Maior startup da América Latina, a mexicana Kavak vem enxugando operações em São Paulo e no Rio de Janeiro, seus dois principais mercados no Brasil. Segundo apurou o Estadão, ao menos 150 funcionários foram cortados desde março nas duas cidades. Os ex-funcionários ouvidos pela reportagem afirmam que os desligamentos aconteceram em função do mau desempenho do negócio de compra e venda de carros seminovos e usados da companhia. Procurada, a companhia disse que não vai comentar o assunto.
Na terça-feira, 7, a loja de automóveis da startup em Nova América, no Rio de Janeiro, demitiu entre 40 a 50 funcionários, conforme fontes ouvidas pela reportagem. As demissões passam por todos os setores da mexicana: mecânica, inspeção, detalhamento, conteúdo, operações e compras. Supervisores e coordenadores também foram cortados. A unidade em Nova América possuía de 150 a 180 funcionários.
Mais cortes ocorreram em outras unidades do Rio de Janeiro, como Botafogo e Nova Iguaçu. No total, as fontes estimam que as demissões no Estado tenham chegado a a 100 pessoas nesta semana.
A Kavak chegou ao Rio em janeiro deste ano com planos de investir R$ 550 milhões e ter um inventário de 4 mil veículos na região fluminense. “O Rio de Janeiro é o segundo maior mercado do País e também sofre com informalidade e falta de transparência no segmento de carros usados”, afirmou ao Estadão à época o cofundador Roger Laughlin, também presidente executivo da Kavak no Brasil.
A estreia da operação no Rio começou com 100 funcionários, com meta de mil pessoas contratadas até o fim deste ano. Inaugurações de mais pontos de apoio também estavam planejadas para ocorrer ao longo do ano.
São Paulo
Em São Paulo, onde a Kavak começou as operações em julho de 2021, mais demissões vêm ocorrendo desde março. Mais de 50 funcionários foram desligados desde o início do ano — a maior parte deles, porém, recebeu a notícia na sexta-feira, 3, quando a empresa informou a demissão de, pelo menos, 35 pessoas.
A capital paulista abriga, além das unidades de vendas, escritórios de operações logísticas e de marketing. As sedes tiveram funcionários de backoffice, compras e vendas desligados da empresa — segundo fontes, as áreas relacionadas às compras foram as mais afetadas.
Os comunicados aconteceram nas unidades para quem estava trabalhando presencialmente e por videoconferência para os funcionários em home office. De acordo com ex-funcionários, as justificativas foram variadas: entre as explicações dadas pela startup, estavam performance pessoal, reestruturação e “momento da empresa”.
A Kavak chegou ao Brasil com planos de investir R$ 2,5 bilhões no País. À época, a startup iniciou as atividades com 2,5 mil veículos com até 10 anos de uso em estoque, 6 lojas em São Paulo e 500 funcionários. Duas semanas depois, a companhia anunciou um centro de tecnologia, com plano de contratar 300 desenvolvedores brasileiros.
Nos últimos meses, o investimento também foi em marketing: a startup se tornou a patrocinadora da Seleção Brasileira de futebol e, ainda, vem fazendo inserções publicitárias em canais da televisão aberta, geralmente em horário nobre.
No sábado passado, dia 4, a Kavak abriu operações em Belo Horizonte, depois de reduzir as operações em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Cenário global de crise
Fundada em 2016 no México, a Kavak foi o primeiro unicórnio do país, atingindo o marco de US$ 1 bilhão em valuation em setembro de 2020. Um ano depois, somava avaliação de US$ 8,7 bilhões em setembro de 2021, após levantar rodada de US$ 700 milhões com fundos de investimento internacionais. A cifra dela faz dela a maior startup de capital fechado da América Latina. Além de Brasil e México, a startup tem operações na Argentina.
O negócio da Kavak consiste em simplificar a compra e venda de automóveis seminovos e usados por meio de plataforma digital. Com oficina própria, a empresa recondiciona o carro, oferece financiamento e faz a venda pelo próprio site. A startup oferece dois anos de garantia e de manutenção para cada veículo.
A venda de automóveis usados no Brasil encolheu na comparação de 2022 com 2021, segundo a Federação Nacional Distribuição Veículos Automotores (Fenabrave). Entre maio deste ano e igual período do ano passado, a comercialização desse tipo de veículo encolheu em quase 13% — no acumulado dos cinco meses de cada ano, o porcentual foi de 21%. Não à toa, a Kavak vinha exigindo dos funcionários maior foco no setor de venda de veículos, diminuindo a compra dos automóveis, disseram fontes ao Estadão.
O negócio da Kavak também esbarra em outro cenário: crise global no setor de startups. Com a pressão inflacionária apertando o consumidor, a alta dos juros promovida pelos bancos centrais afugenta investidores e força fundos de investimento a diminuir os aportes em companhias de tecnologia nos próximos meses. A consequência disso é que as startups devem procurar aumentar margens de receita para continuar em expansão ou até mesmo desacelerar, realizando cortes.
A Kavak não é a única companhia a fazer cortes em um setor tradicionalmente conhecido por contratar centenas de pessoas todo mês. Somente no Brasil, os unicórnios Mercado Bitcoin, Vtex, Olist, QuintoAndar, Loft e Facily também fizeram demissões — na média, as empresas têm reduzido entre 5% e 7% dos funcionários.