'No laboratório, podemos fazer qualquer tipo de peixe', diz fundador de startup


Startup Finless Foods usa célula de peixes para criar 'sashimi mais saudável'; escala ainda é desafio para empresa

Por Bruno Capelas
Brian Wyrwas e Mike Selden, fundadores da Finless Foods. Foto: Nick Otto/The Washington Post

Uma das grandes tendências do mundo da tecnologia em 2019 é a carne vegetal: hambúrgueres e almôndegas que são feitos de soja, ervilha ou beterraba, mas tentam imitar o gosto e a consistência da carne. Nos EUA, startups com esse propósito têm se destacado na bolsa de valores e em redes de fast food.

Aqui no Brasil, nomes como a Fazenda Futuro já chegaram à avaliação de US$ 100 milhões. Mas essa “inovação” pode ficar obsoleta em breve: já há startups que se dedicam a fazer carne de laboratório. Ou peixe, como é o caso da americana Finless Foods, criada por dois doutores em bioquímica com a ambição de fazer sushi e sashimi a partir das células de espécies raras. 

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É o caso do atum rabilho (blue fin tuna, em inglês), cujo quilo já chegou a valer US$ 10.800 em um leilão no Japão. “Podemos produzir carne de espécies raras, com sabor fresco, dentro do laboratório”, explica ao Estado Mike Selden, presidente executivo da Finless Foods, criada em 2016. Sediada em São Francisco, a empresa tem o apoio da IndieBio, aceleradora especializada em biotecnologia, e da NewHarvest, ONG que pesquisa novas soluções para a segurança alimentar. 

Formado em bioquímica, Selden se inspirou em técnicas da indústria farmacêutica para sua empresa – hoje, há células isoladas em laboratórios que produzem substâncias antes encontradas apenas no sangue de animais específicos. “Alimentamos as células com nutrientes, esperamos que elas se reproduzam e damos a ela complexidade para se transformar em filés”, afirma.

O caminho até o mercado é longo: depois de protótipos em 2017, a empresa se prepara para lançar seus primeiros filés nos próximos meses. Não será barato. “Por enquanto, estamos mirando o mercado de luxo”, explica o executivo. Mas pode ser um caminho para um problema que se torna urgente: em relatório do ano passado, a FAO alerta que o consumo de peixe cresceu 3,2% ano a ano desde a década de 1960; já a produção subiu apenas 1,6%. Em breve, pode se tornar algo insustentável – especialmente ao se considerar que mais e mais pessoas buscam peixes por alimentação saudável. “Se conseguirmos ganhar escala, poderemos garantir um suprimento saudável de peixes”, diz Selden. 

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Por que fazer peixe a partir de células de peixe?  Há várias razões. Hoje, a cadeia de produção do peixe é bastante cruel – envolve a vida em cativeiro, antibióticos e hormônios, ou então, muitas vezes, práticas de pesca predatória. Fazer peixe a partir de células de peixe é um bom argumento porque elimina a crueldade – afinal, não há uma consciência por trás da carne. É também mais saudável, uma vez que podemos produzir alimentos sem afetar a saúde dos oceanos, sem mercúrio, plástico ou substâncias artificiais. Para quem gosta de boa comida, nosso peixe pode ser extremamente fresco. E para quem busca comer coisas diferentes, podemos produzir, nos Estados Unidos, um tipo de peixe que só existe no oceano do Japão, por exemplo. 

Como o sr. começou esse negócio?  Eu e meu sócio, Brian, estudamos bioquímica juntos na faculdade. Naquela época, li um artigo em uma revista sobre como o sangue de um caranguejo era usado pela indústria farmacêutica, mas o resto do animal era desperdiçado. Aí, o que cientistas fizeram? Buscaram uma solução em laboratório para desenvolver uma substância equivalente ao que buscavam no sangue. Achei inspirador – e acreditei que o mesmo poderia ser feito com qualquer animal. Oito anos e algumas pesquisas se passaram até eu começar a trabalhar em um projeto parecido com isso no meu doutorado, que acabou se transformando na Finless. Hoje, temos um escritório em São Francisco, levantamos dinheiro e agora temos um time de 12 pessoas trabalhando conosco. 

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Quando penso em uma receita, uso ingredientes para fazer um prato. Quais são os ingredientes do seu filé de peixe?  São as células. O que estamos fazendo agora é isolar e levantar um inventário de células de peixe. Se elas forem bem alimentadas, com os nutrientes adequados, podem crescer indefinidamente. Se isso acontecer, essas células podem ser refinadas e se transformar em filés. Mantendo o cultivo de células, poderemos nunca mais precisar matar um animal de novo. Há dois desafios aqui: o primeiro é fazer com que as células cresçam e sejam iguais, em termos de sabor e qualidade nutricional, ao peixe das quais se originam. A segunda é dar a elas a estrutura e textura que as pessoas desejam. Já desenvolvemos alguns protótipos e planejamos, nos próximos meses, lançar nossos primeiros rolinhos de sushi e fatias de sashimi no mercado. 

