Sob o domínio do Google


Empresa se transformou em uma máquina de capturar o inconsciente coletivo, mas estamos preparados para lidar com os desafios que isso nos impõe?

Por Redação Link
Atualização:

Empresa se transformou em uma máquina de capturar o inconsciente coletivo, mas estamos preparados para lidar com os desafios que isso nos impõe?

Por James Gleick, do New York Review of Books*

 
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Alain de Botton, filósofo, autor e agora aforista da rede, twitta: “Conclusão lógica do nosso relacionamento com os computadores: esperar uma resposta ao digitar ‘qual é o significado da minha vida’ no Google.”

É claro que todos podem fazer isso. Digite “o que é… ” e, antes mesmo de completar o “é”, o Google já fará sugestões: “a nuvem?”, “a filosofia?”, “o sonho americano?”, “Twitter?” O Google está tentando ler o pensamento. Não os seus pensamentos, mas os do Cérebro Mundial. E, seja o que isso for, sabemos que o Google está ligado a ele de forma indissociável.

É nele que buscamos respostas. Antes, as pessoas procuravam outras entidades ou seguiam o rumo sem saber. Hoje não há mais uma conversa sobre aquela atriz que ganhou o Oscar naquele filme em que ela interpreta uma atriz que não ganha o Oscar. Mais cedo ou mais tarde, alguém vai chamar o Google.

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Descobrir informações sempre foi uma engrenagem importante no funcionamento do conhecimento humano e essa tecnologia foi incrivelmente aprimorada. Não surpreende que haja confusão sobre o papel específico do Google nesse processo – e também um medo cada vez maior em relação ao seu poder e às suas intenções.

Em pouco mais de uma década, o Google fez de si mesmo uma marca maior do que a Coca-Cola e a GE; criou riqueza mais rapidamente do que qualquer outra empresa na história; o Google domina a economia da informação. E isso ocorreu à luz do dia, diante de todos nós. O Google tem muitos segredos, mas os principais ingredientes do seu sucesso não foram secretos, e a história da empresa já rendeu assunto para dúzias de livros.

O relato de Steven Levy, In the Plex (ainda não publicado no Brasil), é o mais completo já lançado e, sob muitos aspectos, também o mais divertido. Ele registrou algumas conversas provocantes – ainda que pouco conscientes – como esta de 2004 na qual os criadores debatem suas esperanças para o Google:

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“‘O serviço será incluído no cérebro das pessoas’, disse Page. ‘Quando pensarmos em alguma coisa a respeito da qual não sabemos muito, receberemos automaticamente as informações.’ ‘É verdade’, disse Brin. ‘No limite, enxergo o Google como uma maneira de aprimorar o cérebro com o conhecimento de todos. Atualmente, temos de digitar uma frase no computador, mas podemos imaginar que isso será mais fácil no futuro, quando haverá dispositivos que ativaremos somente com a voz ou, quem sabe, computadores que prestem atenção àquilo que ocorre perto deles’, ‘Teremos finalmente um implante, possibilitando que, ao pensar numa informação ou fato, esse equipamento simplesmente nos traga a resposta’, completa Page.”

Em 2004 o Google tinha cinco anos de idade, já valia US$ 25 bilhões e recebia 85% das buscas feitas na internet. A maior dentre todas as suas invenções foi o algoritmo chamado PageRank.

O PageRank é uma daquelas ideias que parecem óbvias depois de concebidas. Por mais jovem que o ramo das buscas na internet ainda fosse, ele já tinha caído em rígidas formas de ortodoxia. A principal tarefa de um buscador era compilar um índice. Naturalmente, as pessoas pensaram nas tecnologias já existentes para organizar as informações e estas podiam ser encontradas nas enciclopédias e dicionários. Elas perceberam que a ordem alfabética perderia sua importância, mas demoraram para perceber o quanto o seu alvo – a internet – era dinâmico. Mesmo depois de Page e Brin acenderem a luz, a maioria das empresas continuou sem ver nada.

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Missão. A internet tinha entrado na sua primeira fase explosiva e, se havia algo que todos sabiam, era que o segredo para ganhar dinheiro estava em atrair e reter os usuários.

O termo que mais provocava animação era “portal”, e eles não queriam que as suas funções de busca fossem boas demais. Parece burrice, mas, pensando bem, como o Google esperava ganhar dinheiro se não cobrava nada dos usuários? Seus fundadores fizeram tudo à sua maneira e, como perceberam desde o início, a missão deles não se resumia apenas à internet, mas também a todos os livros e imagens do mundo. E em algum ponto da trajetória, deram a entender que não se importavam com a publicidade, mas publicidade sempre foi fundamental.

É verdade que a dupla desprezava o marketing convencional; sua atitude parecia sugerir que o Google faria sozinho o próprio marketing. E, de fato, foi o que ocorreu. O Google se tornou um verbo e um meme.

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O quanto o Google já transformou completamente a economia da informação é algo que ainda não foi bem compreendido. A mercadoria da economia da informação não é a informação; é a atenção. Essas commodities são inversamente proporcionais. Quando a informação é barata, a atenção se torna cara. Atenção é aquilo que nós, usuários, concedemos ao Google, e a nossa atenção é aquilo que o Google vende – concentrada, focada e cristalizada.

