O relógio costuma ser o maior adversário do brasileiro Michel Abadi em sua vida em Israel. “O brasileiro tem fama de chegar sempre atrasado. Não importa que o israelense atrase mais que eu: todo mundo olha a que horas eu chego”, brinca o investidor – que compareceu pontualmente à entrevista com o Estado. Há 13 anos morando em Tel Aviv e com experiência em bancos como o JP Morgan, Abadi se dedica desde 2013 a um mundo novo: as startups. Junto a um sócio israelense, Yaron Carni, ele comanda o fundo Maverick, que investe em empresas iniciantes israelenses.
Um terço do capital levantado pelo fundo, diz Abadi, é de brasileiros – os outros dois terços se dividem, respectivamente, entre capital norte-americano e do “resto do mundo”. Até hoje, o Maverick já investiu em 12 empresas – todas israelenses ou com uma relação muito próxima com o país asiático. “Para investir em uma startup, não posso ter só capital. Preciso ter algo a adicionar para o empreendedor e, no nosso caso, pode ser abrir um centro de pesquisa em Israel ou fazer contatos com empresas de lá”, diz ele. Por conta disso, Abadi afirma não ter planos de investir em startups brasileiras.
A mais conhecida das empresas investidas por Abadi, ao menos no Brasil, é a StoreSmarts, que atuou em parceria com o Movimento Brasil Livre (MBL) para medir a quantidade de pessoas que compareceram aos protestos contra o governo de Dilma Rousseff na Avenida Paulista em 13 de março. Para chegar ao número de 1,4 milhão de manifestantes, a empresa utilizou dois métodos: mandou pesquisadores às ruas para checar a proporção de pessoas usando sinal de Wi-Fi e, a partir disso, mediu quantos celulares estavam com antenas abertas para usar as redes sem fio.
Segundo o brasileiro, há duas diferenças brutais entre o ecossistema de startups do Brasil e de Israel. Lá, as empresas nascem pensando globalmente e, ao contrário do que costuma acontecer aqui, são os fundos que precisam correr atrás das empresas. “Sempre acredito que há alguma armadilha quando o empreendedor só me quer pelo tamanho do cheque eu assino”, diz.
Conexão. Engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Abadi começou sua carreira em 1995 no antigo Banco Patrimônio que, depois de várias aquisições, se tornou parte do JP Morgan Chase. Lá, Abadi administrava um portfólio de US$ 1,5 bilhão até 2001.
Dois anos depois, ele se mudou com a família – esposa e dois filhos – para Tel Aviv, onde passou a trabalhar no fundo de investimentos Gems. A mudança também aumentou a responsabilidade nas mãos do brasileiro, que chegou a administrar US$ 7,5 bilhões em recursos, pouco antes da crise financeira de 2008.
A tecnologia apareceu como um hobby de fim de semana. “Fiz alguns investimentos para família e amigos em startups brasileiras. Por sorte, tivemos boas tacadas”, diz Abadi. “Depois que a poeira da crise de 2008 assentou, decidi transformar a experiência amadora em profissional”, conta o brasileiro, de quipá na cabeça e sotaque carregado pelo dia a dia com conversas em inglês e hebraico – duas das línguas mais faladas em Israel, ao lado do árabe.
Ponte. Além do Maverick, Michel também se dedica a aproximar a distância de 10 mil quilômetros que separam São Paulo em Tel Aviv: ele recebe delegações brasileiras de empreendedores para mostrar o ecossistema de startups – caso da Anjos do Brasil, formada por investidores anjo do País.
Ele também criou a Beit Brasil (“Casa do Brasil”, em hebraico), que ajuda brasileiros a encontrarem moradia e emprego após imigrarem para Israel.
“Cheguei a Tel Aviv com boas condições, mas sei que não é todo mundo que consegue isso”, diz Michel. “Brasil e Israel são países muito diferentes. É difícil se adaptar.”
Segundo dados da Beit Brasil, cerca de 500 brasileiros decidiram morar no país asiático no ano passado, em aumento de 58% com relação a 2014 e um recorde desde 1948, quando o Estado de Israel foi formado.
Para Michel, apesar da fama de atrasados, os brasileiros são vistos com muita empatia pelos israelenses. Segundo ele, a impressão vem por conta da “fama” do País no futebol no exterior, por exemplo, mas também pela experiência de muitos jovens israelenses que fazem mochilões pelo Brasil. “Para eles, nós somos um país quente, não só no clima, mas também na relação entre as pessoas.”
Apesar da boa reputação dos brasileiros, as startups criadas aqui ainda devem levar algum tempo para alcançar credibilidade por lá. Para Michel, falta ao Brasil um caso de sucesso internacional que consiga fazer o País atrair a atenção para suas companhias iniciantes. “Se o Brasil conseguir um Waze ou um Moovit, os investidores internacionais passarão a olhar para as empresas daqui de forma mais séria”, avalia.
Enquanto isso não acontece, ele recomenda uma política de Estado para que o setor consiga resolver outro problema no País: a falta de capital de risco, motivada pela alta taxa de juros e pela solidez dos fundos de renda fixa.
“O governo pode criar incentivos para o investidor, protegendo-o do risco”, diz ele. Em Israel, segundo ele, se a empresa perder 10% do capital, quem toma o risco é o governo. Isso faz o investidor apostar”, diz Abadi.
De acordo com o executivo, a política fez fundos com foco em biotecnologia faturarem milhões no país – e Israel não perdeu um centavo.