Como será possível ganhar escala comercial nesse projeto?  É uma grande questão – e nosso desafio agora. A parte boa é que não estamos reinventando a roda: apenas estamos replicando algo que a indústria farmacêutica pratica há tempos. A diferença é que eles fazem células em laboratório para que elas produzam as substâncias desejadas. Nós só queremos que as células sejam produzidas. Para ganhar escala, precisamos conseguir alimentar as células de forma barata e escalável e precisamos que elas cresçam num ambiente real, em três dimensões – algo semelhante à fermentação de um barril de cerveja. 

E o plano é ter algo mais barato que o salmão disponível no mercado?  Por enquanto, estamos trabalhando em tipos de peixe caros e raros. É o caso do atum rabilho (blue fin tuna, em inglês), que alcança preços recordes em leilões de peixe no Japão. Se usarmos a escala da indústria farmacêutica, poderemos ter um preço mais acessível para ele, sim. Sabemos que nosso atum de laboratório será um bem de luxo, ao menos no início, mas também acredito que podemos chegar ao preço de peixes que são commodity, como o salmão. Mas mesmo que fiquemos só na categoria de luxo, já teremos feito uma missão importante: hoje, os 10% mais ricos do planeta causam boa parte da poluição global. Se ajudarmos nesse sentido, já vamos reduzir a desigualdade – porque quem está sofrendo as consequências da pesca predatória e dos ataques ao planeta não são os ricos, mas sim os pobres. 

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Como o sr. vê iniciativas que usam vegetais para substituir a carne, como Impossible Burger ou Beyond Meat?  É incrível. O impacto que a pecuária causa hoje no mundo é preocupante, então qualquer iniciativa que vá no sentido de reduzi-lo é interessante. Mas o que eles fazem é bem diferente da gente: eles trabalham com proteínas vegetais, com nutrientes diferentes. E a tecnologia deles têm potencial limitado: pode funcionar para hambúrgueres, mas não sei se chegarão ao ponto de um grande bife de carne, com a mesma textura e sabor, do jeito que alguém bem carnívoro gosta. É só um equivalente vegetariano. Não é o nosso caso. 

Cientista da Finless Foods Inspeciona células Foto: NICK OTTO/THE WHASHINGTON POST

O produto da Finless Foods não é vegetariano? Não. Estamos usando ingredientes de carne. Os vegetarianos já estão fazendo um trabalho sustentável, mas há pessoas que não vão mudar seus hábitos alimentares por uma causa. Se ofereceremos uma alternativa, porém, elas vão trocar. Afinal, ninguém machuca o meio ambiente só porque quer. 

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Como os reguladores veem sua iniciativa?  Eles acompanham bem de perto, até pelo nosso desenvolvimento: ao contrário de startups de software, não podemos fazer nada ilegal, precisamos tomar todas as medidas de segurança ao longo do desenvolvimento. A parte boa é que, quando formos ao mercado, não precisaremos passar por um novo processo de regulação, ao menos nos Estados Unidos. Mas a Food and Drug Administration (órgão semelhante à Anvisa nos EUA) está animado com nosso projeto. Hoje, nos EUA, há um problema de etiquetagem dos peixes – um peixe é vendido como se fosse outro. Se nossa ideia der certo, podemos criar um suprimento saudável de peixes para os americanos. 

Conheça cinco marcas de hambúrgueres vegetais que imitam carne

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Fazenda Futuro

Foto: Gabriela Billó/Estadão
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Incrível Burger - Seara Gourmet

Foto: Seara / Divulgação
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Beyond Meat

Foto: Angel Franco/NYT
5 | 9

Impossible Burger

Foto: Jason Henry/NYT
6 | 9

Impossible Foods

Foto: Giselle Guerrero/Impossible Foods
7 | 9

Behind Foods

Foto: JF Diorio/Estadão
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Fazenda Futuro

Foto: Gabriela Biló/Estadão
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Behind The Foods

Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão
Brian Wyrwas e Mike Selden, fundadores da Finless Foods. Foto: Nick Otto/The Washington Post

Uma das grandes tendências do mundo da tecnologia em 2019 é a carne vegetal: hambúrgueres e almôndegas que são feitos de soja, ervilha ou beterraba, mas tentam imitar o gosto e a consistência da carne. Nos EUA, startups com esse propósito têm se destacado na bolsa de valores e em redes de fast food.

Aqui no Brasil, nomes como a Fazenda Futuro já chegaram à avaliação de US$ 100 milhões. Mas essa “inovação” pode ficar obsoleta em breve: já há startups que se dedicam a fazer carne de laboratório. Ou peixe, como é o caso da americana Finless Foods, criada por dois doutores em bioquímica com a ambição de fazer sushi e sashimi a partir das células de espécies raras. 

É o caso do atum rabilho (blue fin tuna, em inglês), cujo quilo já chegou a valer US$ 10.800 em um leilão no Japão. “Podemos produzir carne de espécies raras, com sabor fresco, dentro do laboratório”, explica ao Estado Mike Selden, presidente executivo da Finless Foods, criada em 2016. Sediada em São Francisco, a empresa tem o apoio da IndieBio, aceleradora especializada em biotecnologia, e da NewHarvest, ONG que pesquisa novas soluções para a segurança alimentar. 

Formado em bioquímica, Selden se inspirou em técnicas da indústria farmacêutica para sua empresa – hoje, há células isoladas em laboratórios que produzem substâncias antes encontradas apenas no sangue de animais específicos. “Alimentamos as células com nutrientes, esperamos que elas se reproduzam e damos a ela complexidade para se transformar em filés”, afirma.

