'Mais que inovar, é importante fazer as perguntas certas', diz diretor do MIT


Para o japonês Joi Ito, que assumiu o cargo mesmo sem ter diploma universitário, questionar a autoridade vigente é vital para avanços na sociedade

Por Bruno Capelas

Uma das mentes mais brilhantes do planeta não gosta da palavra inovação. “Ela é difícil de definir”, diz o japonês Joi Ito, de 52 anos. “Mais que inovar, é importante fazer as perguntas certas”. Ele tem como provar o que diz: foi questionando o status quo que, mesmo sem ter um diploma universitário, conseguiu chegar ao posto de diretor do MIT Media Lab, em 2011 – a instituição, fundada pelo pioneiro Nicholas Negroponte, é hoje um dos principais centros de pesquisa de internet e tecnologia do mundo.

Discípulo de figuras como Timothy Leary e John Perry Barlow, pioneiros do movimento hippie e da internet, Ito tem um currículo extenso: ele faz parte do conselho do New York Times e já teve cadeiras semelhantes na Sony, na Fundação Mozilla e na Sanrio – a empresa por trás da gatinha Hello Kitty. Além disso, foi investidor-anjo de empresas como Flickr, Twitter e Kickstarter. Tudo isso após ter desistido, três vezes, de fazer faculdade na juventude. “O que acontece é que sou curioso e não sei dizer não. Meu trabalho é conectar pessoas”, diz ele, que só conseguiu seu primeiro diploma este ano, ao fazer um doutorado na Keio University, no Japão.

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JoiIto,do Mit Media Lab, é referência mundial em inovação Foto:

Referência no setor, Ito veio a São Paulo participar do HSM Expo. Durante o evento, dividiu sua experiência e a crença de que a desobediência é um componente vital da inovação, da ciência e da democracia – no Media Lab, criou uma premiação para valorizar exemplos de desobediência transformadora. No ano passado, por exemplo, premiou os informantes que revelaram a contaminação de água em Michigan. Na entrevista com o Estado, também falou sobre o futuro do Brasil e seu passado como investidor. A seguir, os melhores trechos.

Estadão: Como o sr. define inovação?

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Joi Ito: Não tenho certeza se gosto da palavra inovação. É difícil de definir. Há quem ache que inovação é qualquer melhoria. Outros acreditam que é um jeito único de resolver um problema. E têm um grupo que diz que inovação é algo novo e radical – uma solução para algo que nem sabíamos que era um problema. Creio que, mais que inovar, o importante é fazer as perguntas certas. Nicholas Negroponte, fundador do MIT Media Lab, tinha uma frase clássica: “se você é capaz de medir algo, então não é interessante”. Se você mede o PIB de um país, mede sua produtividade – mas não a cultura e a qualidade de vida. As inovações interessantes são inesperadas, aquela que questiona certezas sobre os problemas que temos.

No Media Lab, o sr. criou um prêmio para incentivar a desobediência. Por que ela é importante para a inovação?

O físico Max Planck disse certa vez que “a ciência progride a cada funeral”. Isto é: ela avança com a perda da figura de autoridade, tornando-se mais fácil questionar. A ciência requer o questionamento da autoridade e o pensamento livre – na academia, alunos e professores não podem ter medo de se expressar. A democracia exige que questionemos a autoridade e a lei existentes. Uma lei só muda quando é questionada, não quando é obedecida. O mesmo vale para o jornalismo: se você está na frente de um executivo que esconde algo, é dever do jornalista fazer perguntas difíceis. Só desobediência, como quebrar uma janela, não me interessa. O que interessa é a desobediência que gera mudança – o que é difícil, porque às vezes só sabemos os efeitos da mudança muito tempo depois, sem falar nos riscos ao longo do caminho.

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O mundo vive um momento conservador. É mais difícil desobedecer?

É, mas também é mais importante. E mais divertido. Em regimes autoritários, a arte se torna melhor e a rebelião, mais divertida. É muito importante ser desobediente em meio a uma sociedade conservadora e opressiva – ou seja, é uma ótima hora para a desobediência, nos EUA ou no Brasil.

O sr. assumiu o Media Lab em 2011 sem ter um diploma. Neste ano, finalmente fez um doutorado. Isso mudou sua visão sobre a educação tradicional? É preciso reinventá-la?

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Meu doutorado foi diferente do normal: pude apenas escrever sobre o que fiz nos últimos anos, sem precisar frequentar aulas. Não sou bom em ficar sentado durante muito tempo assistindo uma leitura. Pessoas como eu não se dão bem no sistema tradicional de educação. Para mim, ele precisa ser reinventado para que chamo de neurodiversidade – hoje, um quarto dos habitantes do planeta têm condições como Asperger, dislexia ou déficit de atenção. Precisamos reinventar o sistema para essas pessoas, que podem preferir aprendendo em uma conversa do que numa exposição longa em uma sala de aula. Volto também à questão das medidas: hoje, as escolas medem pessoas e suas performances. É como uma pequena fábrica. Por outro lado, elas não medem paixões e criatividade, por exemplo. É preciso mudar isso.

