Até 2021, era muito improvável um “unicórnio” perder o chifre. Ou seja, dificilmente uma startup avaliada acima de US$ 1 bilhão teria seu valor reajustado para baixo a ponto de perder o status. Porém, com as mudanças macroeconômicas de 2022, os “down rounds” (ou avaliações para baixo) passaram a assombrar startups de todo o mundo — inclusive das brasileiras.
Casos recentes no mercado internacional servem de alerta. Três grandes companhias estrangeiras de tecnologia registram redução no valor de mercado ao negociar novas rodadas de investimento: BlockFi, Klarna e Stripe. Respectivamente, suas avaliações caíram de US$ 3 bilhões para US$ 1 bilhão, de US$ 45,6 bilhões para US$ 6,7 bilhões e de US$ 95 bilhões para US$ 74 bilhões.
Por aqui, esse rebaixamento ainda não aconteceu — ao menos do que se tem notícia. Mas a sombra paira sobre as empresas de tecnologia. “Se virar unicórnio traz manchete, imagine deixar de ser um”, observa o investidor Amure Pinho, cofundador da plataforma Investidores.VC. “É algo bem estressante para a marca da empresa”, diz ele.
Quem acompanha o setor, porém, diz que é um movimento quase inevitável, pois questionamentos sobre o real valor das startups ganharam força nos últimos meses. Fred Guesser, sócio do fundo de investimento Caravela Capital, diz que a euforia com a pandemia acabou e agora a hora é de ajustes no mercado. Ele afirma que se tornou comum no mercado ver avaliações de 15 a 20 vezes maiores do que a receita anualizada da companhia. Antes da covid-19, esse número era de 7 a 8 vezes.
“Os investidores estavam ineficientes e indisciplinados. Houve muita euforia e os valuations esticaram muito”, diz Guesser, acrescentando que muitos unicórnios nasceram dessa conjuntura, ainda que não merecessem o título. “Agora, o mercado está eliminando as aberrações.”
‘Down rounds’ podem significar sobrevivência
Embora arranhem a imagem da companhia, os down rounds podem significar a sobrevivência durante o “inverno das startups” (nome dado ao atual período de turbulência no mercado de inovação em todo o mundo).
Essas rodadas acontecem quando a startup busca novos investimentos junto a fundos de capital de risco, mas não consegue manter o mesmo valor de mercado atingido na rodada anterior. Nesses casos, a saída é aceitar cheques menores para garantir o caixa necessário para navegar durante o período turbulento.
Em negociações desse tipo, o empresário pode tentar manter intacta (ou até aumentar) a avaliação de mercado da companhia. Para isso, no entanto, o fundador precisa diminuir a própria participação na empresa — passo chamado de “diluição”, o que nem sempre é bem-visto pelos investidores.
Fred Guesser, sócio do fundo de investimento Caravela Capital
“Evitar a diluição é o mais importante, porque ela compromete o futuro da startup”, aponta Cássio Spina, cofundador da Anjos do Brasil. O investidor explica que esse passo pode desanimar o fundador, que se vê menos “dono” do negócio e com menos poder de decisão. Assim, ele estaria mais propenso a largar a startup e partir para uma nova empreitada, sem entregar os resultados prometidos aos fundos.
Por isso, diz Spina, a melhor recomendação nesse cenário é segurar o caixa de rodadas anteriores até uma nova mudança no mercado.
Ou seja, o ideal é cortar gastos — e é por isso que se popularizaram as demissões em startups nos últimos meses, atingindo em especial os unicórnios, sempre famintos por capital para manter o crescimento. “Esse estresse é maior especialmente para quem captou rodadas mais significativas anteriormente”, conclui Spina.
Inversão de expectativas
Se para empreendedores o down round é uma má notícia, investidores veem o tema com outros olhos. Com o mercado mais “racional”, a gestora Fuse Capital tem se mostrado mais competitiva para disputar cheques com outros fundos tradicionalmente mais dispostos ao risco.
“No ambiente de 2020 ou 2021, tínhamos muito pouco a oferecer para os fundadores, que preferiam fundos com cheque e avaliações maiores. Hoje, o mercado está muito mais próximo do que vemos como razoável. E aí nossa vantagem competitiva é maior”, comenta o sócio da Fuse, Guilherme Hug. “Vemos esse cenário de ajustes com bons olhos.”
Amure Pinho concorda. “Hoje, conseguimos avaliações melhores porque o mercado colocou medo nos fundadores”, diz. “O investidor deve aproveitar esse cenário para maximizar o investimento, negociar mais duro e escolher negócios mais saudáveis. Esse cenário não é ruim.”