O caminho até o mercado é longo: depois de protótipos em 2017, a empresa se prepara para lançar seus primeiros filés nos próximos meses. Não será barato. “Por enquanto, estamos mirando o mercado de luxo”, explica o executivo. Mas pode ser um caminho para um problema que se torna urgente: em relatório do ano passado, a FAO alerta que o consumo de peixe cresceu 3,2% ano a ano desde a década de 1960; já a produção subiu apenas 1,6%. Em breve, pode se tornar algo insustentável – especialmente ao se considerar que mais e mais pessoas buscam peixes por alimentação saudável. “Se conseguirmos ganhar escala, poderemos garantir um suprimento saudável de peixes”, diz Selden. 

Por que fazer peixe a partir de células de peixe?  Há várias razões. Hoje, a cadeia de produção do peixe é bastante cruel – envolve a vida em cativeiro, antibióticos e hormônios, ou então, muitas vezes, práticas de pesca predatória. Fazer peixe a partir de células de peixe é um bom argumento porque elimina a crueldade – afinal, não há uma consciência por trás da carne. É também mais saudável, uma vez que podemos produzir alimentos sem afetar a saúde dos oceanos, sem mercúrio, plástico ou substâncias artificiais. Para quem gosta de boa comida, nosso peixe pode ser extremamente fresco. E para quem busca comer coisas diferentes, podemos produzir, nos Estados Unidos, um tipo de peixe que só existe no oceano do Japão, por exemplo. 

Como o sr. começou esse negócio?  Eu e meu sócio, Brian, estudamos bioquímica juntos na faculdade. Naquela época, li um artigo em uma revista sobre como o sangue de um caranguejo era usado pela indústria farmacêutica, mas o resto do animal era desperdiçado. Aí, o que cientistas fizeram? Buscaram uma solução em laboratório para desenvolver uma substância equivalente ao que buscavam no sangue. Achei inspirador – e acreditei que o mesmo poderia ser feito com qualquer animal. Oito anos e algumas pesquisas se passaram até eu começar a trabalhar em um projeto parecido com isso no meu doutorado, que acabou se transformando na Finless. Hoje, temos um escritório em São Francisco, levantamos dinheiro e agora temos um time de 12 pessoas trabalhando conosco. 

Quando penso em uma receita, uso ingredientes para fazer um prato. Quais são os ingredientes do seu filé de peixe?  São as células. O que estamos fazendo agora é isolar e levantar um inventário de células de peixe. Se elas forem bem alimentadas, com os nutrientes adequados, podem crescer indefinidamente. Se isso acontecer, essas células podem ser refinadas e se transformar em filés. Mantendo o cultivo de células, poderemos nunca mais precisar matar um animal de novo. Há dois desafios aqui: o primeiro é fazer com que as células cresçam e sejam iguais, em termos de sabor e qualidade nutricional, ao peixe das quais se originam. A segunda é dar a elas a estrutura e textura que as pessoas desejam. Já desenvolvemos alguns protótipos e planejamos, nos próximos meses, lançar nossos primeiros rolinhos de sushi e fatias de sashimi no mercado. 

Como será possível ganhar escala comercial nesse projeto?  É uma grande questão – e nosso desafio agora. A parte boa é que não estamos reinventando a roda: apenas estamos replicando algo que a indústria farmacêutica pratica há tempos. A diferença é que eles fazem células em laboratório para que elas produzam as substâncias desejadas. Nós só queremos que as células sejam produzidas. Para ganhar escala, precisamos conseguir alimentar as células de forma barata e escalável e precisamos que elas cresçam num ambiente real, em três dimensões – algo semelhante à fermentação de um barril de cerveja. 

E o plano é ter algo mais barato que o salmão disponível no mercado?  Por enquanto, estamos trabalhando em tipos de peixe caros e raros. É o caso do atum rabilho (blue fin tuna, em inglês), que alcança preços recordes em leilões de peixe no Japão. Se usarmos a escala da indústria farmacêutica, poderemos ter um preço mais acessível para ele, sim. Sabemos que nosso atum de laboratório será um bem de luxo, ao menos no início, mas também acredito que podemos chegar ao preço de peixes que são commodity, como o salmão. Mas mesmo que fiquemos só na categoria de luxo, já teremos feito uma missão importante: hoje, os 10% mais ricos do planeta causam boa parte da poluição global. Se ajudarmos nesse sentido, já vamos reduzir a desigualdade – porque quem está sofrendo as consequências da pesca predatória e dos ataques ao planeta não são os ricos, mas sim os pobres. 

Como o sr. vê iniciativas que usam vegetais para substituir a carne, como Impossible Burger ou Beyond Meat?  É incrível. O impacto que a pecuária causa hoje no mundo é preocupante, então qualquer iniciativa que vá no sentido de reduzi-lo é interessante. Mas o que eles fazem é bem diferente da gente: eles trabalham com proteínas vegetais, com nutrientes diferentes. E a tecnologia deles têm potencial limitado: pode funcionar para hambúrgueres, mas não sei se chegarão ao ponto de um grande bife de carne, com a mesma textura e sabor, do jeito que alguém bem carnívoro gosta. É só um equivalente vegetariano. Não é o nosso caso. 

