Em meio ao “inverno das startups”, período no qual empresas de tecnologia passaram a demitir funcionários e a desacelerar o ritmo de crescimento após o boom na pandemia, gestoras de investimentos preparam a próxima safra de startups — embora as avaliações estejam menores e o cenário macroeconômico permaneça desafiador.
A Igah Ventures está nessa turma: a gestora começou a captar um novo fundo de US$ 150 milhões para investir em até 20 startups brasileiras a partir do segundo semestre de 2023. Esse é o quarto fundo da gestora, nascida da união da entre.Bricks Ventures e Joá Investimentos — o time de sócios é composto por Pedro Melzer e Márcio Trigueiro, Thiago Maluf e Camila Sangali.
“Os próximos dois anos serão os melhores para a nossa safra”, conta Melzer no escritório da Igah, na Vila Nova Conceição, em São Paulo, em entrevista ao Estadão. No mercado de capital de risco desde 2010, quando voltou ao Brasil após trabalhar na Apple, Melzer foi um dos primeiros investidores do iFood, da Ingresse e da Contabilizei.
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No novo fundo, o quarto da firma, a Igah busca startups de fundadores com alguma experiência em empreendedorismo. Para a gestora, buscar esses empresários mais experientes é uma forma de mitigar eventuais riscos do investimento, algo tido como estratégico por Melzer em tempos de instabilidade no mercado.
Além disso, assim como nos fundos anteriores, a gestora não investe em segmentos específicos. Como se diz no mercado, a tese é agnóstica: os cheques poderão ser direcionados a fintechs (startups de finanças), edutechs (de educação), healthtechs (de saúde) e outras áreas.
“O Brasil ainda não tem massa crítica para ter fundos dedicados a segmentos específicos”, diz Melzer, comparando o mercado com o americano. Ainda assim, a Igah dedica olhar especial a startups que atendam pequenas e médias empresas, com plataformas escaláveis. “É um mercado gigantesco por aqui.”
Pedro Melzer, sócio da Igah Ventures
Por fim, os cheques devem atingir a cifra de até US$ 8 milhões, diz Melzer, acrescentando que o objetivo do novo fundo é liderar rodadas do tipo série A — nomenclatura que se refere a startups em estágio inicial, mas que já testaram o produto e agora querem ganhar escala.
Os aportes não devem ficar restritos à série A, porém. A Igah, cujo nome significa “semente” no Paiter Surui (variação do tupi), diz que quer investir em companhias do tipo “seed” (quando ainda estão em fase de validação do serviço) até a série B, etapa mais madura, na qual já começam a se formar os “unicórnios”.
Otimista, Melzer afirma que as turbulências sentidas hoje devem filtrar o mercado de inovação. “Vai ficar mais fácil encontrar gente boa. O empreendedor que resolve um problema gigante não vai ser parado por uma alta na inflação. É esse o empresário que a gente quer”, diz o gestor.
Foco na etapa inicial
Hoje, o portfólio da Igah traz 29 startups de diversos segmentos. Entre eles estão o “unicórnio” Unico, dedicado a serviços antifraude e avaliado em US$ 2,6 bilhões em 2021; a companhia de compra e venda de imóveis EmCasa, competidora de QuintoAndar e Loft; e a startup de cursos na área de saúde Sanar.
A Igah foca no segmento batizado de “early-stage”, em que startups ainda em estágio inicial se preparam para ganhar escala no mercado. Em 2022, enquanto os “unicórnios” desaceleraram, essa categoria tem atraído ainda mais olhares de investidores, que mostrou-se até aqui mais resiliente à crise econômica.
Segundo dados da plataforma Distrito, no primeiro semestre deste ano, essas startups em estágio inicial levantaram US$ 1,7 bilhão em investimento, alta de 22% em relação ao mesmo período do ano passado. O relatório indica que os investimentos continuam em expansão desde 2019, mesmo com pandemia, alta nos juros e guerra na Ucrânia.
Além da Igah, outros nomes estão de olho nesse segmento e já se preparam para os próximos anos. Em junho passado, a Maya Capital, gestora de Monica Saggioro e Lara Lemann, abriu um fundo de US$ 100 milhões para investir em startups em estágio inicial da América Latina — no portfólio, há “unicórnios” como a mexicana Merama e a chilena NotCo.
Além disso, o conglomerado japonês SoftBank é um dos parceiros estratégicos da firma Upload Ventures, nascida neste ano com capital de mais de US$ 100 milhões.
Para a Igah, existe bastante mercado para atuar no Brasil. “Nos últimos 12 meses, chegaram mil negócios a nós, mas só fizemos investimentos em treze”, diz Melzer. “A roda da inovação continua girando.”
3 perguntas para Pedro Melzer, sócio da Igah Ventures
Apesar da tese generalista da Igah, quais setores podem despontar nos próximos anos?
Pequenas e médias empresas são muito mal servidas no Brasil. Soluções de plataformas escaláveis, com menos interação e mais possibilidade de servir à distância são um mercado gigantesco no Brasil. Nosso investimento na Contabilizei liderava justamente com isso. Outro tema é cibersegurança, com uma série de especializações. É atemporal e veio para ficar, com mais soluções específicas dentro desse tema, como diagnóstico e antifraudes. Já no sistema financeiro, estamos menos animados com as fintechs de crédito devido ao cenário de alta dos juros e ao cenário macro, mas vemos com bons olhos soluções de banking as a service e infraestrutura. Por fim, na área de saúde, vemos oportunidades e muita atratividade.
No cenário macroeconômico de alta dos juros e alta na inflação, como garantir que a próxima safra de investidas seja boa?
Passamos por uma depuração, que nos deixa um mercado mais sofisticado em todas as dimensões. Em uma ponta, temos menos investidores com visão de longo prazo, onde fatores macroeconômicos não mudam a direção da tese de investimento. Vai ficar mais fácil encontrar gente melhor, porque o empresário oportunístico não vai empreender agora, enquanto aquele que quer resolver um problema gigante não vai ser brecado por uma alta na inflação. E é esse que a gente quer. Queremos estar prontos para encontrar esses empreendedores. Hoje, temos um mercado mais consciente da importância das startups, o brasileiro é grande adepto à tecnologia e continuamos com um país ineficiente. Vai ser a nossa melhor safra, com empreendedores mais sofisticados e sérios, com investidores de longo prazo e preços adequados em relação a 2020 e 2021.
Até quando deve durar o “inverno das startups”?
Hoje, o Brasil tem vários elementos para se recuperar antes dos Estados Unidos, tanto no macroeconômico quanto na inovação. A recuperação da atividade de venture capital deve acontecer antes do mercado americano, por volta do primeiro semestre de 2023. Lá, eles estavam muito mais agressivos do que aqui, com valuations altos. E aqui a situação macroeconômica está mais protegida, porque temos capacidade de navegar com inflações altas. Dito isso, o cenário geral não está parado, porque o mercado continua girando com investimentos em startups. Vamos ter números maiores que 2019, mas menores do que 2021.