Alguns podem dizer que Daniel Ibri está na contramão: enquanto um número maior de startups brasileiras recebe aportes de fundos estrangeiros, ele leva dinheiro de investidores locais para empresas inovadoras de Israel e do Vale do Silício que estejam interessadas em entrar no mercado nacional. É essa a missão do seu fundo, o Mindset Ventures: criado em 2016, o grupo já investiu em cerca de 40 empresas, em cinco setores: fintechs, saúde, agrotechs, cibersegurança e softwares como serviço (SaaS, na sigla em inglês).
“A ideia é que os nossos investidores possam aprender no exterior e aplicar esse conhecimento aqui”, disse. Ao Estado, ele afirma os motivos de o Brasil ser um mercado atraente para startups americanas e israelenses, bem como o que as companhias locais precisam fazer para se destacar. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Em um momento no qual as startups brasileiras estão ‘bombando’, por que investir lá fora?
Em 2015, eu era um dos gestores do Acelera Partners, um fundo que tinha, entre seus investidores, empresas como Microsoft, Votorantim e Monsanto. Na época, já havia bastante startups no País, mas era difícil achar empresas aqui que fossem fazer diferença global. A ideia original daqui sempre tinha um equivalente no Vale do Silício e em Israel. Além disso, o ciclo de liquidez me preocupava: a gente estava começando a investir naquela época e ia demorar para ver o retorno do dinheiro. Lá fora, o nível de inovação é bem maior, os riscos são menores e a liquidez acontece mais rápido. Duas vezes por anos, organizamos viagens para o Vale do Silício e para Israel. Isso torna o investimento palpável: quem coloca dinheiro pode trocar ideia com o empreendedor, entender os desafios – e ver como pode aplicar isso em outras empresas. Hoje, já estamos a caminho do terceiro fundo com essa tese, com cerca de 40 startups investidas.
Como isso ajuda o ecossistema local?
Vejo dois pontos positivos. A maioria dos nossos investidores também tem aportes aqui. Conosco, o investidor pode aprender lá fora e aplicar aqui. Além disso, procuramos conectar ecossistemas. Toda vez que uma startup nossa vem ao Brasil, faço questão de relacionar o empreendedor, pedir para ele dar palestras e conhecer gente daqui.
O Mindset investe no Vale do Silício e em Israel. Que argumentos atraem startups desses países para o Brasil?
Para as startups israelenses, o Brasil é um mercado super atraente. Como Israel é um país pequeno, eles precisam de mercado desde o primeiro momento. Além disso, somos um mercado que oferece menos risco do que o Vale do Silício, onde está mais difícil empreender. É um local caro e supercompetitivo. No Vale, você não consegue contratar programador bom pagando barato. Também não dá para errar: com dois erros, o cara sai do mercado. Já no Brasil, dá para errar e ganhar escala. No caso dos americanos, é parecido: as empresas buscam um mercado consumidor grande e, muitas vezes, mão de obra qualificada a valores mais acessíveis.
Em sua opinião, o que falta para o ecossistema brasileiro?
Ainda é preciso melhorar o fluxo de startups brasileiras para fora. Hoje, já há alguns casos de sucesso a nível global, como Gympass, que já tem uma rede de clientes. Ou o Pipefy, que está brigando com startups americanas. Mas ainda é pouco. No mínimo, a startup brasileira já tem de nascer pensando no mercado latino. Esse é o próximo movimento. Vimos unicórnios, vimos aberturas de capital lá fora, fundos gringos olhando para cá. Agora esse é o próximo passo.
Para quem faz investimentos no exterior, o quão importantes são acordos internacionais, como o recém-assinado entre União Europeia e Mercosul?
Sinceramente? Muito pouco. Todo movimento macroeconômico demora muito para chegar no mundo ds startups. É positivo, mas o impacto real só acontece no longo prazo. O que melhora o cenário para a gente é um movimento de simplificação e novas legislações – como é o caso do Marco Legal das Startups ou a reforma tributária. Toda vez que uma startup estrangeira vem para cá e quer abrir operação, é bastante trabalhoso explicar como o sistema de impostos funciona. São as reformas que vão facilitar a entrada de capital e empreendedores aqui, o que é bom para o País: traz tecnologia e empregos.