Cientista da Finless Foods Inspeciona células Foto: NICK OTTO/THE WHASHINGTON POST

O produto da Finless Foods não é vegetariano? Não. Estamos usando ingredientes de carne. Os vegetarianos já estão fazendo um trabalho sustentável, mas há pessoas que não vão mudar seus hábitos alimentares por uma causa. Se ofereceremos uma alternativa, porém, elas vão trocar. Afinal, ninguém machuca o meio ambiente só porque quer. 

Como os reguladores veem sua iniciativa?  Eles acompanham bem de perto, até pelo nosso desenvolvimento: ao contrário de startups de software, não podemos fazer nada ilegal, precisamos tomar todas as medidas de segurança ao longo do desenvolvimento. A parte boa é que, quando formos ao mercado, não precisaremos passar por um novo processo de regulação, ao menos nos Estados Unidos. Mas a Food and Drug Administration (órgão semelhante à Anvisa nos EUA) está animado com nosso projeto. Hoje, nos EUA, há um problema de etiquetagem dos peixes – um peixe é vendido como se fosse outro. Se nossa ideia der certo, podemos criar um suprimento saudável de peixes para os americanos. 

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Foto: Seara / Divulgação
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Behind The Foods

Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão
Brian Wyrwas e Mike Selden, fundadores da Finless Foods. Foto: Nick Otto/The Washington Post

Uma das grandes tendências do mundo da tecnologia em 2019 é a carne vegetal: hambúrgueres e almôndegas que são feitos de soja, ervilha ou beterraba, mas tentam imitar o gosto e a consistência da carne. Nos EUA, startups com esse propósito têm se destacado na bolsa de valores e em redes de fast food.

Aqui no Brasil, nomes como a Fazenda Futuro já chegaram à avaliação de US$ 100 milhões. Mas essa “inovação” pode ficar obsoleta em breve: já há startups que se dedicam a fazer carne de laboratório. Ou peixe, como é o caso da americana Finless Foods, criada por dois doutores em bioquímica com a ambição de fazer sushi e sashimi a partir das células de espécies raras. 

É o caso do atum rabilho (blue fin tuna, em inglês), cujo quilo já chegou a valer US$ 10.800 em um leilão no Japão. “Podemos produzir carne de espécies raras, com sabor fresco, dentro do laboratório”, explica ao Estado Mike Selden, presidente executivo da Finless Foods, criada em 2016. Sediada em São Francisco, a empresa tem o apoio da IndieBio, aceleradora especializada em biotecnologia, e da NewHarvest, ONG que pesquisa novas soluções para a segurança alimentar. 

Formado em bioquímica, Selden se inspirou em técnicas da indústria farmacêutica para sua empresa – hoje, há células isoladas em laboratórios que produzem substâncias antes encontradas apenas no sangue de animais específicos. “Alimentamos as células com nutrientes, esperamos que elas se reproduzam e damos a ela complexidade para se transformar em filés”, afirma.

O caminho até o mercado é longo: depois de protótipos em 2017, a empresa se prepara para lançar seus primeiros filés nos próximos meses. Não será barato. “Por enquanto, estamos mirando o mercado de luxo”, explica o executivo. Mas pode ser um caminho para um problema que se torna urgente: em relatório do ano passado, a FAO alerta que o consumo de peixe cresceu 3,2% ano a ano desde a década de 1960; já a produção subiu apenas 1,6%. Em breve, pode se tornar algo insustentável – especialmente ao se considerar que mais e mais pessoas buscam peixes por alimentação saudável. “Se conseguirmos ganhar escala, poderemos garantir um suprimento saudável de peixes”, diz Selden. 

Por que fazer peixe a partir de células de peixe?  Há várias razões. Hoje, a cadeia de produção do peixe é bastante cruel – envolve a vida em cativeiro, antibióticos e hormônios, ou então, muitas vezes, práticas de pesca predatória. Fazer peixe a partir de células de peixe é um bom argumento porque elimina a crueldade – afinal, não há uma consciência por trás da carne. É também mais saudável, uma vez que podemos produzir alimentos sem afetar a saúde dos oceanos, sem mercúrio, plástico ou substâncias artificiais. Para quem gosta de boa comida, nosso peixe pode ser extremamente fresco. E para quem busca comer coisas diferentes, podemos produzir, nos Estados Unidos, um tipo de peixe que só existe no oceano do Japão, por exemplo. 

Como o sr. começou esse negócio?  Eu e meu sócio, Brian, estudamos bioquímica juntos na faculdade. Naquela época, li um artigo em uma revista sobre como o sangue de um caranguejo era usado pela indústria farmacêutica, mas o resto do animal era desperdiçado. Aí, o que cientistas fizeram? Buscaram uma solução em laboratório para desenvolver uma substância equivalente ao que buscavam no sangue. Achei inspirador – e acreditei que o mesmo poderia ser feito com qualquer animal. Oito anos e algumas pesquisas se passaram até eu começar a trabalhar em um projeto parecido com isso no meu doutorado, que acabou se transformando na Finless. Hoje, temos um escritório em São Francisco, levantamos dinheiro e agora temos um time de 12 pessoas trabalhando conosco. 

