Jamais vou esquecer duma cena que vi no início do segundo semestre de 2008, no campus de Stanford, universidade no coração do Vale do Silício. Havia duas estudantes conversando animadamente. Ainda tinham em si um pouco daquela adolescência de meninas, que quando juntas riem muito de assuntos que só pertencem a elas. Uma era toda californiana. Loura e muito branca, vestia uma camiseta muito leve e um short curto, mas curto dum jeito que quase nunca vemos no Brasil. A outra era morena, mas só dava para ver seu rosto. O manto do vestido ia até os pés, mangas compridas nos braços, e o hijab que lhe cobria todos os cabelos, as orelhas, e que se enlaçava abaixo do queixo. A cena não se destacou naquele segundo, para mim, por ser rara. Mas porque ali me toquei de como era comum. As roupas de ambas mostravam que pertenciam a mundos radicalmente distintos. E as risadas fáceis, o balançar animado de corpo, o total entrosamento mostravam que eram duas moças de 19 ou 20 como tantas outras. Uma cena comum do Vale.
“Essa última Lei de Migração transformou o Brasil em um país sem fronteiras”, se queixou o presidente eleito Jair Bolsonaro faz uns dias. “Não podemos permitir a entrada indiscriminada de quem quer vir para cá.” Ele acabara de conversar com seu par húngaro Viktor Orbán, que se elegeu dizendo horrores de imigrantes, falando contra a União Europeia, embora sem os subsídios europeus seu país não fique de pé.
O Brasil é um país fechado. Barbaramente fechado. Recebe poucos imigrantes e se tranca aos produtos de fora. Manter o Brasil fechado é um ponto no qual esquerda e direita vêm concordando ao longo da história brasileira.
Quem anda pelo Vale vê por ali todos os tons de pele, incontáveis sotaques. O CEO do Google nasceu na Índia e um de seus fundadores, na Rússia. Se engana quem aposta que o lugar recebe estrangeiros, mas apenas aqueles com diploma de engenharia e pós-graduação no MIT. Há também muitos pobres, e não só latino-americanos. Mas tire do Vale os estrangeiros e o lugar será ferido de morte. Porque o que implantou ali uma explosão de criatividade é justamente o fato de o local ter-se tornado uma esquina do mundo. É gente demais, criada em cantos diferentes, pensando de formas distintas, conversando e rindo o tempo todo. É essa mistura que propicia caminhos novos. Gente do mesmo lugar que só fala com gente do mesmo lugar empaca, todo mundo pensa do mesmo jeito.
O antônimo de cosmopolita é provinciano.
No BNDES, Joaquim Levy promete programas de incentivo para startups e empresas da nova economia. Já não é sem tempo. Mas e os computadores, continuarão sendo os mais caros do mundo? E para ter um celular de ponta, que são os únicos possíveis para fazer os apps do ano que vem, continuará sendo preciso pagar três vezes o preço americano? Se sim, não tem BNDES que resolva.
Enquanto as crianças da Maré ou do Capão Redondo não puderem comprar computadores bons e baratos, o Brasil não terá programadores em massa. Sem programadores em massa, brasileiros e migrantes, não teremos uma indústria tecnológica. Sem maquinário barato tampouco.
Teríamos muito a aprender sobre como promover uma indústria assim com a China. Mas o novo governo não gosta da China. Fazemos máquinas de lavar ruins e pagamos por elas preços maiores que os americanos. Por roupas piores, também pagamos mais. Pelos carros, idem. Sim, há os custos trabalhistas e os altos impostos. Que são compensados com medidas protecionistas. É tudo um ciclo. Porque o Brasil quer ser fechado num mundo que funciona aberto. Quem paga o preço somos nós. Um preço que vai ficando cada vez mais alto quanto mais pobre se é. Sigamos vendendo commodities.