Até o fim do ano, uma das maiores firmas de e-commerce chinesas deve abrir seu capital em Wall Street — a Shein, hoje, é avaliada em US$ 64 bilhões. Na venda de roupas femininas, já ultrapassou a Amazon no mercado americano. Afinal, em suas páginas sai por US$ 10 o mesmo vestido que nas lojas dos EUA chega a US$ 100.
Pari passu, a Casa Branca pressiona cada vez mais o Capitólio a ampliar seus poderes de pressão sobre a Byte Dance, controladora do TikTok. O CEO deve depor perante os deputados federais neste mês. Não falta gente, tanto no Partido Democrata quanto no Republicano, falando em bloquear por completo o app em todo o território nacional. Esse território da disputa de espaços entre China e EUA é novo e tem pouco a ver com roupas ou redes sociais. Tem tudo a ver, porém, com inteligência artificial.
Os parlamentares americanos, quando manifestam suas preocupações com o TikTok, lançam dois argumentos. Um é mais proeminente nas falas públicas. Na atual versão mais autocrática do governo chinês, dados pessoais de americanos que usam a plataforma podem estar fluindo para Pequim. O argumento manifestado com mais discrição é outro. Os políticos americanos temem que, assim como as redes sociais chinesas fazem discretamente propaganda do governo lá, podem estar sendo usadas para fazer propaganda antiamericana no Ocidente. E é difícil aferir se o receio faz sentido.
O TikTok é muito mais viciante do que qualquer uma das redes americanas. É difícil explicar por que, mesmo tentando, a Meta não foi capaz de reproduzir a mesma capacidade de grude no Instagram. Há muitas explicações possíveis, mas uma delas é a mais prosaica — simplesmente não está à altura da ByteDance em inteligência artificial.
A imprensa especializada sugere que a China está um salto à frente dos EUA em IA. Uma das razões pode ser, simplesmente, que os controles sobre privacidade e as exigências que democracias impõem a empresas não existem por lá. Sem tantas amarras, o algoritmo do TikTok foi treinado com muito mais facilidade.
Pode ser — mas os chineses não inventaram o ChatGPT. Nos EUA, não só a OpenAI desenvolveu o ChatGPT como o Google criou o Bard, que é distinto e equivalente na sua capacidade de produzir textos que gente escreveria. Se há uma guerra em busca de domínio tecnológico, e certamente há, os chineses não lideram em todas as frentes. A capacidade da Shein de vender vestidos baratos, afinal, depende diretamente daquilo que, em um país como o Brasil, seria classificado como trabalho equivalente à escravidão.
Mas esta briga é diferente. É difícil imaginar os EUA cumprindo a ameaça de banir mesmo o TikTok. Se o fizer, cruzará uma linha que no passado atravessou apenas em tempos de guerra. A briga do controle do fluxo de informação pelo Estado. E, ainda assim, a briga está posta.