Quando penso em uma receita, uso ingredientes para fazer um prato. Quais são os ingredientes do seu filé de peixe?  São as células. O que estamos fazendo agora é isolar e levantar um inventário de células de peixe. Se elas forem bem alimentadas, com os nutrientes adequados, podem crescer indefinidamente. Se isso acontecer, essas células podem ser refinadas e se transformar em filés. Mantendo o cultivo de células, poderemos nunca mais precisar matar um animal de novo. Há dois desafios aqui: o primeiro é fazer com que as células cresçam e sejam iguais, em termos de sabor e qualidade nutricional, ao peixe das quais se originam. A segunda é dar a elas a estrutura e textura que as pessoas desejam. Já desenvolvemos alguns protótipos e planejamos, nos próximos meses, lançar nossos primeiros rolinhos de sushi e fatias de sashimi no mercado. 

Como será possível ganhar escala comercial nesse projeto?  É uma grande questão – e nosso desafio agora. A parte boa é que não estamos reinventando a roda: apenas estamos replicando algo que a indústria farmacêutica pratica há tempos. A diferença é que eles fazem células em laboratório para que elas produzam as substâncias desejadas. Nós só queremos que as células sejam produzidas. Para ganhar escala, precisamos conseguir alimentar as células de forma barata e escalável e precisamos que elas cresçam num ambiente real, em três dimensões – algo semelhante à fermentação de um barril de cerveja. 

E o plano é ter algo mais barato que o salmão disponível no mercado?  Por enquanto, estamos trabalhando em tipos de peixe caros e raros. É o caso do atum rabilho (blue fin tuna, em inglês), que alcança preços recordes em leilões de peixe no Japão. Se usarmos a escala da indústria farmacêutica, poderemos ter um preço mais acessível para ele, sim. Sabemos que nosso atum de laboratório será um bem de luxo, ao menos no início, mas também acredito que podemos chegar ao preço de peixes que são commodity, como o salmão. Mas mesmo que fiquemos só na categoria de luxo, já teremos feito uma missão importante: hoje, os 10% mais ricos do planeta causam boa parte da poluição global. Se ajudarmos nesse sentido, já vamos reduzir a desigualdade – porque quem está sofrendo as consequências da pesca predatória e dos ataques ao planeta não são os ricos, mas sim os pobres. 

Como o sr. vê iniciativas que usam vegetais para substituir a carne, como Impossible Burger ou Beyond Meat?  É incrível. O impacto que a pecuária causa hoje no mundo é preocupante, então qualquer iniciativa que vá no sentido de reduzi-lo é interessante. Mas o que eles fazem é bem diferente da gente: eles trabalham com proteínas vegetais, com nutrientes diferentes. E a tecnologia deles têm potencial limitado: pode funcionar para hambúrgueres, mas não sei se chegarão ao ponto de um grande bife de carne, com a mesma textura e sabor, do jeito que alguém bem carnívoro gosta. É só um equivalente vegetariano. Não é o nosso caso. 

Cientista da Finless Foods Inspeciona células Foto: NICK OTTO/THE WHASHINGTON POST

O produto da Finless Foods não é vegetariano? Não. Estamos usando ingredientes de carne. Os vegetarianos já estão fazendo um trabalho sustentável, mas há pessoas que não vão mudar seus hábitos alimentares por uma causa. Se ofereceremos uma alternativa, porém, elas vão trocar. Afinal, ninguém machuca o meio ambiente só porque quer. 

Como os reguladores veem sua iniciativa?  Eles acompanham bem de perto, até pelo nosso desenvolvimento: ao contrário de startups de software, não podemos fazer nada ilegal, precisamos tomar todas as medidas de segurança ao longo do desenvolvimento. A parte boa é que, quando formos ao mercado, não precisaremos passar por um novo processo de regulação, ao menos nos Estados Unidos. Mas a Food and Drug Administration (órgão semelhante à Anvisa nos EUA) está animado com nosso projeto. Hoje, nos EUA, há um problema de etiquetagem dos peixes – um peixe é vendido como se fosse outro. Se nossa ideia der certo, podemos criar um suprimento saudável de peixes para os americanos. 

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Fazenda Futuro

Foto: Gabriela Billó/Estadão
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Behind The Foods

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Incrível Burger - Seara Gourmet

Foto: Seara / Divulgação
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Foto: Giselle Guerrero/Impossible Foods
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Foto: JF Diorio/Estadão
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Fazenda Futuro

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Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão
Brian Wyrwas e Mike Selden, fundadores da Finless Foods. Foto: Nick Otto/The Washington Post

Uma das grandes tendências do mundo da tecnologia em 2019 é a carne vegetal: hambúrgueres e almôndegas que são feitos de soja, ervilha ou beterraba, mas tentam imitar o gosto e a consistência da carne. Nos EUA, startups com esse propósito têm se destacado na bolsa de valores e em redes de fast food.

Aqui no Brasil, nomes como a Fazenda Futuro já chegaram à avaliação de US$ 100 milhões. Mas essa “inovação” pode ficar obsoleta em breve: já há startups que se dedicam a fazer carne de laboratório. Ou peixe, como é o caso da americana Finless Foods, criada por dois doutores em bioquímica com a ambição de fazer sushi e sashimi a partir das células de espécies raras. 