O ramo do Google não é o das buscas, e sim o dos anúncios. Mais de 96% do seu lucro de US$ 29 bilhões no ano passado veio diretamente da publicidade, e a maior parte do restante veio de serviços relacionados à publicidade. O Google ganha mais com a publicidade do que todos os jornais americanos juntos. É importante compreender precisamente como isso funciona. Levy relata o desenvolvimento do sistema de anúncios: um “feito fantástico, a construção de uma máquina de ganhar dinheiro a partir da fumaça e dos espelhos virtuais da internet”.

Em A Googlelização de Tudo (E Por Que Devemos Nos Preocupar), Siva Vaidhyanathan, estudioso da mídia da Universidade da Virgínia, expõe a situação da seguinte maneira: “Não somos os fregueses do Google: somos o seu produto. Nós – as nossas preferências, predileções e gostos – somos aquilo que o Google vende aos seus anunciantes”. A evolução dessa máquina de ganhar dinheiro única na história somou uma inovação brilhante a outra, em rápida sucessão:

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1. No início de 2000, o Google vendia “links patrocinados especiais”: anúncios de texto vinculados a termos de busca. Um fornecedor de bolas de golfe poderia ter seu anúncio exibido para todos aqueles que buscassem a palavra “golfe” ou, melhor ainda, “bolas de golfe”. Outros buscadores já faziam isso. Seguindo a tradição, eles cobravam conforme o número que pessoas que via o anúncio. Representantes de vendas ofereciam anúncios às grandes contas, uma a uma.

2. Naquele ano, os engenheiros criaram um serviço de autoatendimento, batizado de AdWords. A chamada do produto dizia: “Tem cinco minutos e um cartão de crédito? Ponha o seu anúncio no Google hoje mesmo”. E, subitamente, milhares de pequenas empresas começaram a comprar seus primeiros anúncios na internet.

3. Duas novas ideias vieram da startup GoTo, comprada pelo Google em 2003. A primeira consistiu em cobrar por clique, e não por visualização. A outra ideia foi permitir que os anunciantes fizessem ofertas por palavras-chave concorrendo em rápidos leilões online. Esses leilões abriram uma torneira de dinheiro. Alguns estavam dispostos a pagar mais do que um representante de vendas poderia imaginar.

 

4. Por meio do monitoramento sistemático do comportamento dos usuários, o Google sabia instantaneamente quais anúncios estavam fazendo sucesso e quais não estavam. A empresa podia observar a “proporção de cliques” para ter uma medida da qualidade dos anúncios. E, ao determinar os vencedores dos leilões, a empresa passou a pensar não apenas no dinheiro oferecido, mas também no apelo: um anúncio eficaz, que recebesse muitos cliques, seria mais visto.

“O sistema reforçava a ideia do Google de que a publicidade não deveria ser uma transação entre publicação e anunciante, mas um relacionamento tripartite, que também incluísse o usuário”, escreve Levy. Um relacionamento que, no entanto, estava longe de ser igualitário. Vaidhyanathan enxerga uma forma de exploração: “A googlelização de tudo corresponde à coleta, cópia, agregação e posicionamento ranqueado de informações a respeito de – e contribuições feitas por – cada um de nós”.

5. Até então, os anúncios apareciam nas páginas de busca do Google. Foi então que a empresa expandiu sua plataforma ainda mais. O objetivo era desenvolver uma forma de inteligência artificial capaz de analisar trechos de textos – sites, blogs, e-mails, livros – e encontrar neles correspondências com determinadas palavras chave. Com dois bilhões de páginas já indexadas e com o seu atento rastreamento do comportamento dos usuários, o Google contava precisamente com as informações necessárias para isso. O sistema previa quais anúncios seriam mais eficazes naquele contexto de um determinado site.

O Google batizou seu projeto de AdSense. Para todos aqueles interessados em “transformar em dinheiro” o seu conteúdo, era o Santo Graal. “O Google conquistou o mundo da publicidade sem usar nada além da matemática aplicada”, escreveu Chris Anderson, editor da Wired.

As buscas e a publicidade se tornaram os dois lados complementares de uma espada afiada. O mecanismo de busca perfeito lê a nossa mente e produz a resposta que queremos. O mecanismo de publicidade perfeito faz o mesmo: nos mostra os anúncios que queremos ver.

O sonho é o de uma publicidade virtuosa, pareando compradores e vendedores e beneficiando a todos simultaneamente. Mas, nesse sentido, a publicidade virtuosa é uma contradição. O anunciante está pagando por uma fatia da nossa limitada atenção. Se os nossos interesses e os interesses dos anunciantes estivessem num alinhamento perfeito, eles não precisariam pagar. Não existe utopia da informação. Os usuários do Google participam de uma complexa transação e, se há uma lição que podemos aprender com todos esses livros, esta seria a de que nem sempre somos conscientes.

 

Bom ou mau? O lema do Google é “não seja mau”. A frase foi dita pela primeira vez em 2001 por um engenheiro, Paul Buchheit, numa reunião sobre os valores corporativos. “As pessoas riram”, lembra-se. “Mas eu disse, ‘Não, é sério’.” (Na época o mundo da tecnologia tinha seu bode expiatório, e funcionários do Google entenderam “não seja mau” como sendo “não seja a Microsoft”; ou seja, não seja um monopolista implacável.)

“Não seja mau” não pressupõe transparência. Nenhum dos livros é capaz de nos dizer quantas buscas o Google faz, nem sua capacidade de armazenamento, nem o número de ruas fotografadas e nem quantos e-mails o Google mantém armazenados; e nem podemos encontrar as respostas no Google, porque ele valoriza sua própria privacidade. Quem, afinal, determina o significado de ser mau? “Mau é tudo aquilo que Sergey disser que é mau”, explicou Eric Schmidt, então CEO do Google, em 2002.

