Após demitir funcionários no Rio de Janeiro e em São Paulo, a Kavak, de compra e venda de automóveis seminovos, voltou a fazer nova rodada de desligamentos nesta semana. Segundo apurou o Estadão, pelo menos mais 150 dispensas foram realizadas na operação paulista da startup mexicana - no total, cerca de 300 pessoas já foram demitidas. Procurada, a Kavak preferiu não comentar.
Segundo ex-funcionários ouvidos pela reportagem, mecânicos, monitores de processo e motoristas foram atingidos nos cortes - é um movimento que repete o processo da semana passada. No último corte em massa, setores como mecânica, inspeção, detalhamento, conteúdo, operações e compras tiveram funcionários afetados.
Segundo os demitidos, os cortes seriam motivados pela diminuição de turno da empresa. Desde janeiro, a Kavak operava 24 horas por dia, dividindo seus funcionários em quatro turnos. Em junho, voltou a operar apenas durante o dia, em horário administrativo, o que encerra dois turnos na operação. Ainda, a justificativa da empresa, de acordo com as fontes, foi de que não havia demanda de funcionários para o trabalho atual na startup.
Maior startup da América Latina, a mexicana Kavak é um “unicórnio” (startup avaliada em mais de US$ 1 bilhão) com operação no Brasil, Argentina e no México. Com sede principal na Cidade do México, a operação brasileira é capitaneada pela matriz de São Paulo, onde abriga, além das unidades de vendas, escritórios de operações logísticas e de marketing.
São Paulo
Em São Paulo, onde a Kavak começou as operações em julho de 2021, mais demissões vêm ocorrendo desde março. Cerca de 50 funcionários já haviam sido desligados desde o início do ano.
A Kavak chegou ao Brasil com planos de investir R$ 2,5 bilhões no País. À época, a startup iniciou as atividades com 2,5 mil veículos com até 10 anos de uso em estoque, 6 lojas em São Paulo e 500 funcionários. Duas semanas depois, a companhia anunciou um centro de tecnologia, com plano de contratar 300 desenvolvedores brasileiros.
Nos últimos meses, o investimento também foi em marketing: a startup se tornou patrocinadora da Seleção Brasileira de futebol e vem fazendo inserções publicitárias em canais da televisão aberta, geralmente em horário nobre.
No início de junho, a Kavak abriu operações em Belo Horizonte, depois de reduzir as operações em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Cenário global de crise
Fundada em 2016 no México, a Kavak foi o primeiro unicórnio do país, atingindo o marco de US$ 1 bilhão em valuation em setembro de 2020. Um ano depois, somava avaliação de US$ 8,7 bilhões, após levantar rodada de US$ 700 milhões com fundos de investimento internacionais. A cifra faz dela a maior startup de capital fechado da América Latina. Além de Brasil e México, a startup tem operações na Argentina.
O negócio da Kavak consiste em simplificar a compra e venda de automóveis seminovos e usados por meio de plataforma digital. Com oficina própria, a empresa recondiciona o carro, oferece financiamento e faz a venda pelo próprio site. A startup oferece dois anos de garantia e de manutenção para cada veículo.
A venda de automóveis usados no Brasil encolheu na comparação de 2022 com 2021, segundo a Federação Nacional Distribuição Veículos Automotores (Fenabrave). Entre maio deste ano e igual período do ano passado, a comercialização desse tipo de veículo encolheu em quase 13% — no acumulado dos cinco meses de cada ano, o porcentual foi de 21%. Não à toa, a Kavak vinha exigindo dos funcionários maior foco no setor de venda de veículos, diminuindo a compra dos automóveis, disseram fontes ao Estadão.
O negócio da Kavak também esbarra em outro cenário: crise global no setor de startups. Com a pressão inflacionária apertando o consumidor, a alta dos juros promovida pelos bancos centrais afugenta investidores e força fundos de investimento a diminuir os aportes em companhias de tecnologia nos próximos meses. A consequência disso é que as startups devem procurar aumentar margens de receita para continuar em expansão ou até mesmo desacelerar, realizando cortes.
A Kavak não é a única companhia a fazer cortes em um setor tradicionalmente conhecido por contratar centenas de pessoas todo mês. Somente no Brasil, os unicórnios Mercado Bitcoin, Vtex, Olist, QuintoAndar, Loft e Facily também fizeram demissões — na média, as empresas têm reduzido entre 5% e 7% dos funcionários.