Assim como outros apps de delivery, a plataforma de entregas de bebidas Zé Delivery tem surfado o bom momento do setor, atendendo quem tem sede por uma “gelada” em casa. A startup, criada pela Ambev em 2016, atingiu 29 milhões de vendas no primeiro semestre deste ano, superando as 27 milhões de entregas feitas ao longo de todo o ano de 2020 – mesmo com a reabertura dos bares, o app atendeu 15 milhões de pedidos no trimestre encerrado em setembro.
Em entrevista ao Estadão, Rodolfo Chung, presidente executivo do Zé Delivery, fala sobre o crescimento da startup, que viu seu quadro de funcionários aumentar de 100 para 700 funcionários durante a pandemia. Ele também dá detalhes sobre o funcionamento da tecnologia do aplicativo, que usa uma base de distribuidores para realizar vendas diretas para os consumidores – os entregadores são contratados pelos pontos de venda parceiros.
Segundo Chung, um dos possíveis caminhos para o Zé Delivery é se tornar um aplicativo de confraternização, que vai além das bebidas – ele englobaria serviços e outras cestas de produtos. O executivo, porém, não dá detalhes sobre a possível transformação. “São hipóteses para o futuro para a gente se provar, mas temos de pensar quais são as necessidades do consumidor que está numa sexta-feira à noite e quer se preparar para uma festa”, afirmou.
Abaixo, os melhores momentos.
A que você atribui o crescimento do Zé Delivery nos últimos anos?
Como todas as startups, aprendemos, erramos e fomos evoluindo. Só começamos mesmo a acelerar o investimento em 2019, que foi quando acertamos na proposta de valor – não foi algo que veio tão fácil. Estava claro que o consumidor brasileiro era obrigado a fazer uma escolha entre conveniência e preço, e a tecnologia trouxe a possibilidade de ter as duas coisas. O consumidor tinha de cruzar a cidade, pegar fila, entrar em uma loja gigante e carregar peso para economizar alguns centavos. Era tão clara a demanda que sabíamos que era questão de ajustar o modelo de negócio e a parte tecnológica.
O que exatamente deu errado no começo?
Somos um marketplace que une pontos de venda, entregadores, consumidores e indústria. Talvez o erro tenha sido privilegiar ou garantir a lucratividade de um lado ou outro antes da hora certa. Quando olhamos para o longo prazo e focamos na satisfação do consumidor, é preciso subsidiar, ajudando o ponto de venda a passar pelo período de baixa demanda. Acertamos quando focamos no consumidor em vez de tentar ter todo mundo ao mesmo tempo. Hoje, com escala, já conseguimos atender às necessidades dos quatro atores.
O Zé Delivery atingiu número recorde de vendas no primeiro semestre deste ano, superando todo o ano passado. Sem a pandemia, esse resultado seria possível?
A pandemia teve um papel acelerador. Mas o momento não criou novos comportamentos. A tendência de consumir em casa, em delivery, já existia. A prova disso é que, agora, que todas as restrições de lockdown foram liberadas, continuamos batendo recorde mês após mês. Tivemos a velocidade e a capacidade de aproveitar essa aceleração da melhor forma possível.
Como foi a adaptação à explosão de demanda na pandemia?
Antes da pandemia, tínhamos 100 funcionários. Hoje, temos mais de 700 pessoas, sendo 200 delas envolvidas na parte de tecnologia. Contratar gente e manter a cultura interna de inovação é fácil quando você tem um time de 50 pessoas, mas é outra escala quando você tem centenas de funcionários. Uma das coisas importantes nesse momento de crescimento rápido foi manter o foco. Somos reconhecidos por termos uma plataforma que faz muito bem o que se presta, mas não tem uma complexidade, como recursos acessórios. Sempre prezamos pela simplicidade e robustez da nossa plataforma. É uma experiência fácil, simples e transparente para o consumidor. Acho que resistir às tentações de aumentar a complexidade do aplicativo durante a época de crescimento exponencial foi fundamental para mantermos a qualidade de serviço.
Quais são os principais pilares tecnológicos do Zé Delivery?
Desenvolvemos muitas tecnologias proprietárias: temos algoritmos internos e uma parte de cibersegurança e proteção de dados bastante robusta. Existe uma complexidade porque não trabalhamos com um aplicativo só. Na verdade, temos quatro plataformas: a do consumidor, a da indústria, a dos pontos de venda parceiros e a dos entregadores. Fazer a coordenação dessas quatro plataformas para que elas trabalhem em sincronia é um desafio. Também estamos avançando na parte de dados. A natureza do nosso negócio é muito rica em inteligência de dados. É um produto de frequência muito alta e temos uma abundância de informações muito grande.