O sr. também já apostou em empresas como Twitter e Kickstarter. O que faz o seu olho brilhar como investidor?

Sou um cara de produto – logo, apoio ideias que sinto que utilizarei muito. A personalidade e o estilo do empreendedor contam muito. Mas a coisa mais importante para mim é saber quem são os outros investidores: os maiores problemas que tive não foram com os empreendedores, mas sim com os outros acionistas. E sempre friso: toda ideia precisa ter um modelo de distribuição claro. Acreditar só no boca a boca não funciona.

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O sr. tem um currículo extenso. Como faz tantas coisas ao mesmo tempo?

A maior parte do que faço acontece em paralelo: meu trabalho é sobre conectar pessoas e organizações. Além disso, sou um cara curioso e não sei dizer não. (risos).

Há muitos brasileiros no Media Lab hoje. Como o Brasil pode mudar o mundo?

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Posso ser simplista, mas o Brasil tem hoje a maior floresta do mundo e uma cultura importantíssima. Acredito que isso será a base de um novo movimento, tão importante quanto o movimento hippie: algo que tenha música, moda, cultura, comida, seja digital e esteja conectado diretamente com a natureza. Só vamos conseguir resolver problemas como o aquecimento global por meio de uma mudança cultural. Sei que o Brasil tem seus problemas, mas quando lidar com questões políticas e econômicas, também conseguirá mudar o mundo. O problema é que vejo que as pessoas não estão integradas: os homens de negócios só pensam em negócios; os artistas, na arte; os indígenas, em proteger sua terra. Talvez os jovens possam mudar isso.

Hoje, o custo para inovar caiu muito. Por outro lado, as gigantes de tecnologia nunca foram tão grandes. Como vê esse cenário?

Para os empreendedores, é preciso entender qual a vantagem que eles têm frente a essas gigantes de tecnologia. E também saber as fraquezas das gigantes e atacá-las. Eles podem ter muitos dados, mas não o conhecimento ou a confiança local. Vivemos hoje um momento se somos capazes de fazer serviços locais mais relevantes ou plataformas mais inclusivas. Não é sobre ter uma versão “local” do Facebook, mas há oportunidades interessantes. A lei de proteção de dados da Europa, por exemplo, vai permitir o surgimento de empresas mais sensíveis à privacidade. É o tipo de vantagem que faz sentido. Mas, sendo honesto, creio que a grande vantagem do Vale do SIlício não está na inovação, mas sim no dinheiro. Lá, há capitalistas de risco incríveis, que sabem como apostar e gerar retorno. É uma competição sobre apoio de dinheiro, não sobre tecnologia.

O sr. é conselheiro do New York Times. Como o jornalismo pode inovar, ao mesmo tempo em que é questionado enquanto instituição, seja pelas notícias falsas ou por políticos?

Os ataques ao jornalismo são uma das coisas mais danosas que podem acontecer no mundo neste momento. Uma das razões pelas quais estou no New York Times é porque eu era um blogueiro que adorava criticar jornalistas. Depois, descobri que nós não podíamos substitui-los e que o jornalismo estava morrendo. Então, me juntei ao barco para ajudar. Acredito que o jornalismo precisa mudar. As novas gerações não gostam desse modelo distanciado: elas querem ver o jornalista, saber como ele é e o que pensa. Os jovens não sabem a diferença entre uma notícia e um artigo, por exemplo – é uma distinção que não faz sentido. Conversar com eles é um primeiro passo para entender qual o jornalismo que fará sentido no futuro.

O sr. conviveu com Timothy Leary e John Perry Barlow, dois pioneiros do movimento hippie e do pensamento livre. Como o mundo seria diferente sem eles?

Escrevi recentemente um artigo para a Wired sobre como os hippies influenciaram o início do Vale do Silício. Steve Jobs e Bill Gates, por exemplo, estiveram envolvidos com o movimento de expansão da mente a partir do uso de drogas. Isso mudou a cultura do Vale. A estrutura da internet é algo hippie: “minha rede leva seu pacote de dados se a sua rede levar o meu”. Não é algo transacional, é uma troca pura. É muito hippie. Por outro lado, essa rede de confiança também foi um problema: a internet começou a ter falhas quando “deixamos os demônios” entrarem, uma vez que não estávamos preparados para nos defender. Hoje, essa vertente hippie é uma subcultura no Vale, não é mais prevalente. Lá, as pessoas só pensam em negócios, negócios e negócios. Mas acredito que a nova geração fará um movimento tão interessante quanto os hippies. Estamos em um momento de tensão grande, da mesma forma que havia em 1969, com o Verão do Amor, a Guerra do Vietnã, as rebeliões em Detroit e os experimentos de Leary com o LSD. Hoje, há um movimento de direita aparecendo, mas espero que vejamos algo progressista surgindo em breve também.

Para encerrar, duas perguntas culturais. Que livro eu deveria ler neste momento? Para um brasileiro? Me deixe pensar… (faz uma pausa). Como as Democracias Morrem, de Stephen Levitsky e Daniel Ziblatt.

Sei que o sr. já foi DJ. Que música tocaria à meia noite numa festa de Ano Novo, na virada de 2018 para 2019?

