Não é só na folha de pagamento das atletas do futebol que há uma diferença “astronômica” nos valores pagos entre os times masculinos e femininos. Anunciar na Globo durante a transmissão oficial dos jogos da Copa do Mundo de Futebol Feminino deste ano custará, no máximo, R$ 1,5 milhão para os patrocinadores. O preço das cotas de publicidade para a transmissão do evento é bem mais baixo do que o praticado na Copa do Catar, em 2022, cujo investimento foi até 119 vezes maior do que na modalidade feminina deste ano.
O Estadão obteve acesso ao plano comercial da Globo que foi divulgado às agências publicitárias e anunciantes, que traz informações sobre os pacotes de mídia e anúncios dos jogos oficiais da competição feminina. Ao todo, 10 patrocinadores participarão das transmissões dos jogos, entre eles o Banco BMG, Guaraná Antarctica, Magalu e Visa.
Para especialistas em marca, como Cecília Russo, da Troiano Branding, a iniciativa da empresa de transmitir os jogos é positiva. O preço da cota, por sua vez, é um reflexo da falta de apoio à modalidade praticada pelas mulheres e também dos problemas de equidade de gênero no País. A título de comparação, a cota mais robusta de patrocínio comercializada pelo Globo em 2022 para a Copa no Catar custava aproximadamente R$ 179 milhões, que dava direito ao principal pacote de entregas na transmissão dos jogos.
Essa é a segunda edição do principal evento para o futebol feminino mundial que será transmitido pela TV Globo no País. Em 2019, a companhia criou um esquema de transmissão que envolvia seus canais digitais, TV aberta e canais na TV por assinatura, como o SporTV, que já exibia o evento desde 2007.
A Globo informou que o projeto de cotas de participação para a competição foi desenhado para garantir o máximo de visibilidade e alcance nos intervalos comerciais da TV aberta e por assinatura. “Vale reforçar o alto potencial de engajamento e possibilidades de conexão com a audiência”, disse a emissora, em nota. " Em relação aos projetos comerciais, essas diferenças estão, inclusive, nas entregas e oportunidades completamente distintas entre planos de patrocínio e de cotas de participação.”
Em relação às diferenças de transmissão - como quantidade de jogos -, a diretora de eventos esportivos da Globo, Joana Thimoteo, afirma que o tempo de maturidade entre as duas modalidades é diferente, uma vez que a primeira edição do masculino foi feita em 1930, enquanto o feminino só começou 61 anos mais tarde, em 1991. “Enquanto o futebol masculino já está consolidado para o mercado, o feminino ainda precisa de fomento e essa construção é coletiva”, disse a executiva.
Conforme divulgado no plano comercial, em 2019, a transmissão dos jogos da Copa do Mundo feminina atingiu mais de 101 milhões de brasileiros, com uma média de 38 milhões de espectadores por jogo. Para esta edição, a TV Globo transmitirá sete jogos ao vivo durante o torneio: as partidas do Brasil na fase de grupos mais um jogo das oitavas, das quartas, uma semifinal e a final. Se forem todos do Brasil, tanto melhor.
Com o investimento de R$ 1,5 milhão, o anunciante terá direito a sete inserções de 30 segundos nos intervalos, uma por jogo, além das entregas digitais.
Diante dos investimentos tidos como “baratos”, cabe aos patrocinadores fazerem valer essa economia usando todas as suas ferramentas para amplificar a relevância dos jogos da copa feminina, não só pelo retorno de marca, mas também como uma forma de promover verdadeiramente as jogadoras do Brasil. “As meninas estão lá correndo atrás da bola, treinando tanto quanto os homens, competindo em dois tempos de 45 minutos. É igual ao masculino, não é um jogo ‘café com leite’, as marcas tem que mostrar o mesmo respeito”, diz Cecília Troiano.
A discrepância abissal de valores dos investimentos em publicidade no futebol feminino e masculino também aparece na tabela do plano de mídia da Globo para os campeonatos nacionais. Esse é o caso do Brasileirão feminino, cuja principal cota sai por R$ 9 milhões, enquanto o masculino é comercializado por R$ 227 milhões, uma diferença 25 vezes.
O papel das marcas
Na avaliação de Viviane Elias Moreira, especialista em diversidade, equidade, inclusão e inovação, a escolha da Globo de ter cotas mais baratas para a Copa do Mundo feminina passa por um processo de experimentação desse produto na grade da TV. Viviane acredita que a iniciativa é positiva, mas os valores cobrados dos anunciantes pode reforçar a ideia de que os jogos de futebol feminino são menos interessantes do que o masculino. “É como diminuir o valor (do anúncio) porque as mulheres jogando não chamam tanto atenção do público quanto os homens”, diz.
Para a especialista, apesar da diferença de valores, é preciso reconhecer que essas marcas —tanto a Globo quanto os 10 anunciantes— foram “corajosas de colocar a sua reputação na transmissão do futebol feminino”, o que seria uma ação de incentivo ao esporte e não uma ação de “lacração”. No entanto, as companhias precisam dar outros sinais de apoio às jogadoras da seleção brasileira. “Nós temos de esperar o mesmo suporte que as companhias deram para o futebol masculino agora para as nossas meninas. É colocar telão nas empresas, liberar os funcionários para assistirem às partidas, fomentar de verdade o futebol delas”, diz.