O Google foi um pouco mau na China. Ele colaborou com a censura. Desde 2004, a empresa fez alterações e distorções no algoritmo, filtrando os resultados de maneira que a versão local, Google.cn, omitisse páginas que desagradassem ao governo. Mas é também verdade que o Google contrariou o governo chinês. Quando certos resultados eram bloqueados, ele fazia questão de alertar os usuários por meio de uma notificação na parte inferior da página.

Assim sendo, será que o Google é mau? Esta é a pergunta que paira no ar; ela nos inquieta, mesmo enquanto confiamos ingenuamente nas respostas dadas pela empresa – respostas que incluem mapas, traduções, imagens das ruas, agendas, vídeos, informações financeiras e indicações de bens e serviços.

A versão mais contundente das acusações contra o Google é exposta com clareza em Search & Destroy (ainda não publicado no Brasil), de Scott Cleland, autodenominado crítico da empresa. Ele não usa meias palavras.

“O mascote corporativo do Google é uma réplica de esqueleto de Tiranossauro Rex, exibida do lado de fora da sede da empresa. Com seus poderosos dentes e mandíbulas, o tiranossauro era um predador terrível.”

Levy é mais ponderado: “O Google se apresentou como empresa dotada de certa pureza moral… Mas parece ter havido um ponto cego sobre as consequências de sua própria tecnologia na privacidade e nos direitos de propriedade”.

 

Todas as provas indicam que os fundadores do Google começaram com uma visão incomumente ética para a sua empresa incomum. Eles acreditam na informação – “universalmente acessível” – enquanto força benéfica; são visionários numa época em que tal palavra é empregada de maneira demasiadamente gratuita. Talvez agora eles se mostrem pouco inclinados a se submeter aos padrões éticos de outras pessoas, mas talvez isso não passe de uma questão de personalidade.

É bom lembrar que a corporação moderna é uma criatura amoral por definição, leal às finanças dos acionistas e não aos interesses do público.

O que sabemos é: precisamos decidir o que queremos do Google. Se ao menos nossa consciência coletiva pudesse tomar uma decisão. Neste caso, ainda é provável que não consigamos o desejado.

A empresa sempre diz que os usuários podem “optar por serem excluídos” de muitas de suas formas de coleta de dados, coisa que é verdade, até certo ponto, para os usuários de computador mais experientes; e a empresa fala na privacidade em termos de “barganhas”, algo a que Vaidhyanathan se opõe:

“A privacidade não é algo que possa ser contado, dividido ou ‘barganhado’. Não se trata de uma substância e nem de uma coleção de pontos de informação. Trata-se apenas de uma palavra que usamos desajeitadamente como substituta de uma ampla gama de valores e práticas que influenciam a nossa maneira de administrar nossa reputação em diferentes contextos. Não existe fórmula para interpretá-la: não posso dar ao Google três dos meus pontos de privacidade em troca de um serviço 10% melhor.”

Isso me parece correto, se acrescentarmos que a privacidade envolve não apenas a administração de nossa reputação, mas também a proteção da vida interior que talvez não desejemos compartilhar.

Seja como for, continuamos a fazer exatamente o tipo de barganha que Vaidhyanathan diz ser impossível. Será que queremos ser tratados como indivíduos ou como neurônios do cérebro mundial? Obtemos melhores resultados nas buscas e vemos anúncios mais apropriados quando deixamos o Google saber quem somos. E nos poupamos de digitar alguns caracteres a mais.

/ TRADUÇÃO AUGUSTO CALIL

* É escritor, autor do livro The Information, que teve um de seus capítulos publicados pelo Link de 10 de agosto de 2011. 

—-Leia mais:‘Link’ no papel – 31/10/2011

Empresa se transformou em uma máquina de capturar o inconsciente coletivo, mas estamos preparados para lidar com os desafios que isso nos impõe?

Por James Gleick, do New York Review of Books*

 

Alain de Botton, filósofo, autor e agora aforista da rede, twitta: “Conclusão lógica do nosso relacionamento com os computadores: esperar uma resposta ao digitar ‘qual é o significado da minha vida’ no Google.”

É claro que todos podem fazer isso. Digite “o que é… ” e, antes mesmo de completar o “é”, o Google já fará sugestões: “a nuvem?”, “a filosofia?”, “o sonho americano?”, “Twitter?” O Google está tentando ler o pensamento. Não os seus pensamentos, mas os do Cérebro Mundial. E, seja o que isso for, sabemos que o Google está ligado a ele de forma indissociável.

É nele que buscamos respostas. Antes, as pessoas procuravam outras entidades ou seguiam o rumo sem saber. Hoje não há mais uma conversa sobre aquela atriz que ganhou o Oscar naquele filme em que ela interpreta uma atriz que não ganha o Oscar. Mais cedo ou mais tarde, alguém vai chamar o Google.

Descobrir informações sempre foi uma engrenagem importante no funcionamento do conhecimento humano e essa tecnologia foi incrivelmente aprimorada. Não surpreende que haja confusão sobre o papel específico do Google nesse processo – e também um medo cada vez maior em relação ao seu poder e às suas intenções.

Em pouco mais de uma década, o Google fez de si mesmo uma marca maior do que a Coca-Cola e a GE; criou riqueza mais rapidamente do que qualquer outra empresa na história; o Google domina a economia da informação. E isso ocorreu à luz do dia, diante de todos nós. O Google tem muitos segredos, mas os principais ingredientes do seu sucesso não foram secretos, e a história da empresa já rendeu assunto para dúzias de livros.