“Come Together”, dos Beatles. Foi a música de campanha de quando Timothy Leary se candidatou ao governo da Califórnia. Acredito que é preciso fazer as pessoas se unirem para começar um movimento.

Uma das mentes mais brilhantes do planeta não gosta da palavra inovação. “Ela é difícil de definir”, diz o japonês Joi Ito, de 52 anos. “Mais que inovar, é importante fazer as perguntas certas”. Ele tem como provar o que diz: foi questionando o status quo que, mesmo sem ter um diploma universitário, conseguiu chegar ao posto de diretor do MIT Media Lab, em 2011 – a instituição, fundada pelo pioneiro Nicholas Negroponte, é hoje um dos principais centros de pesquisa de internet e tecnologia do mundo.

Discípulo de figuras como Timothy Leary e John Perry Barlow, pioneiros do movimento hippie e da internet, Ito tem um currículo extenso: ele faz parte do conselho do New York Times e já teve cadeiras semelhantes na Sony, na Fundação Mozilla e na Sanrio – a empresa por trás da gatinha Hello Kitty. Além disso, foi investidor-anjo de empresas como Flickr, Twitter e Kickstarter. Tudo isso após ter desistido, três vezes, de fazer faculdade na juventude. “O que acontece é que sou curioso e não sei dizer não. Meu trabalho é conectar pessoas”, diz ele, que só conseguiu seu primeiro diploma este ano, ao fazer um doutorado na Keio University, no Japão.

JoiIto,do Mit Media Lab, é referência mundial em inovação Foto:

Referência no setor, Ito veio a São Paulo participar do HSM Expo. Durante o evento, dividiu sua experiência e a crença de que a desobediência é um componente vital da inovação, da ciência e da democracia – no Media Lab, criou uma premiação para valorizar exemplos de desobediência transformadora. No ano passado, por exemplo, premiou os informantes que revelaram a contaminação de água em Michigan. Na entrevista com o Estado, também falou sobre o futuro do Brasil e seu passado como investidor. A seguir, os melhores trechos.

Estadão: Como o sr. define inovação?

Joi Ito: Não tenho certeza se gosto da palavra inovação. É difícil de definir. Há quem ache que inovação é qualquer melhoria. Outros acreditam que é um jeito único de resolver um problema. E têm um grupo que diz que inovação é algo novo e radical – uma solução para algo que nem sabíamos que era um problema. Creio que, mais que inovar, o importante é fazer as perguntas certas. Nicholas Negroponte, fundador do MIT Media Lab, tinha uma frase clássica: “se você é capaz de medir algo, então não é interessante”. Se você mede o PIB de um país, mede sua produtividade – mas não a cultura e a qualidade de vida. As inovações interessantes são inesperadas, aquela que questiona certezas sobre os problemas que temos.

No Media Lab, o sr. criou um prêmio para incentivar a desobediência. Por que ela é importante para a inovação?

O físico Max Planck disse certa vez que “a ciência progride a cada funeral”. Isto é: ela avança com a perda da figura de autoridade, tornando-se mais fácil questionar. A ciência requer o questionamento da autoridade e o pensamento livre – na academia, alunos e professores não podem ter medo de se expressar. A democracia exige que questionemos a autoridade e a lei existentes. Uma lei só muda quando é questionada, não quando é obedecida. O mesmo vale para o jornalismo: se você está na frente de um executivo que esconde algo, é dever do jornalista fazer perguntas difíceis. Só desobediência, como quebrar uma janela, não me interessa. O que interessa é a desobediência que gera mudança – o que é difícil, porque às vezes só sabemos os efeitos da mudança muito tempo depois, sem falar nos riscos ao longo do caminho.

O mundo vive um momento conservador. É mais difícil desobedecer?

É, mas também é mais importante. E mais divertido. Em regimes autoritários, a arte se torna melhor e a rebelião, mais divertida. É muito importante ser desobediente em meio a uma sociedade conservadora e opressiva – ou seja, é uma ótima hora para a desobediência, nos EUA ou no Brasil.

O sr. assumiu o Media Lab em 2011 sem ter um diploma. Neste ano, finalmente fez um doutorado. Isso mudou sua visão sobre a educação tradicional? É preciso reinventá-la?

Meu doutorado foi diferente do normal: pude apenas escrever sobre o que fiz nos últimos anos, sem precisar frequentar aulas. Não sou bom em ficar sentado durante muito tempo assistindo uma leitura. Pessoas como eu não se dão bem no sistema tradicional de educação. Para mim, ele precisa ser reinventado para que chamo de neurodiversidade – hoje, um quarto dos habitantes do planeta têm condições como Asperger, dislexia ou déficit de atenção. Precisamos reinventar o sistema para essas pessoas, que podem preferir aprendendo em uma conversa do que numa exposição longa em uma sala de aula. Volto também à questão das medidas: hoje, as escolas medem pessoas e suas performances. É como uma pequena fábrica. Por outro lado, elas não medem paixões e criatividade, por exemplo. É preciso mudar isso.

O sr. também já apostou em empresas como Twitter e Kickstarter. O que faz o seu olho brilhar como investidor?