Na prática, como vocês usam algoritmos e inteligência artificial na operação?
A nossa demanda flutua muito. Ela muda conforme a temperatura e eventos do dia, como jogos de futebol. Nosso negócio também é baseado em picos: sábado à noite e domingo à tarde na ocasião dos churrascos, principalmente. É importante termos capacidade de predição de demanda, porque não é fácil escalar nosso negócio e se adaptar aos picos. Temos modelos preditivos de demanda que consideram várias variáveis externas (desde preço até temperatura, previsão de chuva e jogos de futebol), para conseguirmos modelar tudo isso e orquestrar o ecossistema, informando nossos parceiros e entregadores dessa capacidade.
Qual é a relevância das ‘dark stores’ (lojas ocultas do cliente, sem fachadas nem balcões) para a operação do Zé Delivery?
A grande maioria do nosso volume vem da conexão de pontos de venda com o consumidor – usamos dezenas de dark stores, enquanto temos milhares de vendedores terceiros. As dark stores funcionam mais como laboratórios, para aprendermos a operar o negócio e até preparar melhor nossos parceiros, que não são muito profissionalizados – testamos a roteirização de entregadores e a parte logística dentro do estoque, por exemplo. O nosso modelo é baseado na capilaridade, na densidade de pontos de venda disponíveis, para que a cerveja percorra o menor número de quilômetros possível e chegue mais rápido, pelo menor preço, na casa do consumidor. Nosso modelo sempre vai ser baseado numa malha muito grande.
Quais tecnologias o Zé Delivery ainda pretende incluir na operação?
Cada uma das quatro plataformas precisa evoluir muito, principalmente em personalização. Já que temos clientes tão fiéis, temos muito o que avançar na segmentação, para personalizar ofertas, por exemplo. Do lado dos entregadores, temos de aprender com a avaliação na plataforma para criar os incentivos certos, para os entregadores melhorarem cada vez mais o nível de serviço e se sentirem reconhecidos por isso.
Outros aplicativos têm apostado em modelos de entrega rápida com capilaridade, como Rappi. Como o Zé Delivery pretende se diferenciar?
Não nos consideramos concorrentes diretos. Somos especializados na ocasião de confraternização, de juntar os amigos em casa, de fazer o esquenta e o churrasco. Resolver as demandas que são particulares do momento de consumo de bebidas será sempre nosso diferencial. Enxergamos uma oportunidade de criar um app especializado no momento da confraternização, que vai além da bebida. São hipóteses para o futuro para a gente se provar, mas temos de pensar quais são as necessidade do consumidor que está numa sexta-feira à noite e quer se preparar para uma festa. Talvez possamos adicionar serviços e cestas de produtos que sejam complementares. Esse consumidor também deve estar pensando em como vai dividir a conta com os amigos, como vai chamar o transporte para a festa da casa do amigo dele. É esse tipo de coisa que precisamos entender.
O Zé Delivery poderia ser considerado um “unicórnio” (startup com avaliação de mercado superior a US$ 1 bilhão)?
Há alguns meses, temos uma receita registrada que é equivalente à de unicórnios. Temos uma estrutura semelhante a de uma startup que já venceu. Hoje, olhamos muito mais para as demais big techs do mercado.
A Ambev está atrás de novos negócios como o Zé Delivery?
A Ambev tem falado muito sobre ecossistema. Isso significa que não é só uma empresa com uma natureza de negócio que vai vencer. Nesse sentido, eu sinto o centro de gravidade mudando para um modelo muito mais horizontal. Imagino que a Ambev terá vários casos como o do Zé Delivery. Acho que o Zé Delivery nasceu de um ambiente favorável para tudo isso. Eu vejo absolutamente que é um terreno fértil para várias iniciativas chegarem em um patamar muito grande, do nível de unicórnios.
Quais são os planos de expansão geográfica?
Se falarmos do nível de penetração que temos cidade a cidade no Brasil, há uma oportunidade enorme de crescimento. Dá para crescer várias e várias vezes só mantendo o mesmo modelo de negócio que já deu certo em muitos lugares. Em paralelo, existe um esforço grande de replicar esse modelo em outros países da América Latina, como Argentina, México e Colômbia. A Ambev, por ter operações no mundo todo, nos ajuda nessa expansão.