O relato de Steven Levy, In the Plex (ainda não publicado no Brasil), é o mais completo já lançado e, sob muitos aspectos, também o mais divertido. Ele registrou algumas conversas provocantes – ainda que pouco conscientes – como esta de 2004 na qual os criadores debatem suas esperanças para o Google:

“‘O serviço será incluído no cérebro das pessoas’, disse Page. ‘Quando pensarmos em alguma coisa a respeito da qual não sabemos muito, receberemos automaticamente as informações.’ ‘É verdade’, disse Brin. ‘No limite, enxergo o Google como uma maneira de aprimorar o cérebro com o conhecimento de todos. Atualmente, temos de digitar uma frase no computador, mas podemos imaginar que isso será mais fácil no futuro, quando haverá dispositivos que ativaremos somente com a voz ou, quem sabe, computadores que prestem atenção àquilo que ocorre perto deles’, ‘Teremos finalmente um implante, possibilitando que, ao pensar numa informação ou fato, esse equipamento simplesmente nos traga a resposta’, completa Page.”

Em 2004 o Google tinha cinco anos de idade, já valia US$ 25 bilhões e recebia 85% das buscas feitas na internet. A maior dentre todas as suas invenções foi o algoritmo chamado PageRank.

O PageRank é uma daquelas ideias que parecem óbvias depois de concebidas. Por mais jovem que o ramo das buscas na internet ainda fosse, ele já tinha caído em rígidas formas de ortodoxia. A principal tarefa de um buscador era compilar um índice. Naturalmente, as pessoas pensaram nas tecnologias já existentes para organizar as informações e estas podiam ser encontradas nas enciclopédias e dicionários. Elas perceberam que a ordem alfabética perderia sua importância, mas demoraram para perceber o quanto o seu alvo – a internet – era dinâmico. Mesmo depois de Page e Brin acenderem a luz, a maioria das empresas continuou sem ver nada.

Missão. A internet tinha entrado na sua primeira fase explosiva e, se havia algo que todos sabiam, era que o segredo para ganhar dinheiro estava em atrair e reter os usuários.

O termo que mais provocava animação era “portal”, e eles não queriam que as suas funções de busca fossem boas demais. Parece burrice, mas, pensando bem, como o Google esperava ganhar dinheiro se não cobrava nada dos usuários? Seus fundadores fizeram tudo à sua maneira e, como perceberam desde o início, a missão deles não se resumia apenas à internet, mas também a todos os livros e imagens do mundo. E em algum ponto da trajetória, deram a entender que não se importavam com a publicidade, mas publicidade sempre foi fundamental.

É verdade que a dupla desprezava o marketing convencional; sua atitude parecia sugerir que o Google faria sozinho o próprio marketing. E, de fato, foi o que ocorreu. O Google se tornou um verbo e um meme.

O quanto o Google já transformou completamente a economia da informação é algo que ainda não foi bem compreendido. A mercadoria da economia da informação não é a informação; é a atenção. Essas commodities são inversamente proporcionais. Quando a informação é barata, a atenção se torna cara. Atenção é aquilo que nós, usuários, concedemos ao Google, e a nossa atenção é aquilo que o Google vende – concentrada, focada e cristalizada.

O ramo do Google não é o das buscas, e sim o dos anúncios. Mais de 96% do seu lucro de US$ 29 bilhões no ano passado veio diretamente da publicidade, e a maior parte do restante veio de serviços relacionados à publicidade. O Google ganha mais com a publicidade do que todos os jornais americanos juntos. É importante compreender precisamente como isso funciona. Levy relata o desenvolvimento do sistema de anúncios: um “feito fantástico, a construção de uma máquina de ganhar dinheiro a partir da fumaça e dos espelhos virtuais da internet”.

Em A Googlelização de Tudo (E Por Que Devemos Nos Preocupar), Siva Vaidhyanathan, estudioso da mídia da Universidade da Virgínia, expõe a situação da seguinte maneira: “Não somos os fregueses do Google: somos o seu produto. Nós – as nossas preferências, predileções e gostos – somos aquilo que o Google vende aos seus anunciantes”. A evolução dessa máquina de ganhar dinheiro única na história somou uma inovação brilhante a outra, em rápida sucessão:

1. No início de 2000, o Google vendia “links patrocinados especiais”: anúncios de texto vinculados a termos de busca. Um fornecedor de bolas de golfe poderia ter seu anúncio exibido para todos aqueles que buscassem a palavra “golfe” ou, melhor ainda, “bolas de golfe”. Outros buscadores já faziam isso. Seguindo a tradição, eles cobravam conforme o número que pessoas que via o anúncio. Representantes de vendas ofereciam anúncios às grandes contas, uma a uma.

2. Naquele ano, os engenheiros criaram um serviço de autoatendimento, batizado de AdWords. A chamada do produto dizia: “Tem cinco minutos e um cartão de crédito? Ponha o seu anúncio no Google hoje mesmo”. E, subitamente, milhares de pequenas empresas começaram a comprar seus primeiros anúncios na internet.

3. Duas novas ideias vieram da startup GoTo, comprada pelo Google em 2003. A primeira consistiu em cobrar por clique, e não por visualização. A outra ideia foi permitir que os anunciantes fizessem ofertas por palavras-chave concorrendo em rápidos leilões online. Esses leilões abriram uma torneira de dinheiro. Alguns estavam dispostos a pagar mais do que um representante de vendas poderia imaginar.

