Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Deixar o Monark falar bobagem é deixar a democracia funcionar com suas próprias pernas


As eleições já ficaram para trás e é hora de voltar à normalidade

Por Pedro Doria
Atualização:

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou o bloqueio de todos os perfis de redes sociais de Bruno Aiub, o Monark. É uma ordem de censura prévia. E é uma decisão grave: censura prévia é proibida pela Constituição. Cláusula pétrea. Jair Bolsonaro não é mais o presidente. As eleições passaram. Qual o sentido de calar Monark?

Liberdade de expressão é um problema filosófico e prático, não é um problema moral como a direita autoritária faz parecer. Talvez os leitores mais atentos estejam cansados com o eterno retorno, por aqui, ao capítulo 2 de Sobre a Liberdade, do filósofo inglês John Stuart Mill. É a defesa mais elegante e também prática jamais feita de por que é útil, a uma sociedade livre e interessada no avanço pelo conhecimento, da liberdade de expressão.

Mas Mill parte de uma série de premissas, às vezes sequer escritas, que precisam ser levadas em conta. Ele escreveu no século 19, quando a ideia de tempo para reflexão era inerente ao processo do debate. Demorava muito para um livro ser publicado, raras pessoas escreviam livros ou mesmo panfletos e artigos de jornal. Raras pessoas participavam do debate público. E botar uma opinião na roda tinha um impacto na sua reputação imenso, então quem escrevia dedicava tempo à construção de seus argumentos. Naquele mundo, era muito razoável acreditar, como Mill defendia, que as melhores ideias venceriam as piores com o passar do tempo.

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O digital traz duas diferenças que traem o raciocínio de Mill. Primeiro porque é rápido, instantâneo. E, segundo, porque não atiça respostas racionais. As redes são construídas para nos provocar reações guturais. Movidos, portanto, pelas nossas emoções, vieses, preconceitos. Nossa reputação no debate público digital cresce não pela sofisticação do argumento, pelo desafio intelectual de antes. A reputação cresce, como num ringue de luta livre, se as torcidas sedentas são saciadas ou não.

Monark teve as redes bloqueadas por Alexandre de Moraes Foto: Reprodução / Twitter

É bem possível que Mill continue certo no arco do tempo. Num espaço de dez, vinte anos, vai dar certo. Mas no ambiente de caos, manipulando desinformação de milhão em milhão de likes, um autoritário se reelege e nessa morrem cem mil numa pandemia, uns tantos milhões de hectares de floresta são derrubados, quiçá um país vizinho termina invadido. Perdemos a democracia.

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Então, sim, em alguns momentos pode ser que se justifique maior rigor para conter desinformação e proteger da morte a democracia. Mas a eleição passou. Não é à toa que nossa Constituição, em geral verborrágica, vede a censura prévia com um período tão simples. “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.” Ponto parágrafo. Só isso e basta.

Deixa o Monark falar bobagem. É hora de deixar a Democracia funcionar com suas próprias pernas. Confia.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou o bloqueio de todos os perfis de redes sociais de Bruno Aiub, o Monark. É uma ordem de censura prévia. E é uma decisão grave: censura prévia é proibida pela Constituição. Cláusula pétrea. Jair Bolsonaro não é mais o presidente. As eleições passaram. Qual o sentido de calar Monark?

Liberdade de expressão é um problema filosófico e prático, não é um problema moral como a direita autoritária faz parecer. Talvez os leitores mais atentos estejam cansados com o eterno retorno, por aqui, ao capítulo 2 de Sobre a Liberdade, do filósofo inglês John Stuart Mill. É a defesa mais elegante e também prática jamais feita de por que é útil, a uma sociedade livre e interessada no avanço pelo conhecimento, da liberdade de expressão.

Mas Mill parte de uma série de premissas, às vezes sequer escritas, que precisam ser levadas em conta. Ele escreveu no século 19, quando a ideia de tempo para reflexão era inerente ao processo do debate. Demorava muito para um livro ser publicado, raras pessoas escreviam livros ou mesmo panfletos e artigos de jornal. Raras pessoas participavam do debate público. E botar uma opinião na roda tinha um impacto na sua reputação imenso, então quem escrevia dedicava tempo à construção de seus argumentos. Naquele mundo, era muito razoável acreditar, como Mill defendia, que as melhores ideias venceriam as piores com o passar do tempo.