É o caso do atum rabilho (blue fin tuna, em inglês), cujo quilo já chegou a valer US$ 10.800 em um leilão no Japão. “Podemos produzir carne de espécies raras, com sabor fresco, dentro do laboratório”, explica ao Estado Mike Selden, presidente executivo da Finless Foods, criada em 2016. Sediada em São Francisco, a empresa tem o apoio da IndieBio, aceleradora especializada em biotecnologia, e da NewHarvest, ONG que pesquisa novas soluções para a segurança alimentar. 

Formado em bioquímica, Selden se inspirou em técnicas da indústria farmacêutica para sua empresa – hoje, há células isoladas em laboratórios que produzem substâncias antes encontradas apenas no sangue de animais específicos. “Alimentamos as células com nutrientes, esperamos que elas se reproduzam e damos a ela complexidade para se transformar em filés”, afirma.

O caminho até o mercado é longo: depois de protótipos em 2017, a empresa se prepara para lançar seus primeiros filés nos próximos meses. Não será barato. “Por enquanto, estamos mirando o mercado de luxo”, explica o executivo. Mas pode ser um caminho para um problema que se torna urgente: em relatório do ano passado, a FAO alerta que o consumo de peixe cresceu 3,2% ano a ano desde a década de 1960; já a produção subiu apenas 1,6%. Em breve, pode se tornar algo insustentável – especialmente ao se considerar que mais e mais pessoas buscam peixes por alimentação saudável. “Se conseguirmos ganhar escala, poderemos garantir um suprimento saudável de peixes”, diz Selden. 

Por que fazer peixe a partir de células de peixe?  Há várias razões. Hoje, a cadeia de produção do peixe é bastante cruel – envolve a vida em cativeiro, antibióticos e hormônios, ou então, muitas vezes, práticas de pesca predatória. Fazer peixe a partir de células de peixe é um bom argumento porque elimina a crueldade – afinal, não há uma consciência por trás da carne. É também mais saudável, uma vez que podemos produzir alimentos sem afetar a saúde dos oceanos, sem mercúrio, plástico ou substâncias artificiais. Para quem gosta de boa comida, nosso peixe pode ser extremamente fresco. E para quem busca comer coisas diferentes, podemos produzir, nos Estados Unidos, um tipo de peixe que só existe no oceano do Japão, por exemplo. 

Como o sr. começou esse negócio?  Eu e meu sócio, Brian, estudamos bioquímica juntos na faculdade. Naquela época, li um artigo em uma revista sobre como o sangue de um caranguejo era usado pela indústria farmacêutica, mas o resto do animal era desperdiçado. Aí, o que cientistas fizeram? Buscaram uma solução em laboratório para desenvolver uma substância equivalente ao que buscavam no sangue. Achei inspirador – e acreditei que o mesmo poderia ser feito com qualquer animal. Oito anos e algumas pesquisas se passaram até eu começar a trabalhar em um projeto parecido com isso no meu doutorado, que acabou se transformando na Finless. Hoje, temos um escritório em São Francisco, levantamos dinheiro e agora temos um time de 12 pessoas trabalhando conosco. 

Quando penso em uma receita, uso ingredientes para fazer um prato. Quais são os ingredientes do seu filé de peixe?  São as células. O que estamos fazendo agora é isolar e levantar um inventário de células de peixe. Se elas forem bem alimentadas, com os nutrientes adequados, podem crescer indefinidamente. Se isso acontecer, essas células podem ser refinadas e se transformar em filés. Mantendo o cultivo de células, poderemos nunca mais precisar matar um animal de novo. Há dois desafios aqui: o primeiro é fazer com que as células cresçam e sejam iguais, em termos de sabor e qualidade nutricional, ao peixe das quais se originam. A segunda é dar a elas a estrutura e textura que as pessoas desejam. Já desenvolvemos alguns protótipos e planejamos, nos próximos meses, lançar nossos primeiros rolinhos de sushi e fatias de sashimi no mercado. 

Como será possível ganhar escala comercial nesse projeto?  É uma grande questão – e nosso desafio agora. A parte boa é que não estamos reinventando a roda: apenas estamos replicando algo que a indústria farmacêutica pratica há tempos. A diferença é que eles fazem células em laboratório para que elas produzam as substâncias desejadas. Nós só queremos que as células sejam produzidas. Para ganhar escala, precisamos conseguir alimentar as células de forma barata e escalável e precisamos que elas cresçam num ambiente real, em três dimensões – algo semelhante à fermentação de um barril de cerveja. 

E o plano é ter algo mais barato que o salmão disponível no mercado?  Por enquanto, estamos trabalhando em tipos de peixe caros e raros. É o caso do atum rabilho (blue fin tuna, em inglês), que alcança preços recordes em leilões de peixe no Japão. Se usarmos a escala da indústria farmacêutica, poderemos ter um preço mais acessível para ele, sim. Sabemos que nosso atum de laboratório será um bem de luxo, ao menos no início, mas também acredito que podemos chegar ao preço de peixes que são commodity, como o salmão. Mas mesmo que fiquemos só na categoria de luxo, já teremos feito uma missão importante: hoje, os 10% mais ricos do planeta causam boa parte da poluição global. Se ajudarmos nesse sentido, já vamos reduzir a desigualdade – porque quem está sofrendo as consequências da pesca predatória e dos ataques ao planeta não são os ricos, mas sim os pobres. 