 

4. Por meio do monitoramento sistemático do comportamento dos usuários, o Google sabia instantaneamente quais anúncios estavam fazendo sucesso e quais não estavam. A empresa podia observar a “proporção de cliques” para ter uma medida da qualidade dos anúncios. E, ao determinar os vencedores dos leilões, a empresa passou a pensar não apenas no dinheiro oferecido, mas também no apelo: um anúncio eficaz, que recebesse muitos cliques, seria mais visto.

“O sistema reforçava a ideia do Google de que a publicidade não deveria ser uma transação entre publicação e anunciante, mas um relacionamento tripartite, que também incluísse o usuário”, escreve Levy. Um relacionamento que, no entanto, estava longe de ser igualitário. Vaidhyanathan enxerga uma forma de exploração: “A googlelização de tudo corresponde à coleta, cópia, agregação e posicionamento ranqueado de informações a respeito de – e contribuições feitas por – cada um de nós”.

5. Até então, os anúncios apareciam nas páginas de busca do Google. Foi então que a empresa expandiu sua plataforma ainda mais. O objetivo era desenvolver uma forma de inteligência artificial capaz de analisar trechos de textos – sites, blogs, e-mails, livros – e encontrar neles correspondências com determinadas palavras chave. Com dois bilhões de páginas já indexadas e com o seu atento rastreamento do comportamento dos usuários, o Google contava precisamente com as informações necessárias para isso. O sistema previa quais anúncios seriam mais eficazes naquele contexto de um determinado site.

O Google batizou seu projeto de AdSense. Para todos aqueles interessados em “transformar em dinheiro” o seu conteúdo, era o Santo Graal. “O Google conquistou o mundo da publicidade sem usar nada além da matemática aplicada”, escreveu Chris Anderson, editor da Wired.

As buscas e a publicidade se tornaram os dois lados complementares de uma espada afiada. O mecanismo de busca perfeito lê a nossa mente e produz a resposta que queremos. O mecanismo de publicidade perfeito faz o mesmo: nos mostra os anúncios que queremos ver.

O sonho é o de uma publicidade virtuosa, pareando compradores e vendedores e beneficiando a todos simultaneamente. Mas, nesse sentido, a publicidade virtuosa é uma contradição. O anunciante está pagando por uma fatia da nossa limitada atenção. Se os nossos interesses e os interesses dos anunciantes estivessem num alinhamento perfeito, eles não precisariam pagar. Não existe utopia da informação. Os usuários do Google participam de uma complexa transação e, se há uma lição que podemos aprender com todos esses livros, esta seria a de que nem sempre somos conscientes.

 

Bom ou mau? O lema do Google é “não seja mau”. A frase foi dita pela primeira vez em 2001 por um engenheiro, Paul Buchheit, numa reunião sobre os valores corporativos. “As pessoas riram”, lembra-se. “Mas eu disse, ‘Não, é sério’.” (Na época o mundo da tecnologia tinha seu bode expiatório, e funcionários do Google entenderam “não seja mau” como sendo “não seja a Microsoft”; ou seja, não seja um monopolista implacável.)

“Não seja mau” não pressupõe transparência. Nenhum dos livros é capaz de nos dizer quantas buscas o Google faz, nem sua capacidade de armazenamento, nem o número de ruas fotografadas e nem quantos e-mails o Google mantém armazenados; e nem podemos encontrar as respostas no Google, porque ele valoriza sua própria privacidade. Quem, afinal, determina o significado de ser mau? “Mau é tudo aquilo que Sergey disser que é mau”, explicou Eric Schmidt, então CEO do Google, em 2002.

O Google foi um pouco mau na China. Ele colaborou com a censura. Desde 2004, a empresa fez alterações e distorções no algoritmo, filtrando os resultados de maneira que a versão local, Google.cn, omitisse páginas que desagradassem ao governo. Mas é também verdade que o Google contrariou o governo chinês. Quando certos resultados eram bloqueados, ele fazia questão de alertar os usuários por meio de uma notificação na parte inferior da página.

Assim sendo, será que o Google é mau? Esta é a pergunta que paira no ar; ela nos inquieta, mesmo enquanto confiamos ingenuamente nas respostas dadas pela empresa – respostas que incluem mapas, traduções, imagens das ruas, agendas, vídeos, informações financeiras e indicações de bens e serviços.

A versão mais contundente das acusações contra o Google é exposta com clareza em Search & Destroy (ainda não publicado no Brasil), de Scott Cleland, autodenominado crítico da empresa. Ele não usa meias palavras.

“O mascote corporativo do Google é uma réplica de esqueleto de Tiranossauro Rex, exibida do lado de fora da sede da empresa. Com seus poderosos dentes e mandíbulas, o tiranossauro era um predador terrível.”

Levy é mais ponderado: “O Google se apresentou como empresa dotada de certa pureza moral… Mas parece ter havido um ponto cego sobre as consequências de sua própria tecnologia na privacidade e nos direitos de propriedade”.

 

Todas as provas indicam que os fundadores do Google começaram com uma visão incomumente ética para a sua empresa incomum. Eles acreditam na informação – “universalmente acessível” – enquanto força benéfica; são visionários numa época em que tal palavra é empregada de maneira demasiadamente gratuita. Talvez agora eles se mostrem pouco inclinados a se submeter aos padrões éticos de outras pessoas, mas talvez isso não passe de uma questão de personalidade.

