Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|A AGU começou mal ao tentar definir desinformação


Regular a distribuição de conteúdo é mais eficiente do que regular a mensagem

Por Pedro Doria

O governo Lula quer bater de frente com a máquina de desinformação que ameaça faz já pelo menos cinco anos a democracia brasileira. Ponto para ele. Mas começou mal — de forma atabalhoada, desastrada e, ora, no mínimo desinformada. É que a Advocacia-Geral da União tomou para si o trabalho de definir desinformação. As aspas são oficiais:

“Mentira voluntária, dolosa, com o objetivo claro de prejudicar a correta execução das políticas públicas com prejuízo à sociedade e com o objetivo de promover ataques deliberados aos membros dos Poderes com mentiras que efetivamente embaracem o exercício de suas funções públicas.”

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Política pública quem determina, evidentemente, é o governo. Imaginemos que esta definição valesse para o governo Bolsonaro em plena pandemia. O que seria a “correta execução das políticas públicas” em plena quarentena de 2020? Distribuir cloroquina, talvez. Se Jair Bolsonaro publicasse uma definição assim, contra “ataques deliberados aos membros dos Poderes” para embaraçar o exercício das funções públicas, a sociedade civil de presto levantaria o dedo para observar mais um avanço antidemocrático.

Alguns poderiam argumentar, em benefício da AGU, que ela está falando de algo mais específico, de uma mentira que seja voluntária e danosa. Mas não tem nada de trivial definir se alguém mentiu ou se enganou e, a partir daí, se mentiu com o objetivo de causar dano. Não pode, numa democracia, o governo definir o que é uma “política pública corretamente executada” e ter uma norma, qualquer norma, que possa intimidar seus críticos.

Definido desta forma, qualquer um que critique políticas públicas poderá ser acusado de estar mentindo com o objetivo de causar dano. Mesmo que inocente, o crítico terá de pagar advogado — se tiver recursos para tal —, gastar tempo na Justiça, enfrentar o peso do Estado.

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A definição de democracia exige que o Estado jamais use seu peso para intimidar qualquer cidadão que questione as intenções do governante.

Além do quê, o foco da AGU está possivelmente errado. Primeiro porque desinformação não é só mentira, ela é mais eficiente quando confunde, quando planta dúvidas, quando termina com reticências e não exclamação. Segundo porque a ameaça à democracia está mais numa força que impõe o ódio, o dissenso, que dificulta conversas e racha a sociedade, do que nas mentiras.

Esta força é o algoritmo. O problema não é o tuíte, é o algoritmo que decide que aquele tuíte, post, foto ou vídeo alcançará dez ou vinte milhões. Quando bombardeados por ódio, raiva e insanidade todos os dias, saímos todos irritados e pouco dispostos a encarar de quem discordamos. Regular a distribuição é mais eficiente do que regular a mensagem, e aí nem precisa encarar problemas espinhosos com liberdade de expressão.

O governo Lula quer bater de frente com a máquina de desinformação que ameaça faz já pelo menos cinco anos a democracia brasileira. Ponto para ele. Mas começou mal — de forma atabalhoada, desastrada e, ora, no mínimo desinformada. É que a Advocacia-Geral da União tomou para si o trabalho de definir desinformação. As aspas são oficiais:

“Mentira voluntária, dolosa, com o objetivo claro de prejudicar a correta execução das políticas públicas com prejuízo à sociedade e com o objetivo de promover ataques deliberados aos membros dos Poderes com mentiras que efetivamente embaracem o exercício de suas funções públicas.”

Política pública quem determina, evidentemente, é o governo. Imaginemos que esta definição valesse para o governo Bolsonaro em plena pandemia. O que seria a “correta execução das políticas públicas” em plena quarentena de 2020? Distribuir cloroquina, talvez. Se Jair Bolsonaro publicasse uma definição assim, contra “ataques deliberados aos membros dos Poderes” para embaraçar o exercício das funções públicas, a sociedade civil de presto levantaria o dedo para observar mais um avanço antidemocrático.