O digital traz duas diferenças que traem o raciocínio de Mill. Primeiro porque é rápido, instantâneo. E, segundo, porque não atiça respostas racionais. As redes são construídas para nos provocar reações guturais. Movidos, portanto, pelas nossas emoções, vieses, preconceitos. Nossa reputação no debate público digital cresce não pela sofisticação do argumento, pelo desafio intelectual de antes. A reputação cresce, como num ringue de luta livre, se as torcidas sedentas são saciadas ou não.

Monark teve as redes bloqueadas por Alexandre de Moraes Foto: Reprodução / Twitter

É bem possível que Mill continue certo no arco do tempo. Num espaço de dez, vinte anos, vai dar certo. Mas no ambiente de caos, manipulando desinformação de milhão em milhão de likes, um autoritário se reelege e nessa morrem cem mil numa pandemia, uns tantos milhões de hectares de floresta são derrubados, quiçá um país vizinho termina invadido. Perdemos a democracia.

Então, sim, em alguns momentos pode ser que se justifique maior rigor para conter desinformação e proteger da morte a democracia. Mas a eleição passou. Não é à toa que nossa Constituição, em geral verborrágica, vede a censura prévia com um período tão simples. “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.” Ponto parágrafo. Só isso e basta.

Deixa o Monark falar bobagem. É hora de deixar a Democracia funcionar com suas próprias pernas. Confia.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou o bloqueio de todos os perfis de redes sociais de Bruno Aiub, o Monark. É uma ordem de censura prévia. E é uma decisão grave: censura prévia é proibida pela Constituição. Cláusula pétrea. Jair Bolsonaro não é mais o presidente. As eleições passaram. Qual o sentido de calar Monark?

Liberdade de expressão é um problema filosófico e prático, não é um problema moral como a direita autoritária faz parecer. Talvez os leitores mais atentos estejam cansados com o eterno retorno, por aqui, ao capítulo 2 de Sobre a Liberdade, do filósofo inglês John Stuart Mill. É a defesa mais elegante e também prática jamais feita de por que é útil, a uma sociedade livre e interessada no avanço pelo conhecimento, da liberdade de expressão.

Mas Mill parte de uma série de premissas, às vezes sequer escritas, que precisam ser levadas em conta. Ele escreveu no século 19, quando a ideia de tempo para reflexão era inerente ao processo do debate. Demorava muito para um livro ser publicado, raras pessoas escreviam livros ou mesmo panfletos e artigos de jornal. Raras pessoas participavam do debate público. E botar uma opinião na roda tinha um impacto na sua reputação imenso, então quem escrevia dedicava tempo à construção de seus argumentos. Naquele mundo, era muito razoável acreditar, como Mill defendia, que as melhores ideias venceriam as piores com o passar do tempo.

O digital traz duas diferenças que traem o raciocínio de Mill. Primeiro porque é rápido, instantâneo. E, segundo, porque não atiça respostas racionais. As redes são construídas para nos provocar reações guturais. Movidos, portanto, pelas nossas emoções, vieses, preconceitos. Nossa reputação no debate público digital cresce não pela sofisticação do argumento, pelo desafio intelectual de antes. A reputação cresce, como num ringue de luta livre, se as torcidas sedentas são saciadas ou não.

Monark teve as redes bloqueadas por Alexandre de Moraes Foto: Reprodução / Twitter

É bem possível que Mill continue certo no arco do tempo. Num espaço de dez, vinte anos, vai dar certo. Mas no ambiente de caos, manipulando desinformação de milhão em milhão de likes, um autoritário se reelege e nessa morrem cem mil numa pandemia, uns tantos milhões de hectares de floresta são derrubados, quiçá um país vizinho termina invadido. Perdemos a democracia.

Então, sim, em alguns momentos pode ser que se justifique maior rigor para conter desinformação e proteger da morte a democracia. Mas a eleição passou. Não é à toa que nossa Constituição, em geral verborrágica, vede a censura prévia com um período tão simples. “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.” Ponto parágrafo. Só isso e basta.

Deixa o Monark falar bobagem. É hora de deixar a Democracia funcionar com suas próprias pernas. Confia.

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