Sou um cara de produto – logo, apoio ideias que sinto que utilizarei muito. A personalidade e o estilo do empreendedor contam muito. Mas a coisa mais importante para mim é saber quem são os outros investidores: os maiores problemas que tive não foram com os empreendedores, mas sim com os outros acionistas. E sempre friso: toda ideia precisa ter um modelo de distribuição claro. Acreditar só no boca a boca não funciona.

O sr. tem um currículo extenso. Como faz tantas coisas ao mesmo tempo?

A maior parte do que faço acontece em paralelo: meu trabalho é sobre conectar pessoas e organizações. Além disso, sou um cara curioso e não sei dizer não. (risos).

Há muitos brasileiros no Media Lab hoje. Como o Brasil pode mudar o mundo?

Posso ser simplista, mas o Brasil tem hoje a maior floresta do mundo e uma cultura importantíssima. Acredito que isso será a base de um novo movimento, tão importante quanto o movimento hippie: algo que tenha música, moda, cultura, comida, seja digital e esteja conectado diretamente com a natureza. Só vamos conseguir resolver problemas como o aquecimento global por meio de uma mudança cultural. Sei que o Brasil tem seus problemas, mas quando lidar com questões políticas e econômicas, também conseguirá mudar o mundo. O problema é que vejo que as pessoas não estão integradas: os homens de negócios só pensam em negócios; os artistas, na arte; os indígenas, em proteger sua terra. Talvez os jovens possam mudar isso.

Hoje, o custo para inovar caiu muito. Por outro lado, as gigantes de tecnologia nunca foram tão grandes. Como vê esse cenário?

Para os empreendedores, é preciso entender qual a vantagem que eles têm frente a essas gigantes de tecnologia. E também saber as fraquezas das gigantes e atacá-las. Eles podem ter muitos dados, mas não o conhecimento ou a confiança local. Vivemos hoje um momento se somos capazes de fazer serviços locais mais relevantes ou plataformas mais inclusivas. Não é sobre ter uma versão “local” do Facebook, mas há oportunidades interessantes. A lei de proteção de dados da Europa, por exemplo, vai permitir o surgimento de empresas mais sensíveis à privacidade. É o tipo de vantagem que faz sentido. Mas, sendo honesto, creio que a grande vantagem do Vale do SIlício não está na inovação, mas sim no dinheiro. Lá, há capitalistas de risco incríveis, que sabem como apostar e gerar retorno. É uma competição sobre apoio de dinheiro, não sobre tecnologia.

O sr. é conselheiro do New York Times. Como o jornalismo pode inovar, ao mesmo tempo em que é questionado enquanto instituição, seja pelas notícias falsas ou por políticos?

Os ataques ao jornalismo são uma das coisas mais danosas que podem acontecer no mundo neste momento. Uma das razões pelas quais estou no New York Times é porque eu era um blogueiro que adorava criticar jornalistas. Depois, descobri que nós não podíamos substitui-los e que o jornalismo estava morrendo. Então, me juntei ao barco para ajudar. Acredito que o jornalismo precisa mudar. As novas gerações não gostam desse modelo distanciado: elas querem ver o jornalista, saber como ele é e o que pensa. Os jovens não sabem a diferença entre uma notícia e um artigo, por exemplo – é uma distinção que não faz sentido. Conversar com eles é um primeiro passo para entender qual o jornalismo que fará sentido no futuro.

O sr. conviveu com Timothy Leary e John Perry Barlow, dois pioneiros do movimento hippie e do pensamento livre. Como o mundo seria diferente sem eles?

Escrevi recentemente um artigo para a Wired sobre como os hippies influenciaram o início do Vale do Silício. Steve Jobs e Bill Gates, por exemplo, estiveram envolvidos com o movimento de expansão da mente a partir do uso de drogas. Isso mudou a cultura do Vale. A estrutura da internet é algo hippie: “minha rede leva seu pacote de dados se a sua rede levar o meu”. Não é algo transacional, é uma troca pura. É muito hippie. Por outro lado, essa rede de confiança também foi um problema: a internet começou a ter falhas quando “deixamos os demônios” entrarem, uma vez que não estávamos preparados para nos defender. Hoje, essa vertente hippie é uma subcultura no Vale, não é mais prevalente. Lá, as pessoas só pensam em negócios, negócios e negócios. Mas acredito que a nova geração fará um movimento tão interessante quanto os hippies. Estamos em um momento de tensão grande, da mesma forma que havia em 1969, com o Verão do Amor, a Guerra do Vietnã, as rebeliões em Detroit e os experimentos de Leary com o LSD. Hoje, há um movimento de direita aparecendo, mas espero que vejamos algo progressista surgindo em breve também.

Para encerrar, duas perguntas culturais. Que livro eu deveria ler neste momento? Para um brasileiro? Me deixe pensar… (faz uma pausa). Como as Democracias Morrem, de Stephen Levitsky e Daniel Ziblatt.

Sei que o sr. já foi DJ. Que música tocaria à meia noite numa festa de Ano Novo, na virada de 2018 para 2019?

