O cipoal tributário brasileiro tornou o País um mercado suculento para taxtechs (startups de automação fiscal) estrangeiras. Nos últimos meses, empresas dos EUA têm aberto escritórios no País, com a ideia de usar a tecnologia para acompanhar mudanças tributárias, compilar balanços e relatórios e provisionar impostos - e, claro, fazer os clientes economizarem tempo e pagarem menos impostos. É um começo, mas a incerteza jurídica impede que as empresas prescindam do acompanhamento de advogados e especialistas.
Para se ter uma ideia do trabalho das taxtechs, uma delas, a americana Sovos, colocou softwares para analisar 441 normas tributárias e acompanhou os 92 tributos existentes no País, em 2021. Para isso, contratou 250 funcionários no Brasil, sendo que 80% deles estão voltados para aprimorar essa e outras plataformas.
A empresa abriu escritório local no Brasil em 2016, quando começou a vender produtos por aqui. O que motivou sua vinda foi a oportunidade de crescimento dada a complexidade, rapidez e impacto das transformações tributárias no País. “Essa tríade forma um prato cheio para o contribuinte errar, então o Brasil foi visto como uma grande oportunidade”, diz Helenice Lima, diretora da Sovos.
Presente em mais de 70 países e com mais de 20 mil clientes, a Sovos tenta fazer com que as empresas encontrem a menor carga tributária por produto, por meio do Tax Rules. “Nosso sistema analisa o menor tributo a ser pago dentro da lei, para que o contribuinte tenha competitividade e esteja em conformidade com o Fisco”, afirma Lima.
Luis Fernando Cibella, diretor do Solution Center para o segmento de Corporações na América Latina
Já a Thomson Reuters, dona da plataforma Onesource Tax Provision, diz que um de seus clientes economizou R$ 650 mil em dois meses, com a automação dos cálculos de provisão. Lançada em fevereiro no Brasil, a Onesource era usada por contribuintes brasileiros, que importavam os serviços da plataforma. Ela foi criada em 2019, a partir da necessidade de multinacionais fazerem o cálculo da taxa de imposto de renda em vários países e consolidar esses valores em um único lugar.
“A maior dificuldade é ter um dado concreto para tomada de decisão, trazendo a totalidade das provisões que vão ter impacto direto nos lucros e dividendos”, afirma Luis Fernando Cibella, diretor do Solution Center para o segmento de Corporações na América Latina. Segundo ele, a plataforma também junta compliance e governança. Os principais clientes estão no setor farmacêutico, de manufatura, automotivo e do agronegócio.
Apesar de prometerem redução de custos e esforços, especialistas afirmam, entretanto, que esses softwares não substituem a análise de um time de advogados, contadores e auditores.
De acordo com o advogado Kristian Rodrigo Pscheidt, sócio do escritório MV Costa Advogados, as plataformas são eficientes em buscar erros nos lançamentos contábeis, mas nem tanto em interpretar decisões dos tribunais superiores, como do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Essas ferramentas se constituem em um suporte para a revisão dos lançamentos, mas dificilmente substituirão por completo a análise por um profissional especializado”, afirma Pscheidt.
Essa visão é compartilhada pelo advogado Carlos Eduardo Navarro, sócio da Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados. “Essas plataformas podem ser melhores que os tributaristas para acompanhar as mudanças da legislação”, diz. “Com 5.500 Municípios e 27 Estados, o trabalho é sobrehumano, mas a interpretação dessa legislação é atividade típica do ser humano, e, especialmente, do advogado.”
Para Francisco Nogueira de Lima Neto, sócio fundador do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, a lacuna maior que essas plataformas podem gerar está em compensações de crédito indevidas com a Receita Federal.
“Por meio de trabalho totalmente informatizado foram gerados diversos créditos fiscais relacionados ao Pis/Cofins, alguns deles realmente aceitos e com entendimento pacificado tanto na Receita Federal como no Poder Judiciário, outros aceitos apenas no judiciário mas não na Receita Federal. Nessa situação, a Receita Federal acaba por autuar o empresário”, afirma Neto.
Procurada, a Receita Federal não encaminhou resposta até a publicação desta reportagem.