Como o sr. vê iniciativas que usam vegetais para substituir a carne, como Impossible Burger ou Beyond Meat?  É incrível. O impacto que a pecuária causa hoje no mundo é preocupante, então qualquer iniciativa que vá no sentido de reduzi-lo é interessante. Mas o que eles fazem é bem diferente da gente: eles trabalham com proteínas vegetais, com nutrientes diferentes. E a tecnologia deles têm potencial limitado: pode funcionar para hambúrgueres, mas não sei se chegarão ao ponto de um grande bife de carne, com a mesma textura e sabor, do jeito que alguém bem carnívoro gosta. É só um equivalente vegetariano. Não é o nosso caso. 

Cientista da Finless Foods Inspeciona células Foto: NICK OTTO/THE WHASHINGTON POST

O produto da Finless Foods não é vegetariano? Não. Estamos usando ingredientes de carne. Os vegetarianos já estão fazendo um trabalho sustentável, mas há pessoas que não vão mudar seus hábitos alimentares por uma causa. Se ofereceremos uma alternativa, porém, elas vão trocar. Afinal, ninguém machuca o meio ambiente só porque quer. 

Como os reguladores veem sua iniciativa?  Eles acompanham bem de perto, até pelo nosso desenvolvimento: ao contrário de startups de software, não podemos fazer nada ilegal, precisamos tomar todas as medidas de segurança ao longo do desenvolvimento. A parte boa é que, quando formos ao mercado, não precisaremos passar por um novo processo de regulação, ao menos nos Estados Unidos. Mas a Food and Drug Administration (órgão semelhante à Anvisa nos EUA) está animado com nosso projeto. Hoje, nos EUA, há um problema de etiquetagem dos peixes – um peixe é vendido como se fosse outro. Se nossa ideia der certo, podemos criar um suprimento saudável de peixes para os americanos. 

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Foto: Seara / Divulgação
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Fazenda Futuro

Foto: Gabriela Biló/Estadão
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Behind The Foods

Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão
Brian Wyrwas e Mike Selden, fundadores da Finless Foods. Foto: Nick Otto/The Washington Post

Uma das grandes tendências do mundo da tecnologia em 2019 é a carne vegetal: hambúrgueres e almôndegas que são feitos de soja, ervilha ou beterraba, mas tentam imitar o gosto e a consistência da carne. Nos EUA, startups com esse propósito têm se destacado na bolsa de valores e em redes de fast food.

Aqui no Brasil, nomes como a Fazenda Futuro já chegaram à avaliação de US$ 100 milhões. Mas essa “inovação” pode ficar obsoleta em breve: já há startups que se dedicam a fazer carne de laboratório. Ou peixe, como é o caso da americana Finless Foods, criada por dois doutores em bioquímica com a ambição de fazer sushi e sashimi a partir das células de espécies raras. 

É o caso do atum rabilho (blue fin tuna, em inglês), cujo quilo já chegou a valer US$ 10.800 em um leilão no Japão. “Podemos produzir carne de espécies raras, com sabor fresco, dentro do laboratório”, explica ao Estado Mike Selden, presidente executivo da Finless Foods, criada em 2016. Sediada em São Francisco, a empresa tem o apoio da IndieBio, aceleradora especializada em biotecnologia, e da NewHarvest, ONG que pesquisa novas soluções para a segurança alimentar. 

Formado em bioquímica, Selden se inspirou em técnicas da indústria farmacêutica para sua empresa – hoje, há células isoladas em laboratórios que produzem substâncias antes encontradas apenas no sangue de animais específicos. “Alimentamos as células com nutrientes, esperamos que elas se reproduzam e damos a ela complexidade para se transformar em filés”, afirma.

O caminho até o mercado é longo: depois de protótipos em 2017, a empresa se prepara para lançar seus primeiros filés nos próximos meses. Não será barato. “Por enquanto, estamos mirando o mercado de luxo”, explica o executivo. Mas pode ser um caminho para um problema que se torna urgente: em relatório do ano passado, a FAO alerta que o consumo de peixe cresceu 3,2% ano a ano desde a década de 1960; já a produção subiu apenas 1,6%. Em breve, pode se tornar algo insustentável – especialmente ao se considerar que mais e mais pessoas buscam peixes por alimentação saudável. “Se conseguirmos ganhar escala, poderemos garantir um suprimento saudável de peixes”, diz Selden. 

Por que fazer peixe a partir de células de peixe?  Há várias razões. Hoje, a cadeia de produção do peixe é bastante cruel – envolve a vida em cativeiro, antibióticos e hormônios, ou então, muitas vezes, práticas de pesca predatória. Fazer peixe a partir de células de peixe é um bom argumento porque elimina a crueldade – afinal, não há uma consciência por trás da carne. É também mais saudável, uma vez que podemos produzir alimentos sem afetar a saúde dos oceanos, sem mercúrio, plástico ou substâncias artificiais. Para quem gosta de boa comida, nosso peixe pode ser extremamente fresco. E para quem busca comer coisas diferentes, podemos produzir, nos Estados Unidos, um tipo de peixe que só existe no oceano do Japão, por exemplo. 