“Come Together”, dos Beatles. Foi a música de campanha de quando Timothy Leary se candidatou ao governo da Califórnia. Acredito que é preciso fazer as pessoas se unirem para começar um movimento.

Uma das mentes mais brilhantes do planeta não gosta da palavra inovação. “Ela é difícil de definir”, diz o japonês Joi Ito, de 52 anos. “Mais que inovar, é importante fazer as perguntas certas”. Ele tem como provar o que diz: foi questionando o status quo que, mesmo sem ter um diploma universitário, conseguiu chegar ao posto de diretor do MIT Media Lab, em 2011 – a instituição, fundada pelo pioneiro Nicholas Negroponte, é hoje um dos principais centros de pesquisa de internet e tecnologia do mundo.

Discípulo de figuras como Timothy Leary e John Perry Barlow, pioneiros do movimento hippie e da internet, Ito tem um currículo extenso: ele faz parte do conselho do New York Times e já teve cadeiras semelhantes na Sony, na Fundação Mozilla e na Sanrio – a empresa por trás da gatinha Hello Kitty. Além disso, foi investidor-anjo de empresas como Flickr, Twitter e Kickstarter. Tudo isso após ter desistido, três vezes, de fazer faculdade na juventude. “O que acontece é que sou curioso e não sei dizer não. Meu trabalho é conectar pessoas”, diz ele, que só conseguiu seu primeiro diploma este ano, ao fazer um doutorado na Keio University, no Japão.

JoiIto,do Mit Media Lab, é referência mundial em inovação Foto:

Referência no setor, Ito veio a São Paulo participar do HSM Expo. Durante o evento, dividiu sua experiência e a crença de que a desobediência é um componente vital da inovação, da ciência e da democracia – no Media Lab, criou uma premiação para valorizar exemplos de desobediência transformadora. No ano passado, por exemplo, premiou os informantes que revelaram a contaminação de água em Michigan. Na entrevista com o Estado, também falou sobre o futuro do Brasil e seu passado como investidor. A seguir, os melhores trechos.

Estadão: Como o sr. define inovação?

Joi Ito: Não tenho certeza se gosto da palavra inovação. É difícil de definir. Há quem ache que inovação é qualquer melhoria. Outros acreditam que é um jeito único de resolver um problema. E têm um grupo que diz que inovação é algo novo e radical – uma solução para algo que nem sabíamos que era um problema. Creio que, mais que inovar, o importante é fazer as perguntas certas. Nicholas Negroponte, fundador do MIT Media Lab, tinha uma frase clássica: “se você é capaz de medir algo, então não é interessante”. Se você mede o PIB de um país, mede sua produtividade – mas não a cultura e a qualidade de vida. As inovações interessantes são inesperadas, aquela que questiona certezas sobre os problemas que temos.

No Media Lab, o sr. criou um prêmio para incentivar a desobediência. Por que ela é importante para a inovação?

O físico Max Planck disse certa vez que “a ciência progride a cada funeral”. Isto é: ela avança com a perda da figura de autoridade, tornando-se mais fácil questionar. A ciência requer o questionamento da autoridade e o pensamento livre – na academia, alunos e professores não podem ter medo de se expressar. A democracia exige que questionemos a autoridade e a lei existentes. Uma lei só muda quando é questionada, não quando é obedecida. O mesmo vale para o jornalismo: se você está na frente de um executivo que esconde algo, é dever do jornalista fazer perguntas difíceis. Só desobediência, como quebrar uma janela, não me interessa. O que interessa é a desobediência que gera mudança – o que é difícil, porque às vezes só sabemos os efeitos da mudança muito tempo depois, sem falar nos riscos ao longo do caminho.

O mundo vive um momento conservador. É mais difícil desobedecer?

É, mas também é mais importante. E mais divertido. Em regimes autoritários, a arte se torna melhor e a rebelião, mais divertida. É muito importante ser desobediente em meio a uma sociedade conservadora e opressiva – ou seja, é uma ótima hora para a desobediência, nos EUA ou no Brasil.

O sr. assumiu o Media Lab em 2011 sem ter um diploma. Neste ano, finalmente fez um doutorado. Isso mudou sua visão sobre a educação tradicional? É preciso reinventá-la?

Meu doutorado foi diferente do normal: pude apenas escrever sobre o que fiz nos últimos anos, sem precisar frequentar aulas. Não sou bom em ficar sentado durante muito tempo assistindo uma leitura. Pessoas como eu não se dão bem no sistema tradicional de educação. Para mim, ele precisa ser reinventado para que chamo de neurodiversidade – hoje, um quarto dos habitantes do planeta têm condições como Asperger, dislexia ou déficit de atenção. Precisamos reinventar o sistema para essas pessoas, que podem preferir aprendendo em uma conversa do que numa exposição longa em uma sala de aula. Volto também à questão das medidas: hoje, as escolas medem pessoas e suas performances. É como uma pequena fábrica. Por outro lado, elas não medem paixões e criatividade, por exemplo. É preciso mudar isso.

O sr. também já apostou em empresas como Twitter e Kickstarter. O que faz o seu olho brilhar como investidor?

