conversamos também com as pessoas que saíram para tentar entender o momento deles e tentamos executar tudo da forma mais empática possível. Preparamos um pacote de benefícios bastante diferente, o que inclui extensão do plano de saúde por seis meses e extensão do valor da cesta básica.
Vocês tiveram ajuda de consultoria externa para esse momento?
Não contratamos consultoria externa, mas falamos com diferentes especialistas do mercado. Essas vozes deram algumas opiniões e tentamos utilizar o melhor contexto possível para tomar as decisões. Avaliamos diferentes cenários e estudamos a melhor forma de fazer o que fizemos. Esse tipo de momento precisa ser feito com empatia e cuidado. E precisa ser feito pela empresa, não por uma consultoria externa.
A retração do mercado de capitais atrapalhou os planos para o médio prazo? Havia planos de uma nova captação?
Fizemos uma captação recente e estamos numa ótima posição para executar os planos dos próximos 24 meses. Não temos captações previstas nem no curto ou no médio prazo. Depois da forte expansão, já fazia parte do nosso plano uma virada para levar o nosso negócio para a rentabilidade. O momento atual acelera o nosso planejamento.
Até pouco tempo atrás não se falava de rentabilidade. A Kavak já opera no azul?
O negócio precisa ser saudável. Em linhas gerais, você precisa gerar mais receita do que custos. Nos últimos três anos, a onda de venture capital pode ter sido um pouco irreal para muitos empreendedores que se lançaram no período. A gente começou a Kavak há seis anos, no México, em um cenário completamente diferente. Não tinha venture capital nessa época por lá. Fomos os primeiros a levantar uma rodada, no valor de US$ 3 milhões, um número que não existe mais. Nascemos olhando para a nossa saúde financeira, pois ele é intensivo em capital e infraestrutura. Sempre tivemos um negócio disciplinado do ponto de vista econômico.