É bom lembrar que a corporação moderna é uma criatura amoral por definição, leal às finanças dos acionistas e não aos interesses do público.

O que sabemos é: precisamos decidir o que queremos do Google. Se ao menos nossa consciência coletiva pudesse tomar uma decisão. Neste caso, ainda é provável que não consigamos o desejado.

A empresa sempre diz que os usuários podem “optar por serem excluídos” de muitas de suas formas de coleta de dados, coisa que é verdade, até certo ponto, para os usuários de computador mais experientes; e a empresa fala na privacidade em termos de “barganhas”, algo a que Vaidhyanathan se opõe:

“A privacidade não é algo que possa ser contado, dividido ou ‘barganhado’. Não se trata de uma substância e nem de uma coleção de pontos de informação. Trata-se apenas de uma palavra que usamos desajeitadamente como substituta de uma ampla gama de valores e práticas que influenciam a nossa maneira de administrar nossa reputação em diferentes contextos. Não existe fórmula para interpretá-la: não posso dar ao Google três dos meus pontos de privacidade em troca de um serviço 10% melhor.”

Isso me parece correto, se acrescentarmos que a privacidade envolve não apenas a administração de nossa reputação, mas também a proteção da vida interior que talvez não desejemos compartilhar.

Seja como for, continuamos a fazer exatamente o tipo de barganha que Vaidhyanathan diz ser impossível. Será que queremos ser tratados como indivíduos ou como neurônios do cérebro mundial? Obtemos melhores resultados nas buscas e vemos anúncios mais apropriados quando deixamos o Google saber quem somos. E nos poupamos de digitar alguns caracteres a mais.

/ TRADUÇÃO AUGUSTO CALIL

* É escritor, autor do livro The Information, que teve um de seus capítulos publicados pelo Link de 10 de agosto de 2011. 

—-Leia mais:‘Link’ no papel – 31/10/2011

Empresa se transformou em uma máquina de capturar o inconsciente coletivo, mas estamos preparados para lidar com os desafios que isso nos impõe?

Por James Gleick, do New York Review of Books*

 

Alain de Botton, filósofo, autor e agora aforista da rede, twitta: “Conclusão lógica do nosso relacionamento com os computadores: esperar uma resposta ao digitar ‘qual é o significado da minha vida’ no Google.”

É claro que todos podem fazer isso. Digite “o que é… ” e, antes mesmo de completar o “é”, o Google já fará sugestões: “a nuvem?”, “a filosofia?”, “o sonho americano?”, “Twitter?” O Google está tentando ler o pensamento. Não os seus pensamentos, mas os do Cérebro Mundial. E, seja o que isso for, sabemos que o Google está ligado a ele de forma indissociável.

É nele que buscamos respostas. Antes, as pessoas procuravam outras entidades ou seguiam o rumo sem saber. Hoje não há mais uma conversa sobre aquela atriz que ganhou o Oscar naquele filme em que ela interpreta uma atriz que não ganha o Oscar. Mais cedo ou mais tarde, alguém vai chamar o Google.

Descobrir informações sempre foi uma engrenagem importante no funcionamento do conhecimento humano e essa tecnologia foi incrivelmente aprimorada. Não surpreende que haja confusão sobre o papel específico do Google nesse processo – e também um medo cada vez maior em relação ao seu poder e às suas intenções.

Em pouco mais de uma década, o Google fez de si mesmo uma marca maior do que a Coca-Cola e a GE; criou riqueza mais rapidamente do que qualquer outra empresa na história; o Google domina a economia da informação. E isso ocorreu à luz do dia, diante de todos nós. O Google tem muitos segredos, mas os principais ingredientes do seu sucesso não foram secretos, e a história da empresa já rendeu assunto para dúzias de livros.

O relato de Steven Levy, In the Plex (ainda não publicado no Brasil), é o mais completo já lançado e, sob muitos aspectos, também o mais divertido. Ele registrou algumas conversas provocantes – ainda que pouco conscientes – como esta de 2004 na qual os criadores debatem suas esperanças para o Google:

“‘O serviço será incluído no cérebro das pessoas’, disse Page. ‘Quando pensarmos em alguma coisa a respeito da qual não sabemos muito, receberemos automaticamente as informações.’ ‘É verdade’, disse Brin. ‘No limite, enxergo o Google como uma maneira de aprimorar o cérebro com o conhecimento de todos. Atualmente, temos de digitar uma frase no computador, mas podemos imaginar que isso será mais fácil no futuro, quando haverá dispositivos que ativaremos somente com a voz ou, quem sabe, computadores que prestem atenção àquilo que ocorre perto deles’, ‘Teremos finalmente um implante, possibilitando que, ao pensar numa informação ou fato, esse equipamento simplesmente nos traga a resposta’, completa Page.”

Em 2004 o Google tinha cinco anos de idade, já valia US$ 25 bilhões e recebia 85% das buscas feitas na internet. A maior dentre todas as suas invenções foi o algoritmo chamado PageRank.

O PageRank é uma daquelas ideias que parecem óbvias depois de concebidas. Por mais jovem que o ramo das buscas na internet ainda fosse, ele já tinha caído em rígidas formas de ortodoxia. A principal tarefa de um buscador era compilar um índice. Naturalmente, as pessoas pensaram nas tecnologias já existentes para organizar as informações e estas podiam ser encontradas nas enciclopédias e dicionários. Elas perceberam que a ordem alfabética perderia sua importância, mas demoraram para perceber o quanto o seu alvo – a internet – era dinâmico. Mesmo depois de Page e Brin acenderem a luz, a maioria das empresas continuou sem ver nada.

