Murilo RoncolatoEspecial para o ‘Link’
Para professora da PUC-Rio, conhecimento é essencial para se expressar no mundo digital
SÃO PAULO – Clarisse é a pior programadora que conhece. A professora do Departamento de Informática da PUC do Rio de Janeiro, Ph.D. em Linguística e especialista em engenharia semiótica, recorre a manuais básicos de linguagem Java para programar coisas simples. Ainda assim, Clarisse Sieckenius de Souza é a responsável por um projeto que pretende alfabetizar “computacionalmente” crianças e jovens de escolas cariocas.
—- • Siga o ‘Link’ no Twitter, no Facebook, no Google+ no Tumblr e também no Instagram
Desde 2010, Clarisse e uma equipe de dez pesquisadores aplicam uma versão brasileira de um projeto norte-americano em que os alunos aprendem a usar o “raciocínio computacional”, com base em exercícios de lógica e algoritmos, para programar jogos e simuladores. Um exemplo é um game no qual o objetivo é fazer um sapo atravessar um riacho cheio de troncos ou uma estrada movimentada. Cumprir os objetivos como jogador talvez seja uma tarefa simples; mas construí-los não é tão fácil assim.
O projeto chama-se Scalable Game Design e foi criado pelo professor Alexander Repenning, da Universidade do Colorado (EUA). “O ponto é que todos precisam poder criar o que tiverem na cabeça. Há uma grande mudança entre ser produtor e consumidor de tecnologia, e isso tem de começar na escola”, afirma a professora.
Nesses três anos, o grupo de Clarisse trabalhou com cerca de 70 alunos do ensino fundamental e médio de três escolas no Rio de Janeiro: o Colégio Universitário Geraldo Reis (público), a Escola Nova e a Escola Americana (ambas particulares. A última, por conta das suas raízes nos Estados Unidos, virou uma embaixada da comunidade brasileira do projeto).
Para ela, é com o domínio da linguagem de programação que as pessoas conseguem se expressar melhor no ambiente computacional e online, o que é fundamental para se ter “participação social plena”, explica. “A internet se tornou palco social e político. Tão importante quanto saber falar por si, para que ninguém fale por você, é saber programar por si, para não ser programado.”
Interação. Recentemente, a professora foi nomeada para a Academia de Interação Homem-Computador (CHI Academy) em uma cerimônia em Paris, tornando-se a primeira da América Latina a integrar a associação composta por 90 membros do mundo inteiro.
Com formação em Letras, ela se dedica a estudar desde o fim da década de 1980 a interação entre máquinas e seres humanos a partir da semiótica. “Como fazer um software falar com seus usuários através de interfaces inteligíveis?” se tornou sua obsessão.
“O design da experiência do usuário é objeto de comunicação entre o homem e o computador, e a semiótica pode ajudar a estruturar esses meios para que o usuário não sinta tropeços.”
Nos últimos dez anos, Clarisse direcionou seu trabalho em busca do que chama de Santo Graal na sua área: como fazer uma pessoa desenvolver um software com uma linguagem que seja fácil para ela, uma linguagem própria? É nesse sentido que se encaixa o seu projeto de levar o ensino da programação para a grade curricular das escolas. Clarisse pretende expandir o número de instituições com as quais trabalha, até conseguir entender o melhor método e desenvolver um programa de código livre, mais adequado à proposta – o software usado é proprietário.
Consciência. Mais do que ensinar linguagem computacional, a “alfabetização” busca educar os alunos sobre como funciona o ambiente virtual e como se inserir nele. “A gente acaba criando um valor emocional achando que nossa vida é aquilo ali (na internet)”, diz. “Precisamos inserir na mentalidade dos pequenos a noção de que eles estão interagindo com softwares que representam pessoas, ideais e propostas sociais.”
A importância de ensinar isso às crianças é não perpetuar uma ideia de que os usuários de softwares e aplicações online são meros consumidores, enquanto um pequeno e seleto grupo são os produtores. Para ela, o resultado seria uma retração do número de profissionais em tecnologia.
A saída, opina Clarisse, é democratizar a produção da tecnologia. Em um futuro não muito distante, ela prevê que, embora certo tipo de conteúdo continue a ser produzido por grandes empresas, haverá tecnologias próprias, criadas por pessoas que queiram satisfazer suas necessidades. “A gente não pode ser refém do produto oficial, temos de ensinar a sociedade a fazer as suas propostas tecnológicas.”
—-Leia mais:• O bê-a-bá dos códigos• Programa infantil • ‘O maior problema é a mudança de mentalidade’ • Escola precisa vir para o século 21 • Link no papel – 20/5/2013