Para as startups, parece ter passado uma década entre o fim do ano passado e o fim de 2022. Com a alta global dos juros básicos, o mercado de inovação viu os ventos rumarem para uma direção oposta ao que se observou durante a pandemia: o capital ficou mais caro e as startups observaram diminuir o fluxo de dinheiro vindo de fundos especializados. Como consequência, congelamento de vagas e demissões em massa viraram o “novo normal” e cautela virou palavra-chave para o próximo ano.
O tombo pegou de surpresa um mercado que passou os últimos anos acostumado com crescimento veloz, cheques “gordos” e novas rodadas de investimento quase diárias. Para agravar a situação, a retomada da vida pós-covid diminuiu a necessidade de serviços digitais e a guerra na Ucrânia causou aumento geral dos preços em todo o mundo.
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Nos meses seguintes ao conflito na Europa, fundos de investimento alertaram as startups sobre a chegada de novos tempos. A aceleradora americana Y Combinator afirmou em maio que era para os fundadores se prepararem “para o pior”. Já o fundo Sequoia, uma das maiores gestoras do mundo especializadas em tecnologia, incentivou os empresários a se prepararem para cortes de despesas, o que inclui projetos pouco eficientes e equipes. Lentamente, o mercado começou a se ajustar ao prognóstico mais pessimista que vinha sendo dado pelos “chefões”.
“É difícil resumir o que foi 2022 para quem trabalha com startups”, diz Carolina Strobel, sócia da aceleradora Antler e parceira da gestora Redpoint eventures. “Foi um ano de ajustes,” completa.
No Brasil, as demissões em massa somaram quase 4 mil pessoas entre os “unicórnios”, nome dado às startups com avaliação de mercado superior a US$ 1 bilhão. Segundo levantamento do Estadão, das 24 startups que compõem o grupo, 16 realizaram cortes de dezenas ou centenas de pessoas com fins de enxugamento de custos.
Reajustes de valor
Renato Ramalho, presidente executivo da gestora KPTL, prefere não considerar o ano de 2022 como uma “crise” – mas tampouco classifica a época como o melhor período para as startups. “Foi estranho, mas houve um aprendizado enorme para não se fazer coisas erradas”, diz.
Segundo ele, a expectativa é que aconteçam também ajustes na avaliação do valor dessas companhias - os números devem ser puxados para baixo (fenômeno batizado de down rounds). “Houve um abuso de empresas em relação à avaliação, ao uso do dinheiro e à consistência que muitas diziam ter”, argumenta.
Carolina concorda que os down rounds devem ser tendência e que houve exageros dos mercados, mas a investidora relembra que isso não é motivo para pânico nem que há uma “bolha estourando”. “Mesmo com a empolgação da pandemia, não há nada parecido com a crise das Pontocom no início do milênio”, diz. “A indústria de tecnologia não vai parar com essa crise.”
Apostas
Enquanto a palavra de 2022 foi “ajuste”, a máxima do próximo ano deverá ser “cautela”: empreendedores e investidores começam o ano com o pé no freio. Para Pedro Carneiro, sócio da aceleradora ACE Startups, esse cenário muda a forma de fazer negócios das startups.
“As startups precisam agir menos como elas mesmas”, afirma Carneiro. “Não há caixa para tantas tentativas, porque trata-se de um negócio muito propenso ao erro. Elas precisam ser mais inteligentes e aprender mais rápido. Do contrário, pode ser necessário fechar as portas ou diminuir custos da empresa”.
Especialistas apostam que uma da formas de buscar recursos será por meio dos fundos corporativos de investimento – ou corporate venture capital (CVC). Segundo pesquisa da consultoria de inovação ACE Cortex em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), divulgada em novembro, foram destinados US$ 4,1 bilhões em investimento em CVC no ano passado, enquanto a cifra foi de US$ 635 milhões em 2020. No mundo, o mercado global saltou de US$ 70,1 bilhões em 2020 para US$ 169,3 bilhões em 2021.
Além dos CVCs, há também a aposta em fusões e aquisições (ou M&A). Com o mercado de tecnologia menos aquecido e com avaliações menores, movimentos de compra de outras empresas devem ganhar força.
“O M&A é uma estratégia muito importante de inovação para as grandes empresas e startups”, explica Carolina. Para ela, os próximos dois anos devem apresentar recordes de negócios de aquisições e fusões. “Neste momento do mercado, é mais importante comprar uma empresa do que criar uma companhia do zero para inovar.”