Não é de hoje que as startups voltadas para pets (chamadas também de pettechs) têm ganhado espaço entre investidores e clientes — são empresas que oferecem desde compras online até itens personalizados. Mas faltava uma peça importante no portfólio dessas companhias: planos de saúde. É algo que começou a mudar durante a pandemia, quando a resiliência da categoria em meio à crise tornou o segmento no novo bichinho de estimação favorito das startups do setor.
A ideia de “serviço completo” é quase natural. Quem se acostumou a comprar comida, brinquedos e marcar banho e tosa pela internet passou a esperar pelas mesmas facilidades em relação à saúde dos animaizinhos.
Uma das startups que explora esse caminho é a Petwell. Nascida em 2021, a empresa curitibana oferece planos de saúde nos quais o tutor escolhe a porcentagem de reembolso que deseja receber por procedimento — o total ressarcido por ano pode ser de R$ 5 mil, R$ 10 mil ou R$ 15 mil. Com mensalidades entre R$ 80 e R$ 250, a empresa, fundada por Alexandre Berger e Ana Luisa Seleme, aposta na liberdade de escolha dos clientes para facilitar consultas e exames.
“Percebemos que, com a humanização que tem acontecido no mercado pet, era necessário dar acesso à saúde e tranquilizar os tutores”, explica Berger em entrevista ao Estadão.
Outro nome nesse canil é a Meu Pet Club. A empresa, braço do Grupo SVC administrado por Otto Marques, oferece reembolso com base nos serviços utilizados — mas, ao contrário da Petwell, as tarifas por procedimento são tabeladas. O cliente paga um preço fixo por mês e possui algumas cotas para gastar com cuidados médicos. Assim, se uma consulta custar R$ 250 e o valor tabelado para o procedimento for de R$ 200, o tutor tem um gasto de R$ 50 — o restante é coberto pelo plano.
“É um mercado extremamente aderente. Na pandemia, houve aumento no número de adoções, os laços se aproximaram muito. Pet hoje é um fator de saúde mental”, afirma Marques, presidente da Meu Pet Clube, ao Estadão.
Tanto o modelo da Petwell quanto o da Meu Pet Club visam a fazer a ponte entre veterinário e bichos de estimação, sem precisar de uma rede credenciada. A vantagem, segundo as empresas, é o fator de potencial sucesso do negócio: qualquer consultório pode atender a demanda.
“A gente percebeu que existe um vínculo muito grande entre o tutor e o veterinário. A rede credenciada, muitas vezes, é um limitador para isso. Trabalhando com o modelo de reembolso, o tutor consegue continuar levando o seu bichinho onde sempre levou”, ressalta Berger.
Faro fino
Diante do crescimento do setor, nomes já consolidados no mercado pet também farejaram o caminho dos planos de saúde. A PetLove, por exemplo, tem uma parceria com a Porto Seguro para oferecer planos para bichinhos, a Porto.Pet.
Após a compra da No.Faro, a startup passoutambém a oferecer serviços próprios, mais semelhantes a planos tradicionais, explica Fabiano Lima, presidente da área de saúde da companhia. São três tipos de cobertura que variam conforme a necessidade (hospitalar, exames ou terapias) e as mensalidades começam em R$ 80 e podem chegar a até R$ 300.
“A demanda por cuidado veterinário cresceu na pandemia e isso puxou, também, os planos de saúde. No primeiro trimestre, crescemos 42%”, ressalta Lima.
Além das empresas que nasceram especificamente para atender o público animal, setores mais tradicionais também começam a farejar o segmento. O caso mais recente foi a adesão do banco Itaú aos serviços de saúde de pets por assinatura.
Nos planos do banco, as coberturas oferecem acesso a hospitais veterinários, vacinas e consultas — o plano básico, de R$ 15 ao mês, dá direito a suporte telefônico 24 horas e duas consultas emergenciais no ano. Para adicionar outros serviços, é necessário montar o “combo”, adicionando as especialidades. Na adição do procedimento de castração, por exemplo, R$ 10 mensais são acrescentados à assinatura. Para as vacinas, o valor somado ao básico é de R$ 7 por mês.
Cachorro grande
Nos últimos anos, os cheques depositados no mercado animal cresceram exponencialmente. Em 2018, apenas duas rodadas de investimento foram para pettechs, um investimento que somou US$ 2,6 milhões, segundo dados da empresa de tecnologia Distrito. No ano passado, o número de rodadas quadruplicou, o que fez as empresas nacionais do setor receberem mais de US$ 146 milhões.
Para Alaide Barbosa, presidente da Capri Ventures, esse é um sinal de que o setor está na trilha certa. O fundo de investimento, criado especificamente para apoiar pettechs, acredita que saúde animal é um nicho que precisa ser olhado de forma diferente de outros produtos do segmento.
A lógica desse raciocínio é exemplificada pela maneira como a expressão “pais de pet” foi absorvida pela sociedade. Ou seja, a saúde do animalzinho passou a entrar no orçamento prioritário das famílias porque, em muitos casos, não há mais distinção entre os membros de um lar - sejam eles humanos ou não.
Segundo Guilherme Massa, cofundador da investidora Liga Ventures, o apego e a humanização do animal de estimação torna a procura por qualidade de saúde tão ou até mais importante que outros gastos — e esse ponto não passa despercebido por quem coloca dinheiro no negócio.
“Esse mercado começou a chamar mais atenção de fundos tradicionais e investidores-anjo, pois ele se mostrou resiliente a crises. E ainda tem muito espaço para inovação”, explica Massa. “Plano de saúde é uma tendência de solução por permitir um vínculo mais duradouro na jornada do tutor e do pet”.
Pegadas
Para a Capri Ventures, no entanto, o atendimento não pode ficar restrito aos cães e gatos. O caminho para o futuro do setor de saúde pet passa também por dar atenção a outros bichinhos, como pássaros, roedores e até animais silvestres, quando legalizados. “Aves, por exemplo, é o segundo maior mercado do Brasil de animais de estimação, na frente até dos gatos. Seja qual for, as pessoas têm gastado com pets,” explica Barbosa.
Outro desafio do setor é tentar não replicar os pontos fracos de hospitais e planos para pessoas. “O problema do mercado foi querer copiar o plano de saúde humano. Existe inclusive uma certa resistência do próprio veterinário em aceitar”, explica Marques, da Meu Pet Club.
Feitos esses ajustes, o potencial do mercado se abre. “Certamente é uma categoria em crescimento, seja para surgirem mais alternativas, seja para criarem formatos novos de planos. Para quem está começando e espera inovar no segmento pet, existe capital e espaço para crescer”, aponta Massa.