Imagine projetar um micro-organismo para que ele funcione como uma pequena fábrica química, transformado matérias-primas renováveis em plásticos, combustíveis, remédios e outros produtos. Ainda que em pequena escala, esse cenário já é realidade.
No mês passado, Gregory Stephanopoulos, professor do Departamento de Engenharia Química do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), participou do 3.º Fórum de Bioeconomia, organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em São Paulo. Para ele, o Brasil está mais bem posicionado que outros países para usar essas novas tecnologias, por ser capaz de produzir matérias-primas renováveis a custo baixo.
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.
Qual é sua área de pesquisa?
A essência do meu trabalho é construir micróbios, convertendo-os em pequenas fábricas químicas, para que eles se tornem úteis e produzam produtos técnicos e combustíveis que usamos todos os dias. Esses produtos são polímeros, materiais, farmacêuticos, especialidades químicas, entre outros. Os micróbios são capazes de milhares de ações. Cabe a nós modificá-los para que eles façam o que queremos.
Já existem aplicações comerciais de seu trabalho?
Sim. Temos três ou quatro empresas que comercializam a tecnologia que desenvolvemos no laboratório. Uma delas faz líquidos que podem ser usadas como combustível, como biodiesel, e também produtos técnicos especializados, como lubrificantes. Outra produz aromatizantes. Outra ainda converte gases em líquidos, que podem ser usados como ração animal e biodiesel, entre outras aplicações.
Como é o processo de fabricação desses produtos?
Tipicamente, não é muito diferente do processo de fermentação. A diferença está no micróbio que usamos. Não será um fermento, mas um micróbio criado pelo processo de bioengenharia.
Como esses micróbios são criados?
Com técnicas de microbiologia. Usamos técnicas moleculares que permitem mudar as reações que acontecem dentro do micróbio, para que ele se torne uma pequena fábrica química, como eu disse antes.
Quanto tempo leva para desenvolver um micróbio?
Depende do tipo de engenharia que fazemos. Em alguns casos, poucos meses. Em outros, alguns anos. A biologia é muito menos entendida que a química. Modificar o micróbio para que ele faça esses produtos não é um grande problema. Porque podemos fazer isso e então termos um micróbio que produz pequena quantidade do produto. O que leva tempo mesmo é aperfeiçoar o micróbio para que ele faça o produto em grandes quantidades, para que haja um processo que seja efetivo do ponto de vista dos custos. O aperfeiçoamento é a etapa que leva tempo.
Como essas novas técnicas se comparam às atuais, do ponto de vista de custos?
Existem cada vez mais aplicações comerciais. Acho que seu uso vai aumentar com o tempo, por um motivo simples. A biotecnologia é muito boa no uso de fontes renováveis. Olhando em volta, vemos árvores. Elas podem ser usadas como matéria-prima. Podem ser quebradas em pequenos açúcares, e transformadas em vários tipos de produtos.
Dessa forma se reduz o consumo de recursos não renováveis?
Essas tecnologias substituem processos baseados em petróleo, gás e carvão, matéria-prima tradicional da indústria química.
A biotecnologia melhora o processo de produção?
O principal é a seletividade. As novas tecnologias permitem fazer somente o produto que se quer. Por seletividade, quero dizer que não existem produtos secundários. Num processo químico, quando existem produtos secundários, a empresa quer vendê-los também. Isso quer dizer que uma fábrica química não tem um produto único, mas três, quatro, cinco. E, por isso, a empresa precisa desenvolver três, quatro, cinco mercados. Isso torna as fábricas mais caras de se construir, por serem mais complexas. A decisão de investimento é mais difícil de tomar. O risco é maior. Quando se fabrica um único produto, é mais barato e o risco é menor.
Os micróbios podem sofrer mutação e trazer risco ao processo?
Existem formas de prevenir isso. Ou de minimizar esse risco. Por exemplo, dá para ser usado um processo de carga, no lugar de um processo contínuo. A cada vez que se inicia o processo, é usado o mesmo micróbio adotado incialmente, no lugar de um micróbio de várias gerações. Esse é um ponto. Outro é que a biologia molecular avançou muito, e quando se projeta um organismo, ele recebe mecanismos de segurança para evitar mutações. Ou para que as mutações não se proliferem. Esses problemas foram endereçados. Não vou dizer que já foram resolvidos, mas foram muito minimizados.