Missão. A internet tinha entrado na sua primeira fase explosiva e, se havia algo que todos sabiam, era que o segredo para ganhar dinheiro estava em atrair e reter os usuários.

O termo que mais provocava animação era “portal”, e eles não queriam que as suas funções de busca fossem boas demais. Parece burrice, mas, pensando bem, como o Google esperava ganhar dinheiro se não cobrava nada dos usuários? Seus fundadores fizeram tudo à sua maneira e, como perceberam desde o início, a missão deles não se resumia apenas à internet, mas também a todos os livros e imagens do mundo. E em algum ponto da trajetória, deram a entender que não se importavam com a publicidade, mas publicidade sempre foi fundamental.

É verdade que a dupla desprezava o marketing convencional; sua atitude parecia sugerir que o Google faria sozinho o próprio marketing. E, de fato, foi o que ocorreu. O Google se tornou um verbo e um meme.

O quanto o Google já transformou completamente a economia da informação é algo que ainda não foi bem compreendido. A mercadoria da economia da informação não é a informação; é a atenção. Essas commodities são inversamente proporcionais. Quando a informação é barata, a atenção se torna cara. Atenção é aquilo que nós, usuários, concedemos ao Google, e a nossa atenção é aquilo que o Google vende – concentrada, focada e cristalizada.

O ramo do Google não é o das buscas, e sim o dos anúncios. Mais de 96% do seu lucro de US$ 29 bilhões no ano passado veio diretamente da publicidade, e a maior parte do restante veio de serviços relacionados à publicidade. O Google ganha mais com a publicidade do que todos os jornais americanos juntos. É importante compreender precisamente como isso funciona. Levy relata o desenvolvimento do sistema de anúncios: um “feito fantástico, a construção de uma máquina de ganhar dinheiro a partir da fumaça e dos espelhos virtuais da internet”.

Em A Googlelização de Tudo (E Por Que Devemos Nos Preocupar), Siva Vaidhyanathan, estudioso da mídia da Universidade da Virgínia, expõe a situação da seguinte maneira: “Não somos os fregueses do Google: somos o seu produto. Nós – as nossas preferências, predileções e gostos – somos aquilo que o Google vende aos seus anunciantes”. A evolução dessa máquina de ganhar dinheiro única na história somou uma inovação brilhante a outra, em rápida sucessão:

1. No início de 2000, o Google vendia “links patrocinados especiais”: anúncios de texto vinculados a termos de busca. Um fornecedor de bolas de golfe poderia ter seu anúncio exibido para todos aqueles que buscassem a palavra “golfe” ou, melhor ainda, “bolas de golfe”. Outros buscadores já faziam isso. Seguindo a tradição, eles cobravam conforme o número que pessoas que via o anúncio. Representantes de vendas ofereciam anúncios às grandes contas, uma a uma.

2. Naquele ano, os engenheiros criaram um serviço de autoatendimento, batizado de AdWords. A chamada do produto dizia: “Tem cinco minutos e um cartão de crédito? Ponha o seu anúncio no Google hoje mesmo”. E, subitamente, milhares de pequenas empresas começaram a comprar seus primeiros anúncios na internet.

3. Duas novas ideias vieram da startup GoTo, comprada pelo Google em 2003. A primeira consistiu em cobrar por clique, e não por visualização. A outra ideia foi permitir que os anunciantes fizessem ofertas por palavras-chave concorrendo em rápidos leilões online. Esses leilões abriram uma torneira de dinheiro. Alguns estavam dispostos a pagar mais do que um representante de vendas poderia imaginar.

 

4. Por meio do monitoramento sistemático do comportamento dos usuários, o Google sabia instantaneamente quais anúncios estavam fazendo sucesso e quais não estavam. A empresa podia observar a “proporção de cliques” para ter uma medida da qualidade dos anúncios. E, ao determinar os vencedores dos leilões, a empresa passou a pensar não apenas no dinheiro oferecido, mas também no apelo: um anúncio eficaz, que recebesse muitos cliques, seria mais visto.

“O sistema reforçava a ideia do Google de que a publicidade não deveria ser uma transação entre publicação e anunciante, mas um relacionamento tripartite, que também incluísse o usuário”, escreve Levy. Um relacionamento que, no entanto, estava longe de ser igualitário. Vaidhyanathan enxerga uma forma de exploração: “A googlelização de tudo corresponde à coleta, cópia, agregação e posicionamento ranqueado de informações a respeito de – e contribuições feitas por – cada um de nós”.

5. Até então, os anúncios apareciam nas páginas de busca do Google. Foi então que a empresa expandiu sua plataforma ainda mais. O objetivo era desenvolver uma forma de inteligência artificial capaz de analisar trechos de textos – sites, blogs, e-mails, livros – e encontrar neles correspondências com determinadas palavras chave. Com dois bilhões de páginas já indexadas e com o seu atento rastreamento do comportamento dos usuários, o Google contava precisamente com as informações necessárias para isso. O sistema previa quais anúncios seriam mais eficazes naquele contexto de um determinado site.

O Google batizou seu projeto de AdSense. Para todos aqueles interessados em “transformar em dinheiro” o seu conteúdo, era o Santo Graal. “O Google conquistou o mundo da publicidade sem usar nada além da matemática aplicada”, escreveu Chris Anderson, editor da Wired.