Como o sr. começou esse negócio?  Eu e meu sócio, Brian, estudamos bioquímica juntos na faculdade. Naquela época, li um artigo em uma revista sobre como o sangue de um caranguejo era usado pela indústria farmacêutica, mas o resto do animal era desperdiçado. Aí, o que cientistas fizeram? Buscaram uma solução em laboratório para desenvolver uma substância equivalente ao que buscavam no sangue. Achei inspirador – e acreditei que o mesmo poderia ser feito com qualquer animal. Oito anos e algumas pesquisas se passaram até eu começar a trabalhar em um projeto parecido com isso no meu doutorado, que acabou se transformando na Finless. Hoje, temos um escritório em São Francisco, levantamos dinheiro e agora temos um time de 12 pessoas trabalhando conosco. 

Quando penso em uma receita, uso ingredientes para fazer um prato. Quais são os ingredientes do seu filé de peixe?  São as células. O que estamos fazendo agora é isolar e levantar um inventário de células de peixe. Se elas forem bem alimentadas, com os nutrientes adequados, podem crescer indefinidamente. Se isso acontecer, essas células podem ser refinadas e se transformar em filés. Mantendo o cultivo de células, poderemos nunca mais precisar matar um animal de novo. Há dois desafios aqui: o primeiro é fazer com que as células cresçam e sejam iguais, em termos de sabor e qualidade nutricional, ao peixe das quais se originam. A segunda é dar a elas a estrutura e textura que as pessoas desejam. Já desenvolvemos alguns protótipos e planejamos, nos próximos meses, lançar nossos primeiros rolinhos de sushi e fatias de sashimi no mercado. 

Como será possível ganhar escala comercial nesse projeto?  É uma grande questão – e nosso desafio agora. A parte boa é que não estamos reinventando a roda: apenas estamos replicando algo que a indústria farmacêutica pratica há tempos. A diferença é que eles fazem células em laboratório para que elas produzam as substâncias desejadas. Nós só queremos que as células sejam produzidas. Para ganhar escala, precisamos conseguir alimentar as células de forma barata e escalável e precisamos que elas cresçam num ambiente real, em três dimensões – algo semelhante à fermentação de um barril de cerveja. 

E o plano é ter algo mais barato que o salmão disponível no mercado?  Por enquanto, estamos trabalhando em tipos de peixe caros e raros. É o caso do atum rabilho (blue fin tuna, em inglês), que alcança preços recordes em leilões de peixe no Japão. Se usarmos a escala da indústria farmacêutica, poderemos ter um preço mais acessível para ele, sim. Sabemos que nosso atum de laboratório será um bem de luxo, ao menos no início, mas também acredito que podemos chegar ao preço de peixes que são commodity, como o salmão. Mas mesmo que fiquemos só na categoria de luxo, já teremos feito uma missão importante: hoje, os 10% mais ricos do planeta causam boa parte da poluição global. Se ajudarmos nesse sentido, já vamos reduzir a desigualdade – porque quem está sofrendo as consequências da pesca predatória e dos ataques ao planeta não são os ricos, mas sim os pobres. 

Como o sr. vê iniciativas que usam vegetais para substituir a carne, como Impossible Burger ou Beyond Meat?  É incrível. O impacto que a pecuária causa hoje no mundo é preocupante, então qualquer iniciativa que vá no sentido de reduzi-lo é interessante. Mas o que eles fazem é bem diferente da gente: eles trabalham com proteínas vegetais, com nutrientes diferentes. E a tecnologia deles têm potencial limitado: pode funcionar para hambúrgueres, mas não sei se chegarão ao ponto de um grande bife de carne, com a mesma textura e sabor, do jeito que alguém bem carnívoro gosta. É só um equivalente vegetariano. Não é o nosso caso. 

Cientista da Finless Foods Inspeciona células Foto: NICK OTTO/THE WHASHINGTON POST

O produto da Finless Foods não é vegetariano? Não. Estamos usando ingredientes de carne. Os vegetarianos já estão fazendo um trabalho sustentável, mas há pessoas que não vão mudar seus hábitos alimentares por uma causa. Se ofereceremos uma alternativa, porém, elas vão trocar. Afinal, ninguém machuca o meio ambiente só porque quer. 

Como os reguladores veem sua iniciativa?  Eles acompanham bem de perto, até pelo nosso desenvolvimento: ao contrário de startups de software, não podemos fazer nada ilegal, precisamos tomar todas as medidas de segurança ao longo do desenvolvimento. A parte boa é que, quando formos ao mercado, não precisaremos passar por um novo processo de regulação, ao menos nos Estados Unidos. Mas a Food and Drug Administration (órgão semelhante à Anvisa nos EUA) está animado com nosso projeto. Hoje, nos EUA, há um problema de etiquetagem dos peixes – um peixe é vendido como se fosse outro. Se nossa ideia der certo, podemos criar um suprimento saudável de peixes para os americanos. 

Conheça cinco marcas de hambúrgueres vegetais que imitam carne

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Fazenda Futuro

Foto: Gabriela Billó/Estadão
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Behind The Foods

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Incrível Burger - Seara Gourmet

Foto: Seara / Divulgação
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Beyond Meat

Foto: Angel Franco/NYT
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Impossible Burger

Foto: Jason Henry/NYT
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Impossible Foods

Foto: Giselle Guerrero/Impossible Foods
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Behind Foods

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Fazenda Futuro

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Behind The Foods

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