O que falta para essas tecnologias serem usadas em larga escala?
Algumas delas já são usadas neste momento pela indústria. Quanto tempo vai levar para que elas substituam processos químicos? Isso depende do lugar. Num país como o Brasil, a probabilidade de essas tecnologias se tornarem lucrativas é maior do que no resto do mundo, porque o Brasil tem a melhor oportunidade de produzir matérias-primas de baixo custo. Por causa de sua localização e seu clima, entre outros fatores. Nesses processos, o custo do produto final depende mais de 65% dos custos da matéria-prima. Se um país conseguir fornecer a matéria-prima a baixo custo, terá uma vantagem sobre outros. Então o Brasil tem uma vantagem significativa nessa área. O resto do mundo precisa ser empurrado nessa direção.
E qual seria o impacto dessa mudança para os consumidores?
Muita pressão vem dos consumidores. Os consumidores começam a exigir os chamados produtos verdes. Acho que esse movimento tem acontecido mais rápido na Europa e na Ásia do que nos Estados Unidos. Alguns lugares proíbem o uso de sacolas plásticas. Em outros não é possível comprar água em garrafas pequenas, para minimizar o uso de plástico. Outro ponto interessante é que nunca houve um momento em que foi mais fácil levantar dinheiro para fazer pesquisa nessa área do que agora. O que reflete o interesse das empresas em usar essas tecnologias. O que vai acontecer mais tarde é outra história, mas desenvolver a tecnologia e tê-la disponível é algo que muitas empresas estão buscando.
Qual é o maior desafio neste momento para desenvolver o mercado?
Acho que o reconhecimento do fato de que os produtos fabricados nesses processos são verdes. Se uma garrafa de água é feita com dióxido de carbono capturado por árvores, ela é diferente de uma garrafa feita a partir de petróleo. Até agora, o mercado não tem recompensado um garrafa verde que tenha o preço um pouco maior. Quando eu compro uma garrafa de água nos EUA, pago cerca de US$ 1. O custo real da água na garrafa não é maior que alguns centavos. Se eu usasse uma garrafa verde, o preço subiria mais dois ou três centavos. O consumidor vai realmente se importar se a garrafa verde vai custar alguns centavos a mais? Acho que não. Há alguns dias atrás comprei pneus para o meu carro. Havia mais de uma dúzia de tipos diferentes de pneus. Mas não havia um pneu que vinha de recursos renováveis, que custasse US$ 15 mais. A faixa de preço dos pneus era de US$ 200. Não iria me importar com US$ 15. Não entendo o argumento de que o consumidor não pagaria mais, porque, nesses dois exemplos, o consumidor mal vê essa diferença, que está integrada ao custo do produto.
Como mudar essa mentalidade?
Os investidores acreditam que consumidores não estão dispostos a pagar um prêmio por produtos verdes. Acho que, no longo prazo, isso vai mudar. Isso vai ser imposto, porque blocos econômicos, como a China ou a União Europeia, estão catalogando, enquanto conversamos, o quantidade de carbono em cada produto no mercado. Vai ser muito fácil impor uma taxa de carbono, baseada na quantidade de carbono de cada um dos produtos. Existe uma grande probabilidade de isso acontecer. Além disso, acontecimentos associados à mudança climática são ruins, catastróficos. Não espero que tenha de haver catástrofes para as pessoas perceberem que a mudança no custo dos produtos é muito pequena.
QUEM É
Formado em engenharia química pela Universidade Técnica Nacional de Atenas, tem mestrado pela Universidade da Flórida e doutorado pela Universidade de Minnesota. Stephanopoulos chefia o laboratório de bioinformática e engenharia metabólica do MIT, que conta com uma equipe de 25 pesquisadores.
No Estado de hoje ("'O Brasil tem oportunidade única em biotecnologia'", p. B8).
Foto: Divulgação / CNI