Sou um cara de produto – logo, apoio ideias que sinto que utilizarei muito. A personalidade e o estilo do empreendedor contam muito. Mas a coisa mais importante para mim é saber quem são os outros investidores: os maiores problemas que tive não foram com os empreendedores, mas sim com os outros acionistas. E sempre friso: toda ideia precisa ter um modelo de distribuição claro. Acreditar só no boca a boca não funciona.

O sr. tem um currículo extenso. Como faz tantas coisas ao mesmo tempo?

A maior parte do que faço acontece em paralelo: meu trabalho é sobre conectar pessoas e organizações. Além disso, sou um cara curioso e não sei dizer não. (risos).

Há muitos brasileiros no Media Lab hoje. Como o Brasil pode mudar o mundo?

Posso ser simplista, mas o Brasil tem hoje a maior floresta do mundo e uma cultura importantíssima. Acredito que isso será a base de um novo movimento, tão importante quanto o movimento hippie: algo que tenha música, moda, cultura, comida, seja digital e esteja conectado diretamente com a natureza. Só vamos conseguir resolver problemas como o aquecimento global por meio de uma mudança cultural. Sei que o Brasil tem seus problemas, mas quando lidar com questões políticas e econômicas, também conseguirá mudar o mundo. O problema é que vejo que as pessoas não estão integradas: os homens de negócios só pensam em negócios; os artistas, na arte; os indígenas, em proteger sua terra. Talvez os jovens possam mudar isso.

Hoje, o custo para inovar caiu muito. Por outro lado, as gigantes de tecnologia nunca foram tão grandes. Como vê esse cenário?

Para os empreendedores, é preciso entender qual a vantagem que eles têm frente a essas gigantes de tecnologia. E também saber as fraquezas das gigantes e atacá-las. Eles podem ter muitos dados, mas não o conhecimento ou a confiança local. Vivemos hoje um momento se somos capazes de fazer serviços locais mais relevantes ou plataformas mais inclusivas. Não é sobre ter uma versão “local” do Facebook, mas há oportunidades interessantes. A lei de proteção de dados da Europa, por exemplo, vai permitir o surgimento de empresas mais sensíveis à privacidade. É o tipo de vantagem que faz sentido. Mas, sendo honesto, creio que a grande vantagem do Vale do SIlício não está na inovação, mas sim no dinheiro. Lá, há capitalistas de risco incríveis, que sabem como apostar e gerar retorno. É uma competição sobre apoio de dinheiro, não sobre tecnologia.

O sr. é conselheiro do New York Times. Como o jornalismo pode inovar, ao mesmo tempo em que é questionado enquanto instituição, seja pelas notícias falsas ou por políticos?

Os ataques ao jornalismo são uma das coisas mais danosas que podem acontecer no mundo neste momento. Uma das razões pelas quais estou no New York Times é porque eu era um blogueiro que adorava criticar jornalistas. Depois, descobri que nós não podíamos substitui-los e que o jornalismo estava morrendo. Então, me juntei ao barco para ajudar. Acredito que o jornalismo precisa mudar. As novas gerações não gostam desse modelo distanciado: elas querem ver o jornalista, saber como ele é e o que pensa. Os jovens não sabem a diferença entre uma notícia e um artigo, por exemplo – é uma distinção que não faz sentido. Conversar com eles é um primeiro passo para entender qual o jornalismo que fará sentido no futuro.

O sr. conviveu com Timothy Leary e John Perry Barlow, dois pioneiros do movimento hippie e do pensamento livre. Como o mundo seria diferente sem eles?

Escrevi recentemente um artigo para a Wired sobre como os hippies influenciaram o início do Vale do Silício. Steve Jobs e Bill Gates, por exemplo, estiveram envolvidos com o movimento de expansão da mente a partir do uso de drogas. Isso mudou a cultura do Vale. A estrutura da internet é algo hippie: “minha rede leva seu pacote de dados se a sua rede levar o meu”. Não é algo transacional, é uma troca pura. É muito hippie. Por outro lado, essa rede de confiança também foi um problema: a internet começou a ter falhas quando “deixamos os demônios” entrarem, uma vez que não estávamos preparados para nos defender. Hoje, essa vertente hippie é uma subcultura no Vale, não é mais prevalente. Lá, as pessoas só pensam em negócios, negócios e negócios. Mas acredito que a nova geração fará um movimento tão interessante quanto os hippies. Estamos em um momento de tensão grande, da mesma forma que havia em 1969, com o Verão do Amor, a Guerra do Vietnã, as rebeliões em Detroit e os experimentos de Leary com o LSD. Hoje, há um movimento de direita aparecendo, mas espero que vejamos algo progressista surgindo em breve também.

Para encerrar, duas perguntas culturais. Que livro eu deveria ler neste momento? Para um brasileiro? Me deixe pensar… (faz uma pausa). Como as Democracias Morrem, de Stephen Levitsky e Daniel Ziblatt.

Sei que o sr. já foi DJ. Que música tocaria à meia noite numa festa de Ano Novo, na virada de 2018 para 2019?

“Come Together”, dos Beatles. Foi a música de campanha de quando Timothy Leary se candidatou ao governo da Califórnia. Acredito que é preciso fazer as pessoas se unirem para começar um movimento.

