Há coisa de duas semanas, Sam Altman, presidente executivo da OpenAI, deu uma dessas entrevistas recorrentes em cima de palco, durante as muitas conferências que acontecem quase toda semana no Vale do Silício.
Desta vez, quem lhe fazia perguntas era Alexis Ohanian, cofundador do site participativo Reddit. Um clipe desta conversa circula desde então nas redes. “No meu grupo de chat com outros CEOs de tecnologia”, contou o executivo que lançou o ChatGPT, “temos um bolão para ver quem acerta o ano em que teremos a primeira empresa que vale US$ 1 bilhão com uma só pessoa.”
Elas se chamam “unicórnios”, no jargão do Vale: as empresas que alcançam o valor de mercado que passa a linha do um bilhão de dólares. Nos tempos da indústria, empresas avaliadas neste nível eram grandes multinacionais com parques fabris espalhados pelo planeta e centenas de milhares de funcionários. A Era Industrial já passou — muita gente não percebeu, mas o que gera riqueza não é mais galpão de fábrica e operário faz um tempo. É software. Código. Propriedade intelectual.
Ainda assim, empresas de um bi têm dezenas de milhares de funcionários. Fora algumas do mercado financeiro, pelo menos milhares. É preciso uma coleção de cérebros, alguns times de doutores reunidos. O que Altman está sugerindo é um novo passo.
Graças à inteligência artificial (IA), uma única pessoa será capaz de produzir uma riqueza sem tamanho. E os principais executivos do Vale estão apostando para ver quem acerta o ano em que este limiar será cruzado.
Que mundo o rompimento deste paradigma cria? Um mundo onde a riqueza é ainda mais concentrada? Ou um em que podemos trabalhar menos e com conforto? A reação em boa parte da internet foi a mesma de sempre. O temor do desemprego, da concentração de riqueza, um mundo potencialmente cada vez mais desigual. Só que não precisa ser assim.
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Uma ou mais empresas que valem um bi pilotadas por uma só pessoa são também empresas que podem ser pesadamente taxadas e, ainda assim, deixar o CEO-fundador muito, muito rico. O incentivo de gerar riqueza não se perde. O exercício que inúmeros economistas como Milton Friedman já cogitaram, da renda mínima universal, precisa ser explorado.
O próprio Sam Altman está dirigindo faz alguns anos um experimento do tipo. Por três anos, em dois Estados americanos, três mil pessoas receberam todos os meses ou US$ 50 ou US$ 1 mil. A maneira como este dinheiro impactou a vida das famílias recipientes, como alterou seu comportamento, tudo foi meticulosamente acompanhado por economistas, sociólogos e antropólogos.
O digital fará isso cada vez mais. Produzirá riqueza numa proporção nunca vista com a necessidade de menos e menos braços. Isso exige que nós, coletivamente, repensemos o papel da tributação, o funcionamento dos Estados, a organização da sociedade. Pode nascer disso um mundo muito melhor.