Alguns poderiam argumentar, em benefício da AGU, que ela está falando de algo mais específico, de uma mentira que seja voluntária e danosa. Mas não tem nada de trivial definir se alguém mentiu ou se enganou e, a partir daí, se mentiu com o objetivo de causar dano. Não pode, numa democracia, o governo definir o que é uma “política pública corretamente executada” e ter uma norma, qualquer norma, que possa intimidar seus críticos.

Definido desta forma, qualquer um que critique políticas públicas poderá ser acusado de estar mentindo com o objetivo de causar dano. Mesmo que inocente, o crítico terá de pagar advogado — se tiver recursos para tal —, gastar tempo na Justiça, enfrentar o peso do Estado.

A definição de democracia exige que o Estado jamais use seu peso para intimidar qualquer cidadão que questione as intenções do governante.

Além do quê, o foco da AGU está possivelmente errado. Primeiro porque desinformação não é só mentira, ela é mais eficiente quando confunde, quando planta dúvidas, quando termina com reticências e não exclamação. Segundo porque a ameaça à democracia está mais numa força que impõe o ódio, o dissenso, que dificulta conversas e racha a sociedade, do que nas mentiras.

Esta força é o algoritmo. O problema não é o tuíte, é o algoritmo que decide que aquele tuíte, post, foto ou vídeo alcançará dez ou vinte milhões. Quando bombardeados por ódio, raiva e insanidade todos os dias, saímos todos irritados e pouco dispostos a encarar de quem discordamos. Regular a distribuição é mais eficiente do que regular a mensagem, e aí nem precisa encarar problemas espinhosos com liberdade de expressão.

O governo Lula quer bater de frente com a máquina de desinformação que ameaça faz já pelo menos cinco anos a democracia brasileira. Ponto para ele. Mas começou mal — de forma atabalhoada, desastrada e, ora, no mínimo desinformada. É que a Advocacia-Geral da União tomou para si o trabalho de definir desinformação. As aspas são oficiais:

“Mentira voluntária, dolosa, com o objetivo claro de prejudicar a correta execução das políticas públicas com prejuízo à sociedade e com o objetivo de promover ataques deliberados aos membros dos Poderes com mentiras que efetivamente embaracem o exercício de suas funções públicas.”

Política pública quem determina, evidentemente, é o governo. Imaginemos que esta definição valesse para o governo Bolsonaro em plena pandemia. O que seria a “correta execução das políticas públicas” em plena quarentena de 2020? Distribuir cloroquina, talvez. Se Jair Bolsonaro publicasse uma definição assim, contra “ataques deliberados aos membros dos Poderes” para embaraçar o exercício das funções públicas, a sociedade civil de presto levantaria o dedo para observar mais um avanço antidemocrático.

Alguns poderiam argumentar, em benefício da AGU, que ela está falando de algo mais específico, de uma mentira que seja voluntária e danosa. Mas não tem nada de trivial definir se alguém mentiu ou se enganou e, a partir daí, se mentiu com o objetivo de causar dano. Não pode, numa democracia, o governo definir o que é uma “política pública corretamente executada” e ter uma norma, qualquer norma, que possa intimidar seus críticos.

Definido desta forma, qualquer um que critique políticas públicas poderá ser acusado de estar mentindo com o objetivo de causar dano. Mesmo que inocente, o crítico terá de pagar advogado — se tiver recursos para tal —, gastar tempo na Justiça, enfrentar o peso do Estado.

A definição de democracia exige que o Estado jamais use seu peso para intimidar qualquer cidadão que questione as intenções do governante.

Além do quê, o foco da AGU está possivelmente errado. Primeiro porque desinformação não é só mentira, ela é mais eficiente quando confunde, quando planta dúvidas, quando termina com reticências e não exclamação. Segundo porque a ameaça à democracia está mais numa força que impõe o ódio, o dissenso, que dificulta conversas e racha a sociedade, do que nas mentiras.

Esta força é o algoritmo. O problema não é o tuíte, é o algoritmo que decide que aquele tuíte, post, foto ou vídeo alcançará dez ou vinte milhões. Quando bombardeados por ódio, raiva e insanidade todos os dias, saímos todos irritados e pouco dispostos a encarar de quem discordamos. Regular a distribuição é mais eficiente do que regular a mensagem, e aí nem precisa encarar problemas espinhosos com liberdade de expressão.

Opinião por Pedro Doria

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