Uma das mentes mais brilhantes do planeta não gosta da palavra inovação. “Ela é difícil de definir”, diz o japonês Joi Ito, de 52 anos. “Mais que inovar, é importante fazer as perguntas certas”. Ele tem como provar o que diz: foi questionando o status quo que, mesmo sem ter um diploma universitário, conseguiu chegar ao posto de diretor do MIT Media Lab, em 2011 – a instituição, fundada pelo pioneiro Nicholas Negroponte, é hoje um dos principais centros de pesquisa de internet e tecnologia do mundo.

Discípulo de figuras como Timothy Leary e John Perry Barlow, pioneiros do movimento hippie e da internet, Ito tem um currículo extenso: ele faz parte do conselho do New York Times e já teve cadeiras semelhantes na Sony, na Fundação Mozilla e na Sanrio – a empresa por trás da gatinha Hello Kitty. Além disso, foi investidor-anjo de empresas como Flickr, Twitter e Kickstarter. Tudo isso após ter desistido, três vezes, de fazer faculdade na juventude. “O que acontece é que sou curioso e não sei dizer não. Meu trabalho é conectar pessoas”, diz ele, que só conseguiu seu primeiro diploma este ano, ao fazer um doutorado na Keio University, no Japão.

JoiIto,do Mit Media Lab, é referência mundial em inovação Foto:

Referência no setor, Ito veio a São Paulo participar do HSM Expo. Durante o evento, dividiu sua experiência e a crença de que a desobediência é um componente vital da inovação, da ciência e da democracia – no Media Lab, criou uma premiação para valorizar exemplos de desobediência transformadora. No ano passado, por exemplo, premiou os informantes que revelaram a contaminação de água em Michigan. Na entrevista com o Estado, também falou sobre o futuro do Brasil e seu passado como investidor. A seguir, os melhores trechos.

Estadão: Como o sr. define inovação?

Joi Ito: Não tenho certeza se gosto da palavra inovação. É difícil de definir. Há quem ache que inovação é qualquer melhoria. Outros acreditam que é um jeito único de resolver um problema. E têm um grupo que diz que inovação é algo novo e radical – uma solução para algo que nem sabíamos que era um problema. Creio que, mais que inovar, o importante é fazer as perguntas certas. Nicholas Negroponte, fundador do MIT Media Lab, tinha uma frase clássica: “se você é capaz de medir algo, então não é interessante”. Se você mede o PIB de um país, mede sua produtividade – mas não a cultura e a qualidade de vida. As inovações interessantes são inesperadas, aquela que questiona certezas sobre os problemas que temos.

No Media Lab, o sr. criou um prêmio para incentivar a desobediência. Por que ela é importante para a inovação?

O físico Max Planck disse certa vez que “a ciência progride a cada funeral”. Isto é: ela avança com a perda da figura de autoridade, tornando-se mais fácil questionar. A ciência requer o questionamento da autoridade e o pensamento livre – na academia, alunos e professores não podem ter medo de se expressar. A democracia exige que questionemos a autoridade e a lei existentes. Uma lei só muda quando é questionada, não quando é obedecida. O mesmo vale para o jornalismo: se você está na frente de um executivo que esconde algo, é dever do jornalista fazer perguntas difíceis. Só desobediência, como quebrar uma janela, não me interessa. O que interessa é a desobediência que gera mudança – o que é difícil, porque às vezes só sabemos os efeitos da mudança muito tempo depois, sem falar nos riscos ao longo do caminho.

O mundo vive um momento conservador. É mais difícil desobedecer?

É, mas também é mais importante. E mais divertido. Em regimes autoritários, a arte se torna melhor e a rebelião, mais divertida. É muito importante ser desobediente em meio a uma sociedade conservadora e opressiva – ou seja, é uma ótima hora para a desobediência, nos EUA ou no Brasil.

O sr. assumiu o Media Lab em 2011 sem ter um diploma. Neste ano, finalmente fez um doutorado. Isso mudou sua visão sobre a educação tradicional? É preciso reinventá-la?

Meu doutorado foi diferente do normal: pude apenas escrever sobre o que fiz nos últimos anos, sem precisar frequentar aulas. Não sou bom em ficar sentado durante muito tempo assistindo uma leitura. Pessoas como eu não se dão bem no sistema tradicional de educação. Para mim, ele precisa ser reinventado para que chamo de neurodiversidade – hoje, um quarto dos habitantes do planeta têm condições como Asperger, dislexia ou déficit de atenção. Precisamos reinventar o sistema para essas pessoas, que podem preferir aprendendo em uma conversa do que numa exposição longa em uma sala de aula. Volto também à questão das medidas: hoje, as escolas medem pessoas e suas performances. É como uma pequena fábrica. Por outro lado, elas não medem paixões e criatividade, por exemplo. É preciso mudar isso.

O sr. também já apostou em empresas como Twitter e Kickstarter. O que faz o seu olho brilhar como investidor?