As buscas e a publicidade se tornaram os dois lados complementares de uma espada afiada. O mecanismo de busca perfeito lê a nossa mente e produz a resposta que queremos. O mecanismo de publicidade perfeito faz o mesmo: nos mostra os anúncios que queremos ver.

O sonho é o de uma publicidade virtuosa, pareando compradores e vendedores e beneficiando a todos simultaneamente. Mas, nesse sentido, a publicidade virtuosa é uma contradição. O anunciante está pagando por uma fatia da nossa limitada atenção. Se os nossos interesses e os interesses dos anunciantes estivessem num alinhamento perfeito, eles não precisariam pagar. Não existe utopia da informação. Os usuários do Google participam de uma complexa transação e, se há uma lição que podemos aprender com todos esses livros, esta seria a de que nem sempre somos conscientes.

 

Bom ou mau? O lema do Google é “não seja mau”. A frase foi dita pela primeira vez em 2001 por um engenheiro, Paul Buchheit, numa reunião sobre os valores corporativos. “As pessoas riram”, lembra-se. “Mas eu disse, ‘Não, é sério’.” (Na época o mundo da tecnologia tinha seu bode expiatório, e funcionários do Google entenderam “não seja mau” como sendo “não seja a Microsoft”; ou seja, não seja um monopolista implacável.)

“Não seja mau” não pressupõe transparência. Nenhum dos livros é capaz de nos dizer quantas buscas o Google faz, nem sua capacidade de armazenamento, nem o número de ruas fotografadas e nem quantos e-mails o Google mantém armazenados; e nem podemos encontrar as respostas no Google, porque ele valoriza sua própria privacidade. Quem, afinal, determina o significado de ser mau? “Mau é tudo aquilo que Sergey disser que é mau”, explicou Eric Schmidt, então CEO do Google, em 2002.

O Google foi um pouco mau na China. Ele colaborou com a censura. Desde 2004, a empresa fez alterações e distorções no algoritmo, filtrando os resultados de maneira que a versão local, Google.cn, omitisse páginas que desagradassem ao governo. Mas é também verdade que o Google contrariou o governo chinês. Quando certos resultados eram bloqueados, ele fazia questão de alertar os usuários por meio de uma notificação na parte inferior da página.

Assim sendo, será que o Google é mau? Esta é a pergunta que paira no ar; ela nos inquieta, mesmo enquanto confiamos ingenuamente nas respostas dadas pela empresa – respostas que incluem mapas, traduções, imagens das ruas, agendas, vídeos, informações financeiras e indicações de bens e serviços.

A versão mais contundente das acusações contra o Google é exposta com clareza em Search & Destroy (ainda não publicado no Brasil), de Scott Cleland, autodenominado crítico da empresa. Ele não usa meias palavras.

“O mascote corporativo do Google é uma réplica de esqueleto de Tiranossauro Rex, exibida do lado de fora da sede da empresa. Com seus poderosos dentes e mandíbulas, o tiranossauro era um predador terrível.”

Levy é mais ponderado: “O Google se apresentou como empresa dotada de certa pureza moral… Mas parece ter havido um ponto cego sobre as consequências de sua própria tecnologia na privacidade e nos direitos de propriedade”.

 

Todas as provas indicam que os fundadores do Google começaram com uma visão incomumente ética para a sua empresa incomum. Eles acreditam na informação – “universalmente acessível” – enquanto força benéfica; são visionários numa época em que tal palavra é empregada de maneira demasiadamente gratuita. Talvez agora eles se mostrem pouco inclinados a se submeter aos padrões éticos de outras pessoas, mas talvez isso não passe de uma questão de personalidade.

É bom lembrar que a corporação moderna é uma criatura amoral por definição, leal às finanças dos acionistas e não aos interesses do público.

O que sabemos é: precisamos decidir o que queremos do Google. Se ao menos nossa consciência coletiva pudesse tomar uma decisão. Neste caso, ainda é provável que não consigamos o desejado.

A empresa sempre diz que os usuários podem “optar por serem excluídos” de muitas de suas formas de coleta de dados, coisa que é verdade, até certo ponto, para os usuários de computador mais experientes; e a empresa fala na privacidade em termos de “barganhas”, algo a que Vaidhyanathan se opõe:

“A privacidade não é algo que possa ser contado, dividido ou ‘barganhado’. Não se trata de uma substância e nem de uma coleção de pontos de informação. Trata-se apenas de uma palavra que usamos desajeitadamente como substituta de uma ampla gama de valores e práticas que influenciam a nossa maneira de administrar nossa reputação em diferentes contextos. Não existe fórmula para interpretá-la: não posso dar ao Google três dos meus pontos de privacidade em troca de um serviço 10% melhor.”

Isso me parece correto, se acrescentarmos que a privacidade envolve não apenas a administração de nossa reputação, mas também a proteção da vida interior que talvez não desejemos compartilhar.

Seja como for, continuamos a fazer exatamente o tipo de barganha que Vaidhyanathan diz ser impossível. Será que queremos ser tratados como indivíduos ou como neurônios do cérebro mundial? Obtemos melhores resultados nas buscas e vemos anúncios mais apropriados quando deixamos o Google saber quem somos. E nos poupamos de digitar alguns caracteres a mais.

/ TRADUÇÃO AUGUSTO CALIL

* É escritor, autor do livro The Information, que teve um de seus capítulos publicados pelo Link de 10 de agosto de 2011. 

—-Leia mais:‘Link’ no papel – 31/10/2011

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