Sou um cara de produto – logo, apoio ideias que sinto que utilizarei muito. A personalidade e o estilo do empreendedor contam muito. Mas a coisa mais importante para mim é saber quem são os outros investidores: os maiores problemas que tive não foram com os empreendedores, mas sim com os outros acionistas. E sempre friso: toda ideia precisa ter um modelo de distribuição claro. Acreditar só no boca a boca não funciona.

O sr. tem um currículo extenso. Como faz tantas coisas ao mesmo tempo?

A maior parte do que faço acontece em paralelo: meu trabalho é sobre conectar pessoas e organizações. Além disso, sou um cara curioso e não sei dizer não. (risos).

Há muitos brasileiros no Media Lab hoje. Como o Brasil pode mudar o mundo?

Posso ser simplista, mas o Brasil tem hoje a maior floresta do mundo e uma cultura importantíssima. Acredito que isso será a base de um novo movimento, tão importante quanto o movimento hippie: algo que tenha música, moda, cultura, comida, seja digital e esteja conectado diretamente com a natureza. Só vamos conseguir resolver problemas como o aquecimento global por meio de uma mudança cultural. Sei que o Brasil tem seus problemas, mas quando lidar com questões políticas e econômicas, também conseguirá mudar o mundo. O problema é que vejo que as pessoas não estão integradas: os homens de negócios só pensam em negócios; os artistas, na arte; os indígenas, em proteger sua terra. Talvez os jovens possam mudar isso.

Hoje, o custo para inovar caiu muito. Por outro lado, as gigantes de tecnologia nunca foram tão grandes. Como vê esse cenário?

Para os empreendedores, é preciso entender qual a vantagem que eles têm frente a essas gigantes de tecnologia. E também saber as fraquezas das gigantes e atacá-las. Eles podem ter muitos dados, mas não o conhecimento ou a confiança local. Vivemos hoje um momento se somos capazes de fazer serviços locais mais relevantes ou plataformas mais inclusivas. Não é sobre ter uma versão “local” do Facebook, mas há oportunidades interessantes. A lei de proteção de dados da Europa, por exemplo, vai permitir o surgimento de empresas mais sensíveis à privacidade. É o tipo de vantagem que faz sentido. Mas, sendo honesto, creio que a grande vantagem do Vale do SIlício não está na inovação, mas sim no dinheiro. Lá, há capitalistas de risco incríveis, que sabem como apostar e gerar retorno. É uma competição sobre apoio de dinheiro, não sobre tecnologia.

O sr. é conselheiro do New York Times. Como o jornalismo pode inovar, ao mesmo tempo em que é questionado enquanto instituição, seja pelas notícias falsas ou por políticos?

Os ataques ao jornalismo são uma das coisas mais danosas que podem acontecer no mundo neste momento. Uma das razões pelas quais estou no New York Times é porque eu era um blogueiro que adorava criticar jornalistas. Depois, descobri que nós não podíamos substitui-los e que o jornalismo estava morrendo. Então, me juntei ao barco para ajudar. Acredito que o jornalismo precisa mudar. As novas gerações não gostam desse modelo distanciado: elas querem ver o jornalista, saber como ele é e o que pensa. Os jovens não sabem a diferença entre uma notícia e um artigo, por exemplo – é uma distinção que não faz sentido. Conversar com eles é um primeiro passo para entender qual o jornalismo que fará sentido no futuro.

O sr. conviveu com Timothy Leary e John Perry Barlow, dois pioneiros do movimento hippie e do pensamento livre. Como o mundo seria diferente sem eles?

Escrevi recentemente um artigo para a Wired sobre como os hippies influenciaram o início do Vale do Silício. Steve Jobs e Bill Gates, por exemplo, estiveram envolvidos com o movimento de expansão da mente a partir do uso de drogas. Isso mudou a cultura do Vale. A estrutura da internet é algo hippie: “minha rede leva seu pacote de dados se a sua rede levar o meu”. Não é algo transacional, é uma troca pura. É muito hippie. Por outro lado, essa rede de confiança também foi um problema: a internet começou a ter falhas quando “deixamos os demônios” entrarem, uma vez que não estávamos preparados para nos defender. Hoje, essa vertente hippie é uma subcultura no Vale, não é mais prevalente. Lá, as pessoas só pensam em negócios, negócios e negócios. Mas acredito que a nova geração fará um movimento tão interessante quanto os hippies. Estamos em um momento de tensão grande, da mesma forma que havia em 1969, com o Verão do Amor, a Guerra do Vietnã, as rebeliões em Detroit e os experimentos de Leary com o LSD. Hoje, há um movimento de direita aparecendo, mas espero que vejamos algo progressista surgindo em breve também.

Para encerrar, duas perguntas culturais. Que livro eu deveria ler neste momento? Para um brasileiro? Me deixe pensar… (faz uma pausa). Como as Democracias Morrem, de Stephen Levitsky e Daniel Ziblatt.

Sei que o sr. já foi DJ. Que música tocaria à meia noite numa festa de Ano Novo, na virada de 2018 para 2019?

“Come Together”, dos Beatles. Foi a música de campanha de quando Timothy Leary se candidatou ao governo da Califórnia. Acredito que é preciso fazer as pessoas se unirem para começar um movimento.

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